A pobreza, as más condições de moradia, e o acesso limitado à saúde ainda têm impacto na incidência de valvopatias no Brasil, onde os casos decorrentes de febre reumática em adultos se somam aos de indivíduos idosos, em que a doença tem causas associadas à degeneração e à calcificação das válvulas cardíacas ligadas ao envelhecimento. A Epidemiologia das Valvopatias e como Prevenir as Complicações foi uma das palestras e debate no 38º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), que aconteceu entre 15 e 17 de junho na capital paulista.
“Ainda hoje vemos muitos pacientes com febre reumática. Em algumas doenças, como a insuficiência aórtica, em 93% dos pacientes há etiologia reumática e eles são 30 anos mais jovens que americanos e europeus com o mesmo quadro”, disse ao Medscape o Dr. Guilherme Spina, do Instituto do coração (Incor), da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo FMUSP).
“A verdade é que ainda temos a maioria dos pacientes portadores de valvopatia de etiologia reumática e, como a doença é pouco presente nos EUA e na Europa, há pouca literatura sobre ela. Os médicos não se lembram dela”.
Especialista em doença reumática, o Dr. Spina é um dos autores do estudo EuroSCORE Models in a Cohort of Patients with Valvular Heart Disease and a High Prevalence of Rheumatic Fever Submitted to Surgical Procedures[1], que avaliou 440 pacientes submetidos a cirurgia no Incor aplicando os critérios de previsão de taxa de mortalidade, mortalidade em longo prazo, tempo de permanência em UTI e custos do EuroSCORE e do EuroSCORE II.
Enquanto no Brasil, a idade média dos pacientes foi de 56 + ou- 16 anos, e 50,6% são mulheres, na Europa a média é de 64,6 + ou – 12,5 anos, e as mulheres representam 30,9% dos doentes. No Brasil, 56,1% dos pacientes com valvopatias apresentam doença reumática, 15,4% calcificação e 12%, prolapso da válvula mitral. As taxas de mortalidade no pós-operatório também são mais altas do que as europeias, principalmente por causa do grande número de mulheres jovens com hipertensão pulmonar por causa da incidência de doenças da válvula mitral.
De acordo com o Dr. Alberto Takeshi, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), há 30 milhões de casos de febre reumática no planeta – 8 milhões deles no Sudeste Asiático – com 500 mil novos casos por ano e 350 mil mortes. A prevenção, segundo o especialista, é o tratamento com antibióticos das faringo-amigdalites, com reavaliação e ecocardiograma após um mês. Evitar as recidivas é outro ponto importante, e isso pode envolver a administração regular de penicilina em longo prazo. A ação vai depender de uma série de fatores, entre eles idade, gravidade da doença, tempo decorrido desde o último surto e adesão ao tratamento.
As normas internacionais para profilaxia da endocardite infecciosa mudaram. Agora ela é restrita a pacientes de alto risco, ou seja, aos que já tiveram a doença ou são portadores de cardiopatia congênita não corrigida[2], ao menos nos países desenvolvidos. Lá a recomendação é que o tratamento dentário é suficiente para impedir que bacteremias atinjam o tecido cardíaco. Mas, segundo o Dr. Roberto Tadeu Kroll, que falou sobre o tema durante o encontro, é impossível não fazer profilaxia com antibióticos no Brasil, onde a saúde bucal da população ainda é precária.
O grande número de mulheres jovens que sofrem de valvopatias também levanta a preocupação com a contracepção e a questão de quando contraindicar a gravidez, tema abordado pela Dra. Walkiria Samuel Ávila, do Incor. De acordo com ela, muitas vezes o cardiologista desaconselha a gestação, mas o ginecologista não leva isso em conta ao receitar a pílula.
Os métodos anticoncepcionais são classificados em contraceptivos de risco aceitável – nos quais o risco de gestação é igual ao da população em geral; os de leve risco – em que a gravidez representa leve aumento de risco de mortalidade e de morbidade materna; aqueles em que o risco supera as vantagens, com aumento significativo de morbidade e mortalidade materna em caso de gravidez; e aqueles cujo uso representa risco inaceitável para a paciente e nos quais a gravidez representa alto risco de mortalidade e morbidade, devendo-se discutir a interrupção da gestação.[3] Autora de um estudo sobre uso de diferentes métodos de contracepção em cardiopatas[4], a Dra. Walkiria destacou a importância de avaliar as necessidades e limitações que a cardiopatia impõe às pacientes em idade fértil. No caso de adolescentes, ela destacou a importância dos contraceptivos injetáveis trimestrais e alertou para a contraindicação do DIU nas que correm risco de endocardite infecciosa. A especialista lembrou da esterilização para os casos mais graves, mencionando o sistema Essure, cuja venda foi suspensa recentemente no Brasil. Dra. Walkiria disse ainda não haver estudos sobre riscos de fertilização assistida para as cardiopatas.
Fonte: Medscape
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