Por que algumas doenças são mais comuns em partes da Europa do que em outras regiões? E por que os europeus do norte são mais altos do que os seus homólogos do sul?
Uma equipe internacional de cientistas afirma ter descoberto a resposta para essas perguntas no DNA extraído de dentes e ossos antigos.
Os genes — que no passado protegeram esses indivíduos de doenças transmitidas por alguns animais — agora aumentam o risco de esclerose múltipla.
Os pesquisadores classificaram a descoberta como “um salto quântico” na compreensão sobre essa doença, marcada por falhas de comunicação entre o cérebro e o corpo.
Os especialistas dizem que a descoberta pode mudar o que se sabe sobre as causas da esclerose múltipla — e eventualmente levar até a novos tratamentos.
Prevalência de casos
Existem cerca de duas vezes mais casos de esclerose múltipla por 100 mil habitantes no noroeste da Europa, incluindo o Reino Unido e a Escandinávia, em comparação com o sul do continente.
No Brasil, o Ministério da Saúde e a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla estimam cerca de 40 mil casos da doença — 85% são mulheres jovens e brancas, entre 18 e 30 anos.
Pesquisadores da universidades de Copenhague, na Dinamarca, e de Oxford e Cambridge, no Reino Unido, dedicaram uma década de investigações arqueológicas para entender a origem dessa condição neurológica.
A esclerose múltipla é uma doença em que as próprias células imunológicas do corpo atacam o cérebro e a medula espinhal, causando sintomas como rigidez muscular e problemas para andar ou falar.
Os cientistas descobriram que os genes que aumentam o risco da doença apareceram no noroeste da Europa há cerca de 5 mil anos após uma migração maciça de pastores de gado conhecidos como Yamnaya.
Os Yamnaya vieram do oeste da Rússia, da Ucrânia e do Cazaquistão, e se mudaram para o oeste, na Europa, aponta um dos quatro artigos publicados na revista Nature sobre o assunto.
As descobertas “surpreenderam a todos”, admitiu o bioinformata William Barrie, autor do artigo e especialista em análise computacional de DNA antigo na Universidade de Cambridge.
À época, as variantes genéticas transportadas pelos pastores representavam uma vantagem, pois ajudavam a protegê-los contra doenças transmitidas por ovelhas e vacas.
Hoje em dia, porém, com a mudança de estilos de vida e dietas, essas variantes genéticas assumiram um papel diferente.
Atualmente, elas representam um maior risco de desenvolver certas doenças, como a esclerose múltipla.
O estudo exigiu esforço colossal — o DNA foi extraído de restos humanos antigos encontrados na Europa e na Ásia Ocidental e comparado com o de centenas de milhares de pessoas que vivem hoje no Reino Unido.
No processo, foi criado um banco de material genético de 5 mil humanos que viveram no passado.
Esse DNA é mantido em coleções de museus espalhados por muitos países, e pode ser usado em outras pesquisas no futuro.
‘Encontrar o ponto exato’
O neurocientista Lars Fugger, outro autor do artigo e médico no Hospital John Radcliffe em Oxford, diz que a descoberta ajuda a “desmistificar” a doença.
“A esclerose múltipla não é causada por mutações — ela é impulsionada por genes normais, que nos protegem contra agentes patogênicos”, explica ele.
As campanhas de vacinação, os antibióticos e os padrões mais elevados de higiene mudaram completamente o panorama das doenças — muitas delas desapareceram e agora as pessoas têm uma expectativa de vida maior.
Por outro lado, os cientistas apontam que os sistemas imunológicos modernos podem ser mais suscetíveis às doenças autoimunes, como a esclerose múltipla, que estão aumentando.
Os medicamentos atualmente utilizados para tratar essa condição têm como alvo o sistema de defesa do corpo.
Mas a desvantagem deles é um aumento no risco de suprimir tanto a imunidade que os pacientes passam a ter dificuldades em combater infecções.
Para tratar a esclerose múltipla, enfrentamos forças evolutivas, avalia o professor Fugger.
“Precisamos encontrar o ponto ideal no qual exista um equilíbrio com o sistema imunológico, em vez de anulá-lo.”
A equipe agora planeja procurar a origem de outras doenças no DNA antigo e refazer o caminho delas ao longo do tempo.
Esse tipo de pesquisa poderia revelar mais detalhes sobre as origens do autismo, do TDAH (Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), do transtorno bipolar e da depressão.
Outro artigo da Nature descobriu ainda mais pistas sobre as características genéticas desses antepassados — os pastores Yamnaya também poderiam ser responsáveis pelo fato de os europeus do noroeste serem mais altos do que os do sul.
E, embora os europeus do norte apresentem maior risco genético de esclerose múltipla, aqueles que vêm do sul têm maior probabilidade de desenvolver transporno bipolar.
Já os europeus de leste parecem carregar uma maior probabilidade de Alzheimer ou diabetes tipo 2.
O DNA originário de caçadores-coletores pré-históricos aumenta o risco de Alzheimer, mas os genes dos antigos agricultores estão ligados a distúrbios que afetam o humor, assinala a pesquisa.
O estudo também descobriu que a capacidade dos humanos de digerir leite e outros produtos lácteos e de sobreviver com uma dieta rica em vegetais só surgiu há cerca de 6 mil anos.
Antes disso, eles eram comedores de carne.
Para chegar a tais conclusões, a pesquisa comparou o DNA de milhares de fósseis antigos encontrados na Eurásia com amostras genéticas dos atuais europeus.
Fonte: Assessoria de Imprensa
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