A prática de mindfulness, um estado mental que se concentra em aumentar a consciência e a aceitação das experiências vividas no momento presente, incluindo as experiências de dor crônica, estresse, ansiedade e depressão, vem se consolidando em diferentes dimensões da vida social tanto do ponto de vista da prática quanto do ponto de vista da pesquisa científica.
O termo “mindfulness” ou “atenção plena”, como é traduzido para o português, pode ser usado para fazer referência ao Programa de Redução do Estresse Baseado em Mindfulness, o MBSR (Mindfulness Based Stress Reduction), criado na década de 1970 por Jon Kabat-Zinn, professor da Universidade de Massachusetts – EUA. Inicialmente o mindfulness foi desenvolvido para pacientes com dor e estresse crônicos.
A partir de então, o mindfulness, seja como prática de intervenção, seja em sua significação enquanto conceito foi sendo introduzido gradativamente na medicina e na psicologia ocidentais. O interesse crescente pelo mindfulness no campo da saúde se deve principalmente aos resultados obtidos por uma variedade de estudos que associam sua prática à diminuição de sintomas físicos e psicológicos, como ansiedade, depressão, dor crônica, hipertensão, câncer etc. Sendo uma prática inicialmente utilizada fora dos limites da ciência, o mindfulness só passou a ser examinado cientificamente em um momento posterior. Esse escrutínio científico levou à realização de meta-análises de tratamentos baseados em mindfulness.
Usando como referência as análises do psicólogo clínico Lance McCraken, no que diz respeito às pesquisas sobre aplicabilidade do mindfulness, foi realizada em 2002 uma revisão de literatura sobre a prática de mindfulness referente a várias condições, sendo a mais frequente a condição de dor crônica. Observou-se que, nos últimos vinte anos, a utilização da intervenção em ambientes médicos cresceu vertiginosamente. Em seu texto, McCraken menciona outra meta-análise, na mesma linha, publicada pelos pesquisadores Grossman, Neiman, Schimit e Walach (2004), concluindo que o mindfulness é profícuo como intervenção para uma ampla gama de doenças crônicas como dor crônica, doenças cardíacas, câncer, ansiedade e depressão, bem como outros grupos não clínicos.
Dentre os estudos mais recentes sobre abordagens científicas na aplicação do mindfulness para dor crônica, pode ser destacado um estudo realizado pela Universidade de Washington, publicado no Journal of American Medical Association em 2016 (https://jamanetwork.com/journals/jama/issue/315/12), que avaliou a eficácia do mindfulness, comparando-o com a terapia cognitivo–comportamental em pacientes com dor lombar crônica. Esse estudo demonstrou que o mindfulness é uma opção de tratamento eficaz para essa condição, destacando que o grupo de mindfulness sustentou as melhorias na função e alívio da dor 26 semanas após o término do programa.
A prática regular de mindfulness pode ser útil em melhorar o modo de lidar com o sofrimento e superar obstáculos na vida cotidiana, como é o caso das pessoas que sofrem de dor crônica. Tal dor é, normalmente, definida como a dor que persiste por mais de três meses. Está bem documentado na literatura médica que dor crônica e depressão possuem uma relação íntima, de modo que é bastante comum pessoas que convivem com dor crônica serem diagnosticadas com depressão. Com o intuito de melhorar o entendimento dessa relação imbricada, estudos têm revelado que as vias sensoriais da dor compartilham as mesmas regiões do cérebro envolvidas no processamento das emoções. Também há evidências de que ocorrem alterações em algumas estruturas do cérebro como a redução de volume do córtex pré-frontal e do hipocampo, áreas que estão intimamente relacionadas à severidade da depressão (Sheng ,2017).
A boa notícia é que um estudo-piloto da Universidade Northwestern Medicine, realizado pela Dra. Inger Burnett-Zeigler, pesquisadora e professora auxiliar de psiquiatria e ciências do comportamento, concluiu que oito semanas de treinamento em atenção plena são eficazes em aliviar sintomas depressivos e reduzem o estresse de mulheres afro-americanas de baixa renda, podendo ser uma opção ao tratamento mais convencional de saúde mental. Uma vantagem adicional é que, por ser um tratamento de baixo custo, essa intervenção pode favorecer o aumento do acesso da população de baixa renda aos tratamentos, reduzindo o estigma relacionado com a busca de apoio para cuidar da saúde mental.
O estudo foi realizado com 31 mulheres afro-americanas com idade de 18 e 65 anos que apresentavam sintomas depressivos. Dentre as participantes do estudo, 87% relataram não ter recebido nenhum tratamento de saúde mental convencional até aquele momento, 45% não tinham experiência anterior com meditação e 71% afirmaram que não tinham nenhuma experiência anterior com ioga (Pedersen, 2016).
Praticar mindfulness regularmente ajuda a acalmar e concentrar a mente, ao focar nas sensações físicas, nas emoções e nos pensamentos no momento que estão acontecendo, sem julgar a experiência, bem como a aceitar a dor de maneira realista e, assim, aprender a gerenciá-la de modo que a vida seja colocada em movimento para além da dor crônica e da depressão, restabelecendo uma qualidade de vida e uma reabilitação na vida social. Contudo, vale destacar que o mindfulness não é uma panaceia, não serve para tudo e para todos igualmente. Desse modo, é recomendável procurar saber se a prática é a melhor opção de intervenção para o paciente em determinado momento de sua vida e se ele se adapta às técnicas.
Os tempos de confinamento e isolamento social causados pela Covid-19 podem ser uma para aprender as práticas de mindfulness de gerenciamento da dor, depressão e de outros sintomas emocionais tóxicos advindos da pandemia. Como lembra Pedersen, existem muitas maneiras de aprender mindfulness hoje, devido à diversidade de recursos existentes e facilmente acessíveis em livros, aplicativos de celular, sites que disponibilizam áudios, lives, vídeos de práticas no Youtube, aproveite-os! Entretanto é fundamental contar com um/a instrutor/a profissional para assegurar os benefícios da prática e potencializar o aprendizado, em sessões on-line e/ou presenciais em grupo (quando estas forem possíveis). Seja como for, o mindfulness é uma forma de usar os seus próprios recursos para melhorar sua saúde e seu bem-estar.
Referências
1. CHERKIN, Daniel C.; SHERMAN, Karen J.; BALDERSON, Benjamin H. et al. Effect of stress reduction based on mindfulness versus cognitive behavioral therapy or patient care in the back and restrictions on use in adults with chronic low back pain. A randomized controlled trial. Journal of American Medical Association, 2016. Disponível em: <https://jamanetwork.com/journals/jama/issue/315/12 >. Acessado em: 225/05/2020.
2. BURNETT-ZEIGLER, Inger E.; SATYSHUR, Maureen D.; HONG, Sunghyun; YANG Amy; MOSKOWITZ, Judith T.; WISNER, Katherine L.Stress reduction based on mindfulness adapted for women at a disadvantage at a Qualified Federal Federal Health Center. Complementary Therapies in Clinical Practice, 2016. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S174438811630072X>. Acessado em: 06 /08/ 2020.
3. MCCRAKEN, Lance M. Mindfulness and acceptance in behavioral medicine: current theory and practice. Edited by Lance M. McCracken, 2011.
4. PEDERSEN, Traci. Mindfulness May Ease Depression, Stress in Poor Black Women. Disponível em: <https://psychcentral.com/news/2016/08/18/mindfulness-may-ease-depression-stress-in-poor-black-women/108727.html>. Acessado em: 08 /08 /2018.
5. SHENG J.; LIU S.; WANG Y.; CUI R.; ZHANG X. The Link between Depression and Chronic Pain: Neural Mechanisms in the Brain. Neural Plast, 2017. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5494581/>. Acesso em 06 de agosto de 2020.
Fonte: Portal Geledes.
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