Especialista explica os processos da judicialização e as dificuldades para obtenção de medicamentos de alto custo no país
“Se eu perguntar aqui o que é saúde, a tendência de resposta é qual? É não estar doente… Saúde é o mais alto nível de bem estar físico, mental e social. Então saúde não é só ausência de doença, em que precisamos tratar os determinantes sociais da saúde. Porque a questão não é só o medicamento em si, é o transporte, é a moradia digna, é o acesso aos benefícios indiretos que vão estar diretamente relacionados a recuperação da saúde desse paciente.” Foi assim, explicando o conceito de saúde, que o Dr. Jordão Horário da Silva Lima, advogado, membro da comissão de Direito Médico, Sanitário e Defesa da Saúde da OAB/GO, iniciou a sua palestra durante o Fórum de Políticas Públicas em Doenças Reumáticas.
Para o profissional, é importante ressaltar, que a partir de 1988, com a mudança na Constituição Federal, a saúde passou a ser um direito fundamental, social e humano. Um direito de todos. E por isso, todas as vezes que um paciente sinta que teve um direito lesado, ele pode levar isso ao conhecimento do Judiciário. “ E isso nos últimos anos, especialmente de uns 20 anos para cá, teve uma demanda muito grande, especialmente pela busca de medicamentos junto ao poder Judiciário que gerou esse fenômeno da Judicialização”, explicou ele.
Existem, segundo o Dr. Jordão, três tipos de judicialização de medicamentos. O primeiro tipo são os medicamentos que já estão incorporados, padronizados nas listagens oficiais, mas que eventualmente faltam no posto de saúde para a distribuição. O segundo, são os medicamentos experimentais, aqueles que não tem qualidade, eficácia e segurança devidamente atestados mediante ensaios clínicos. E o terceiro, que são as terapias eventualmente já registradas, ou pela Anvisa ou por outras entidades internacionais, ou seja, que já tem a segurança, eficácia e qualidade devidamente comprovadas, mas não foram incorporadas as listagens oficiais, não passaram pelo crivo da comissão nacional de incorporação de tecnologias, a CONITEC.
Sobre o primeiro tipo, o advogado acredita que não deveria haver a judicialização, já que o Estado é obrigado a fornecer esse medicamento. Ele já foi incorporado, então não deveria existir a necessidade de o paciente procurar o Judiciário para conseguir essa medicação. No segundo tipo, ele afirma que o Estado não pode fornecer medicamentos que não tenham segurança, qualidade e eficácia devidamente atestadas. E no terceiro tipo, o mais complicado entre os três, entra a questão da custo-efetividade desse medicamento, pois esses medicamentos de alto custo geralmente se encontram em demanda inelástica, ou seja, existe um monopólio do lado da oferta. O medicamento é de referência, está patenteado. E isso impede a chegada de medicamentos genéricos ou biossimilares para concorrer com esse medicamento de alto custo. E no Brasil as patentes são válidas por pelo menos 20 anos, podendo até mesmo ter acréscimo desse período em 5 a 10 anos.
O Dr. Jordão também apresentou em sua palestra, uma decisão tomada em maio deste ano pelo Supremo Tribunal Federal sobre a judicialização dos medicamentos sem registro na Anvisa. Ficou decidido então que os medicamentos que não tem registro na Anvisa, o Estado não tem obrigação de fornecer. Porém abriu exceção nos casos em que seja caracterizado a mora da Anvisa para analisar esse pedido de registro. Além do esgotamento das terapias disponíveis para aquele paciente.
O profissional fez questão também de abordar durante a sua palestra a importância do Sistema Único de Saúde no direito à saúde estipulado na Constituição de 88. “O Sistema Único de Saúde do Brasil é o maior sistema público do mundo. O Brasil é o único país com mais de 200 milhões de habitantes que assumiu o desafio de ter o direito à saúde universal integral baseado na equidade. O SUS é o maior comprador de remédios do mundo, o SUS possui o maior programa de imunização do mundo. É referência no enfrentamento ao HIV, ao tabagismo. Esse é o nosso Sistema Único de Saúde. Tem problemas? Tem. Precisamos melhorar? Precisamos.”
Porém, para ele, existem movimentos, inclusive dentro do Parlamento, para enfraquecer o SUS. Especialmente na questão orçamentária. “O Sistema Único de Saúde ele é subfinanciado desde que ele surgiu. Sistemas Públicos de Saúde como o do Reino Unido e do Canadá, investem 10% do PIB público em saúde, o Brasil não chega a 4%. Então é muito mais fácil você sucatear o público, precarizar a carreira dos médicos, precarizar os hospitais públicos e entregar para a iniciativa privada depois porque fala que é ruim”
Para finalizar, o Dr. Horário ainda salientou o impacto que a emenda constitucional 95, do teto de gastos, que congelou por 20 anos os investimentos na saúde irá gerar para a população. Pois nesse período a população de idosos irá triplicar, e já que as altas tecnologias de saúde, como os medicamentos de alto custo, não seguem o IPCA para aumentar o preço, os laboratórios continuarão cobrando o preço que quiserem.
“E vem a discussão do porque esse medicamento é tão caro, porque o medicamento tem a mesma proteção jurídica de um chuveiro que toca pen drive. Eu não tenho problema nenhum de um celular custar 10 milhões, de um carro custar 10 milhões, de um iate custar 10 milhões, porque eu vivo sem eles. Mas o medicamento não dá. Estou falando de vidas. Porque aqui no Brasil pelo menos eu posso levar esse debate para o Poder Judiciário, para o Supremo Tribunal Federal. E para quem tem atrofia muscular espinhal, quem tem artrite lá em Moçambique? O que acontece? Morre. Não vai ter acesso. Não tem interesse de mercado”, finalizou ele.
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