Comichão, muito comichão acompanhado por manchas vermelhas pelo corpo e pelo rosto. Assim se caracteriza de forma simples um surto de urticária. Aliás é bastante comum, em algum momento da vida, sermos afetados por um episódio de urticária causado por uma alergia alimentar, pela reação adversa a um medicamento ou mesmo sem uma razão conhecida. Acontece a pelo menos uma em quatro pessoas ao longo da vida, dizem as estatísticas internacionais. Sofremos ali uns dias com umas comichões, recorremos aos anti-histamínicos e pronto, os sintomas desaparecem.
Mas, nem sempre o cenário é resolvido de forma simples. Há casos em que a urticária vem para ficar e para essas pessoas é necessário encontrar as respostas adequadas.
Segundo explica Célia Costa, imunoalergologista do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, há dois tipos de urticária, a aguda e a crônica, “dependendo se as lesões desaparecem, ou não, num período de seis semanas”. Se as manchas avermelhadas, as pápulas (nome dado às manchas na pele quando ganham relevo) e a comichão “se prolongam por mais de seis semanas diariamente, ou quase diariamente, então o doente tem uma urticária crônica e é esta que nos dá mais dores de cabeça”.
E porquê? Porque é uma doença crônica para a qual nem os doentes, nem a comunidade médica estão sensibilizados para o diagnóstico. De tal forma que é frequente as pessoas afetadas pelos sintomas estarem anos sem saberem ao certo que doença têm e sem receberem o tratamento adequado. Andar três, cinco, dez ou mesmo 30 anos a percorrer médicos, serviços de urgência, consultas e as mais variadas terapêuticas antes de encontrarem alívio para a sintomatologia é um relato repetido entre os doentes, assegura a médica que coordena uma das consultas nacionais especializadas em urticária do país e é responsável pelo Grupo Português de Estudos de Urticária (GPEU).
Tem comichão, manchas? Não desvalorize
O primeiro passo para quem há mais de seis semanas tem comichão, manchas avermelhadas, pápulas e até chega a ver algumas partes do rosto inchadas como os lábios, os olhos ou os pavilhões auriculares é, claro está, procurar o médico. Primeiro que tudo há que despistar as possíveis causas por trás da sintomatologia: alergias alimentares, alergias a fármacos, infeções fúngicas, bacterianas ou virais e doenças autoimunes, como o lúpus ou a artrite reumatoide.
Se for encontrada alguma causa clínica para a sintomatologia, a abordagem terapêutica tem de começar por tratar o que esteve na origem do episódio de urticária, mas Célia Costa refere que “dois terços dos casos são espontâneos, ou seja não há um fator externo desencadeante” dos sintomas e são esses que recebem o diagnóstico de urticária crónica espontânea.
Mas, a realidade mostra que nem sempre é feito este despiste o que leva a médica a falar em “subdiagnóstico” desta condição que, segundo as estatísticas internacionais, pode afetar cerca de 1% da população.
Se, então, o diagnóstico corresponder a urticária crónica espontânea a terapêutica passa pelo recurso a anti-histamínicos de segunda geração, mais eficazes e com menos efeito adversos, em especial a sedação, em comparação com os anti-histamínicos de primeira geração. Ainda assim, cerca de 30% dos doentes não são controlados com esta primeira abordagem sendo necessário reforçar a dose do fármaco ou mesmo encaminhar para uma consulta especializada de Imunoalergologia para, em casos mais graves, serem ministrados fármacos biológicos de uso hospitalar.
Célia Costa assegura que, com a terapêutica adequada, estes doentes conseguem viver “o mais possível dentro da normalidade” com controlo total dos sintomas que tanto incômodo e transtorno causam aos doentes mas, também a quem os rodeia. Afinal, uma doença crônica não afeta só quem recebe o diagnóstico.
Três conselhos: apoiar, apoiar, apoiar
“A percepção que tenho é que às vezes há um desconhecimento do impacto que esta doença tem na vida dos doentes”, alerta Célia Costa. Ter comichão, manchas ou inchaço pode parecer pouco significativo mas, basta imaginar conviver com esses sintomas todos os dias durante semanas ou anos a fio para a perspetiva ganhar outra dimensão.
Como lembra a médica, “a estética acaba por ser um aspecto importante e a pele é a nossa imagem, é o que está exposto e isso faz com que habitualmente os doentes se isolem” e tenham receio de interagir com as outras pessoas. E o facto de a grande maioria destes doentes serem mulheres em idade laboral ganha também peso no fator económico, devido às faltas ao trabalho nos momentos em que a doença está mais descontrolada.
Os outros, família, amigos, colegas de trabalho e sociedade em geral também têm receios. Ao ver a pele com manchas e com pápulas os receios de transmissão de uma possível doença infeciosa são frequentes, muito embora a urticária crônica espontânea não seja uma doença contagiosa. “Há a tendência para o outro que não sabe [o que é a doença] se afastar por pensar que está perante uma doença contagiosa e para quem tem de se isolar por vergonha do aspecto”, resume a médica.
Contudo, nos questionários sobre a qualidade de vida, apesar das manchas, das pápulas, da deformação, a comichão é o sintoma identificado pelos doentes como o mais limitador. “É desesperante, é o que relatam”, conta Célia Costa. Durante o dia é incomodativa mas, é à noite, com o calor da cama, que a comichão se agrava e leva estes doentes a terem alterações da qualidade e da quantidade do sono levando a sonolência diurna, diminuição da capacidade de concentração, aumento da ansiedade e, em alguns casos, o desenvolvimento de estados depressivos.
Viver com uma doença crônica não é fácil. Seja na diabetes, na hipertensão arterial ou com o colesterol elevado são muitas as alterações que acontecem na vida dos doentes e o mesmo acontece com quem tem urticária crônica espontânea. Por isso, todos quantos convivem com o doente “são fundamentais” para o ajudar a ultrapassar todos os condicionalismos inerentes a uma doença crônica. “Para o doente com urticária crônica a rede de apoio é fundamental”, reconhece Célia Costa, e é imperativo que a família e os amigos compreendam porque o doente tem de ajustar alguns hábitos de vida que o ajudem a manter o equilíbrio psicológico e a lidar com o impacto psicossocial da urticária crônica espontânea.
E a mensagem final da médica é clara: “O apoio dos conviventes é fundamental para a recuperação do bem-estar do doente quer físico, quer mental”.
Fonte: http://observador.pt/2017/10/01/quando-a-urticaria-e-companheira-de-vida/
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