As vacinas são o meio mais eficaz na prevenção de doenças infecciosas na população, tendo papel essencial no manejo seguro de pacientes portadores de doenças crônicas. Dados estatísticos demonstram que a correta aplicação do calendário vacinal contribuiu, junto a outros fatores, para o aumento da expectativa de vida, particularmente na melhoria da qualidade de vida dos portadores de doenças crônicas.
Embora as vacinas tenham possibilitado tais avanços de forma inequívoca, existem questionamentos com relação à segurança das campanhas de vacinais, persistindo dúvidas tanto sobre a relação entre seu uso e o incremento sazonal de doenças autoimunes neurológicas, como a Síndrome de Guillain-Barré (SGB), a encefalomielite disseminada aguda (ADEM), a mielite transversa (MT) e a esclerose múltipla (EM), assim como a eficácia destas vacinas, ou a possibilidade de agravamento de doenças autoimunes já instaladas.
Nestes casos, algum dos componentes vacinais poderiam induzir uma doença autoimune em indivíduos geneticamente predispostos, através de mimetismo molecular e a participação de células T, levando a perda da tolerância aos autoantígenos, ou poderia ainda ocorrer uma disfunção na resposta imunológica devido ao uso de imunomoduladores ou imunosupressores¹.
São poucos os estudos na literatura que abordam estes assuntos de forma adequada², sendo as informações disponíveis de forma dispersa, dificultando a tomada de decisões no manejo de pacientes neurológicos com doenças autoimunes.
No presente momento, o Brasil passa por uma grande preocupação relacionada com a febre amarela, e muitos questionamentos vem sendo feitos pelos pacientes e seus médicos no tocante à vacinação contra esta doença e possíveis complicações. Desde o ano de 2017, o Brasil passou a seguir a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), que preconiza a necessidade de apenas uma dose integral da vacina contra a febre amarela para conseguir-se imunidade permanente, não havendo mais a necessidade de revacinação a cada 10 anos.
As informações disponíveis na literatura relacionadas aos pacientes neurológicos com doenças autoimunes, encontram-se distribuídas em dois grupos:
Portadores de doenças neuromusculares: neste grupo a recomendação é de que os pacientes em uso de drogas imunossupressoras devem evitar vacinas que utilizem vírus vivo em sua composição, sendo a vacina contra a febre amarela contra-indicada neste grupo. Existem ainda evidências de que pacientes em uso de imunossupressores possam ter resposta vacinal inadequada, necessitando de revacinação³. Recente estudo demonstrou que pacientes portadores de miastenia gravis apresentam risco de exacerbação miastênica após vacinação contra o vírus influenza em torno de 1,5%, enquanto que o risco após uma infecção deste vírus pode chegar a 40%, reforçando o benefício vacinal nestes grupo de pacientes.⁴
Esclerose múltipla: neste grupo de pacientes, deve-se observar de forma preferencial o tipo de componente vacinal, e o mecanismo de ação da droga utilizada no tratamento (imunomodulador ou imunossupressor). O binômio imunomodulador-vírus inativado demonstrou-se ser o mais seguro. Os dados disponíveis na literatura²ʼ⁵ estão demonstrados na tabela 1:
Tipo de vacina: Componente: Pode induzir EM? Pode induzir surto?
Bacilo atenuado
Hepatite B DNA recombinante
Não analisado.
(papiloma vírus humano)
Vírus inativado
MMR (sarampo/caxum-ba/rubéola) Vírus atenuado
Não analisado.
Oral: Virus atenuado
Injetável: Vírus inativado
Não analisado. Febre tifóide Polissacarídeo capsular
Não analisado.
Não analisado. Varíola Vírus atenuado
Não analisado.
Particulas virais
Influenza (injetável) Virus inativado
Influenza (via nasal) Vírus atenuado
Febre amarela Vírus atenuado Não analisa-do.
Vírus atenuado
Não analisado. Haemophilos influenza tipo b Polissacarídeo capsular Dado insufici-ente. Não analisado. Hepatite A Vírus inativado Dado insufici-ente. Não analisado.
Polissacarídeo capsular Dado insufici-ente. Não analisado. Raiva humana Vírus atenuado Dado insufici-ente. Não analisado. DPT (difteria/tétano/coqueluche)
Dado insufici-ente. Não analisado.
Com o advento de novas drogas no tratamento da EM, recentes observações clínicas demonstram que:
Por segurança, vacinas contra febre amarela, febre tifóide, raiva humana e poliomielite (vírus atenuado), devem ser ministradas apenas aos pacientes em grupo de risco.⁶ A vacina contra a varicela está indicada apenas em profilaxia nos pacientes que farão uso de fingolimode, caso não tenham anticorpos contra esta patologia.⁷ A vacina contra o HPV é considerada segura aos portadores de EM, porém as drogas imunossupressoras podem interferir na eficiência da resposta imunológica vacinal.⁷
Pacientes com EM submetidos ao transplante de células tronco hematopoiéticas apresentam menor efetividade vacinal no período entre 1-4 anos após o procedimento, caso não sejam imunizados novamente.
A resposta vacinal pode ser insatisfatória nos pacientes que tenham feito uso de imunoglobulina humana, natalizumab e fingolimode até 03 meses antes do uso de algum tipo de vacina.
O uso de mitoxantrone, acetato de glatirâmer, natalizumab e fingolimode pode apresentar resposta vacinal menor contra o vírus influenza, porém não existem estudos que corroborem o reforço vacinal nestes casos.⁹ʼ¹⁰
A teriflunomida não afeta a resposta vacinal contra o vírus da influenza.¹¹
Os pacientes em uso de fumarato de dimetila apresentam resposta vacinal equivalente aos pacientes em uso de interferon.¹² O conhecimento acerca da imunopatologia das doenças autoimunes vem evoluindo de forma excepcional nos últimos anos, particularmente na EM, contudo o capítulo sobre imunizações ainda encontra-se em construção. Já dispomos de evidências que nos garantam segurança no uso de vacinas na maioria dos casos, especialmente naqueles em uso de imunomoduladores. O advento das novas drogas e seus novos mecanismos de ação geram novas dúvidas no tocante aos efeitos imunológicos de longo prazo, e isto implicará em novos questionamentos entre a ação destas drogas e seus efeitos no tocante as vacinas.
Referências:
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