Há 8 meses atrás, no dia 24 de setembro de 2018, eu passava pela noite mais longa da minha vida, meu pensamento estava centrado nas piores possibilidades de complicações que o procedimento da cirurgia bariátrica poderia ter. O medo foi mais forte que um zolpiden de 10mg e assim, fui para o centro cirúrgico sem dormir por nenhum segundo nas últimas 24 horas que antecederam a cirurgia bariátrica.
Após completar 8 meses e deixar para trás 23 kilos, observo as fotos e reconheço que nunca me enxerguei obesa, trago a imensa gratidão por ter um reumatologista que sempre olhou para a obesidade como uma doença que precisava ser tratada, além da artrite reumatoide. Principalmente por ele ter percorrido junto comigo passo a passo dessa jornada de resultados exitosos, sem nenhum tipo de intercorrência e com um giro de 360º na minha qualidade de vida.
Nessa trajetória assumi um relacionamento sério com a comida e principalmente com a atividade física, isso consequentemente acabou com todo os conflitos reumatológicos, tanto com a artrite reumatoide, quanto com o meu reumatologista, pois juntos podemos dizer que vencemos a obesidade. Confira o breve resumo de como foi chegar até aqui:
Tratamento multidisciplinar para emagrecimento
Durante 6 anos, utilizando todos os recursos multidisciplinares tradicionais que envolveram o reumatologista, endocrinologista, nutrólogo e nutricionista. Esgotamos todas as possibilidade de emagrecimento com medicamentos e de “mudança de hábito de vida”.
Usei muitos medicamentos, desde sibutramina, topiramato e lisdexanfetamina (venvanse), este último de custo elevado e com um impacto absurdo sobre o meu estado psicológico, por ser um medicamento usado originalmente para tratar o déficit de atenção, a lisdexanfetamina me deixava absurdamente inteligente, levando-me a escrever por 36 horas ininterruptas durante um fim de semana, sentia-me exausta, mas minha mente não queria dormir.
Sempre tive medo de corredores, até que um dia percebi que meu medo, estava se transformando em pânico. Uma noite ao voltar para o hotel em que estava sozinha, fiquei muitos minutos travada no hall do elevador, olhando para o corredor e sem coragem de continuar caminhando, minhas mãos estavam frias, meu coração taquicárdico e de repente estava correndo. Chegando no quarto, mandei mensagem para o meu reumatologista comunicando que havia chegado no meu limite, estava na hora de parar de tomar remédios para emagrecer e passar para a última etapa que vinha sendo discutida há mais de 2 anos: realizar a cirurgia bariátrica.
Planejamento da cirurgia bariátrica
Por decisão e responsabilidades compartilhadas, junto com o meu reumatologista criamos um plano de realização da cirurgia, conversamos seriamente sobre todas as possibilidade e principalmente sobre o quanto seria importante ter responsabilidade depois da cirurgia, ficando claro que ele estava autorizando, no entanto eu deveria se comprometer com o acompanhamento pré e pós-operatório a curto e eterno prazo. A bariátrica é uma escolha sem volta.
Iniciei os exames e consultas pré-operatórias em abril de 2018, em julho estava com todas os relatórios médicos e da equipe multiprofissional emitidos. Momento em que programamos a suspensão do medicamento biológico, recebi a última dose de tocilizumabe na primeira semana de agosto e realizei a cirurgia no dia 25 de setembro.
Cirurgia e pós operatório imediato
Considerando a provável necessidade de em algum momento ser necessário utilizar medicamento oral para o tratamento da artrite reumatoide, decidimos pela técnica de Gastrectomia Vertical – Sleeve Gástrico, neste tipo de procedimento não ocorre diminuição da absorção de medicamentos.
A gastrectomia vertical é um procedimento cirúrgico, realizado por videolaparoscopia em que o estômago é reduzido a cerca de 70%, ficando com a capacidade de 80 a 100 ml, minha cirurgia demorou aproximadamente 1 hora. Duas horas depois estava no quarto com a orientação de caminhar imediatamente após estar acordada.
O pós-operatório imediato é bastante desconfortável, durante a videolaparoscopia o abdômen é insuflado com CO2, ficando cheio de ar. Quando acordei ainda na sala de recuperação anestésica já senti uma dor forte, que doía da barriga até o ombro, era como se tivesse uma grande fome x dor x desconforto para respirar.
Senti essa dor e desconforto durante 9 horas, no momento da dor é bastante complicado entender que para melhorar é preciso caminhar, no entanto a medida em que caminhei a dor foi aliviando e assim passei as primeiras 24 horas, caminhando e fazendo exercícios respiratórios. Na manhã do dia seguinte a cirurgia, já não tinha mais dor.
Reaprender a comer – dieta líquida x dieta geral
Quando estava se organizando para operar, li muitas coisas nos grupos do Facebook sobre bariátrica e formei uma imaginação de que a dieta líquida era como passar pelo vale da sombra da fome. Mas não, a dieta líquida foi super tranquila, em nenhum momento eu senti fome.
Uma das principais características da cirurgia bariátrica é a reeducação alimentar compulsória, pois não temos a alternativa de não cumprir a dieta, saímos do hospital com orientações e devemos segui-las rigorosamente. Mesmo porque voltar a comer, foi mais difícil do que tomar líquidos por 15 dias.
Conforme as orientações de cada cirurgião, a dieta líquida é iniciada 24 horas depois da cirurgia, ela é composta por basicamente agua de coco, gelatina diet, caldo salgado de carne vermelha, frango ou peixe, Gatorade, água e chás. Nunca imaginei que tomar líquidos poderia doer, nessa fase tomamos de golinho em golinhos, nos primeiros dias usei uma colher para conseguir engolir sem dor.
Nessa fase, o cirurgião autorizava o consumo de café com leite, mas durante 14 dias, todas as manhãs eu tentava tomar e não conseguia, essa foi a fase mais chata da dieta líquida, pois eu sentia abstinência de tomar café. O meu limite de aceitação na ingesta líquida era de 750 ml por dia, a orientação médica estabelecia como meta 1500 ml, no entanto, segundo o cirurgião isso dependia do limite de cada pessoa, o mais importante era focar na hidratação, ingerindo líquidos de 20 em 20 minutos, sempre de pouquinho, no começo tomava um copo de 50 ml por hora e assim seguia o dia todo.
À partir do 16º dia, é feito a transição da dieta líquida para a pastosa (tipo sem resíduos), nas primeiras tomadas de sopas e caldos grossos, sentia dor, era como se um saco de cimento caísse no estômago, a comida causava dor, doía mais do que beber líquido nos primeiros dias.
Com 30 dias estava liberado a “dieta geral”, ai sim a brincadeira ficou séria, comer era um desafio, principalmente carne. Logo escolhi comer carne moída, franco desfiado ou qualquer coisa que fosse bem mole e molhado. Comer fora de casa, foi uma grande barreira. Tive que aprender a identificar o que eu poderia comer, onde comer, como comer, por muitos dias ao viajar, levava a minha comida, algumas vezes recorri a sopinha de bebê da Nestlé.
Hoje consigo comer sem sentir dor, tive que reaprender a me permitir um tempo para as refeições, ao tentar comer rápido tenho um discreto desconforto, é como se o estômago estivesse cheio, por isso, aprendi a comer devagar e selecionar o que comer primeiro. Seguindo a regra básica das refeições que costumamos aprender com nossas mães: não beber líquido nas refeições, agora a vida é assim, se fizer a ingesta de líquidos, não consigo comer.
Outro ponto de mudança importante no padrão alimentar é as escolhas, priorizando sempre o que tem mais proteína, que me mantém alimentada por mais tempo, além claro de ter o fator nutricional.
Perda de peso
Nos primeiros dias a perda de peso acontece de forma surpreendente, com a média de 1 kilo por dia. Na medida que a dieta foi sendo liberada, observei que a perda de peso diária foi diminuindo. Mas claro, não deveria se pesar todo dia, porém não resistia, todas as manhãs subia na balança, isso gera uma certa ansiedade.
A meta médica de perda de peso é de 30% do sobrepeso, ou seja, operei com 92 kilos, então deveria perder 28 kilos, ficando com 64 até o segundo ano de cirurgia. Hoje estou com 69, faltando apenas 5 kilos para atingir a meta médica.
Vida pós bariátrica
Antes de operar eu imaginava uma vida repleta de restrições, principalmente alimentares, acreditava que não poderia comer uma série de coisas, no entanto hoje consigo comer todas os tipos de comidas e até doces. A minha única resistência está ligada a gorduras e doces muito doces, se insisto tenho dupping, que é um ligeiro mal estar que parece durar uma eternidade e temos a sensação de que vamos morrer.
Certamente Deus criou o dupping para evitar o reganho de peso, porque quando temos um dupping geramos o medo de voltar a comer o agente causador, logo, diminuímos a chance de voltar a engordar. Fui liberta da coca-cola diária, antes todo dia tomava coca-cola, hoje já não consigo, o gás do refrigerante causa um desconforto gástrico bem chato. De vez em quando, principalmente quando estou com a agenda maluca, preciso do suporte emocional que só a coca-cola tem, porém não consigo tomar mais de 100 ml de coca e ainda com gelo para diminuir o gás.
Com o emagrecimento rápido é comum a perda de massa muscular, aumentando a possibilidade de ter complicações, principalmente em pacientes com artrite reumatoide, sendo assim a meta do cuidado pós-bariátrica é não perder nenhum 1% de massa muscular.
Introduzi a atividade física com o objetivo de realizar o fortalecimento muscular, sigo a meta de 1 hora e meia por dia com a pratica de exercícios aeróbicos com jump, flight, pilates e musculação. Quando estou viajando faço 30 minutos de elíptico e 15 de esteira, mas somente em dias de agenda externa, pois elíptico e esteira aceleram a perdas de peso e não quero emagrecer muito rápido, o emagrecimento lento causa menor impacto sobre a saúde.
Entre o terceiro e quarto mês da cirurgia bariátrica o cabelo começa a cair, mesmo tomando as vitaminas prescritas, não tem jeito, precisamos pagar com cabelo cada grama de peso perdido. Na tentativa de diminuir a queda, cortei o cabelo curtinho e fiz umas luzes, pois psicologicamente acredito que assim o cabelo cairia menos e as luzes permitiram a sensação de ter mais cabelo (ilusão).
As vitaminas foram introduzidas de forma profilática, com 21 dias foi introduzido o Centrum Mulher, Biotina de 5.000ui e Vitamina B. Para monitoramento são utilizados exames de sangue, densitometria óssea e bioimpedância, todos os meus exames estão normais e não apresentei nenhuma perda nutricional até este momento.
Durante essa jornada, a artrite reumatoide se manteve controlada , entre o período de pré e pós-operatório fiquei sem biológico praticamente 3 meses e não tive nenhuma reativação inflamatória da doença. Operei em remissão e em remissão estou, meus exames de controle da AR estão todos normais, PCR e VHS normais. Com a perda de peso, meus joelhos e quadris que sempre apresentavam dores de característica mecânica, nunca mais doeram, isso é simplesmente gratificante.
Durante anos a minha glicemia glicada e colesterol estavam sempre elevados, isso aumentava o risco de comorbidades secundárias a artrite reumatoide. E claro, seus índices elevados eram motivos de discussões com meu reumatologista que a todo instante alertava sobre os riscos e necessidades de mudar os hábitos de vida. Hoje esses exames também estão normais e com isso saí literalmente da curva de riscos.
O que mudou após a bariátrica
Uso de medicamentos: tenho dificuldade para engolir comprimidos grandes, precisei tomar antibiótico e tive que comprar 3 marcas diferentes até chegar a um comprimido que consegui engolir sem sentir que iria morrer engasgada. O efeito de medicamentos também mudou, hoje sinto maior sensibilidade a efeitos colaterais, logo não tomo nenhum medicamento sem consultar meu reumatologista. O uso de antiinflamatórios foi modificado para aqueles que são metabolizados no intestino e não no estômago.
Alimentação: meus hábitos diários de alimentação mudaram 100%, hoje não consigo ficar mais do que 3 horas sem comer, a cada refeição preciso consumir proteína, sem proteína eu sinto fome em menos de 2 horas. Não bebo mais refrigerante e também não consigo mais comer e beber, se vou tomar um suco, não consigo comer a comida, se vou tomar uma xícara de café com leite, não vou conseguir comer por exemplo um pedaço de queijo branco. Vou me adaptando, por exemplo acordo as 6 horas para ir a academia, tomo um pouquinho de café com leite e como queijo branco, quando retorno então tomo o segundo café, dessa vez com algum tipo de carboidrato. O desperdício de comida é algo que me incomoda profundamente, pois todos os restaurante oferece pratos padrões tipo normal, e eu consigo comer aproximadamente 30%, quando estou fora de casa, vivo a procura de restaurantes self-service.
Atividade física: a flacidez causada pelo emagrecimento chega com força total, quando nos olhamos no espelho e se deparamos com o nosso corpo murchando, assumimos a responsabilidade de praticar atividade física não somente por questão de saúde, mas por estética também. Somente com atividade física é possível prevenir alguns tipos de flacidez que somente poderia ser corrigidas de duas formas: exercícios ou cirurgias plásticas reparadoras. Minha experiência com a abdominoplastia que realizei em 2012, me fazem todas as manhãs lembrar da dor e das dificuldades em que passei, logo, levanto da cama cedinho para correr atrás do prejuízo.
Sabemos que ainda não podemos curar a artrite reumatoide, por isso devemos assumir a responsabilidade e trabalharmos duramente para afastar todo e qualquer fator de risco secundário a AR. A obesidade é uma doença e precisa de ajuda médica para ser combatida. A cirurgia bariátrica nunca deve ser a primeira escolha, mas tratar a obesidade com suporte da equipe multiprofissional e do reumatologista é fundamental para o envelhecimento com qualidade de vida. Converse abertamente com o seu reumatologista.
Histórico:
- Peso na data da cirurgia bariátrica – 25/09/2018: 92 k IMC: 38.3
- Peso atual – 30/05/2019: 69 k IMC: 28
- 8 meses: 23 K #Off
Informações úteis:
- Precisamos falar, tratar e combater a obesidade, ela é uma das maiores inimigas da qualidade de vida das pessoas com doenças inflamatórias, como por exemplo a artrite reumatoide e diversas doenças reumáticas.
- A cirurgia bariátrica não é e nunca deve ser a primeira escolha para o emagrecimento, somente devemos pensar nessa alternativa depois de pelo menos 2 anos tentando emagrecer com acompanhamento médico, nutricional -reeducação alimentar e pratica de atividade física.
- A obesidade deve fazer parte da conversa e decisões compartilhadas com o reumatologista #sempre.
- Quando o reumatologista fala que “precisamos emagrecer”não é chatice, é cuidado + claro, odiamos com todas as forças ouvir isso, por isso, que tal, buscarmos a mudança.
- Segundo o Rol de cobertura obrigatória da ANS: os planos de saúde são obrigados a fornecer cobertura completa ao tratamento da cirurgia bariátrica para pessoas com obesidade e IMC acima de 35 e doenças crônicas, como a artrite, artrose, diabetes, hipertensão e depressão, doenças bastante comuns que são agravadas pela obesidade.
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Agradeço por ter tirado seu tempo pra escrever seu depoimento, estou com todos os laudos em mãos, mas com uma insegurança tremenda de fazer mesmo a cirurgia.
Meu peso atual é 99kg, inúmeros problemas ortopedicos que só pioraram após um acidente de carro.
Todos os meus médicos me deram apoio, inclusive a minha psicóloga que já me acompanha a alguns anos.
Espero voltar aqui e dar meu relato de sucesso tambem.
Oi, Aline torcendo muito por vocês, essa foi a melhore decisão da minha vida. Já tenho 5 anos de bariátrica e não tive reganho, e estou super mega bem.. Se cuide mto!!
Muito obrigada por este relato tão completo. Estou com uma semana que fiz a cirurgia pelo método sleeve e o mundo de dúvidas é infinito. Desejo muito sucesso e felicidade em sua caminhada!