O índigo, ou anil, um corante de origem vegetal usado pela humanidade há milhares de anos, tem propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias que podem vir a ser úteis no tratamento de doenças inflamatórias intestinais (DII), como a colite ulcerativa e a Doença de Crohn, mostra uma série de estudos em animais descrita na tese de doutorado “Avaliação do Efeito do Alcaloide Índigo em Modelos Experimentais de Colite”, da pesquisadora Ana Cristina Alves de Almeida, defendida no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, pelo Programa de Pós-Graduação em Biociências e Tecnologia de Produtos Bioativos.
Nos modelos experimentais usados por Ana Cristina, drogas foram usadas para provocar sintomas de colite aguda, crônica e também de inflamação associada a câncer de cólon, em ratos e camundongos, e os animais foram tratados com índigo por via oral.
“O modelo que se aproxima mais da doença de Crohn é bastante agressivo. Nesse modelo, o tratamento com índigo reduziu a lesão macroscópica, e isso por si só já é um sinal interessante, porque a lesão é bastante severa”, disse a pesquisadora. “Observamos também que o índigo melhorou alguns marcadores do estresse oxidativo no cólon dos animais que foram tratados”. Nesse modelo, no entanto, não foi detectada redução nas moléculas envolvidas no processo inflamatório. “Mas houve uma ação um pouco mais antioxidante que auxiliou no efeito de proteção”.
Já na versão menos severa da inflamação, onde as lesões não são visíveis a olho nu, o tratamento com índigo reduziu alguns sintomas da doença, bem como a presença das moléculas que marcam a inflamação. “Ele não minimizou todos os sintomas da doença, mas alguns, sim: os animais tratados perderam menos peso, houve menor mortalidade. A gente percebe que o índigo teve um efeito protetor”.
Ainda é cedo para falar na aplicação dessas descobertas no tratamento de doenças inflamatórias em humanos – são necessários mais experimentos em animais, em modelos que se aproximem mais da forma como a doença se manifesta nas pessoas, antes de se avançar para os testes de segurança em seres humanos e, por fim, para os ensaios clínicos –, mas Ana Cristina lembra que a molécula do índigo não só é abundante na planta original do corante, a indigófera, como pode ser facilmente sintetizada: a maior parte do corante usado hoje não é mais extraído da natureza, mas fabricado por meio de um processo barato e já bem estabelecido.
“Os níveis de pureza podem ser diferentes, mas a molécula do corante fabricado é a mesma que testamos, extraída de Indigofera truxillensis”, disse ela. “Com base nos resultados, não só do meu trabalho como do nosso grupo, outros grupos de pesquisa podem levar adiante o estudo, avaliando melhor o possível efeito toxicológico das moléculas e realizar o estudo em humanos, a pesquisa clínica. Isso pode ser feito por meio de parcerias, ou do interesse de outros grupos de pesquisa”.
Em comparação, os melhores tratamentos disponíveis hoje em dia para essas condições são agentes biológicos que afetam o sistema imunológico: caros, de fabricação complexa e tendem a produzir efeitos colaterais.
“Esses tratamentos são eficazes, mas têm custo elevado e muitos efeitos colaterais, já que geralmente o tratamento envolve a inibição do sistema imune”, disse a pesquisadora. “Outra coisa que motiva a busca por novos tratamentos é que há pacientes que não respondem aos tratamentos existentes. E às vezes o tratamento pode deixar de ser efetivo para uma pessoa. Na prática, o paciente começa um tratamento, depois tem que passar para outro, e depois de um certo tempo deixa de responder também e tem que mudar outra vez”, descreveu.
Essas doenças inflamatórias são mais diagnosticadas no mundo desenvolvido, mas os registros nos países em desenvolvimento vêm crescendo. Em sua tese, a pesquisadora nota que “há aumento significativo da incidência de DII praticamente em todos os países onde há dados relatados, mesmo em locais com poucos casos, como Ásia e América Latina (…) A prevalência e incidência de DII têm aumentado em países em desenvolvimento, o que se deve, possivelmente, a uma maior eficácia na identificação dos pacientes, aliada a maior acesso a ferramentas de diagnóstico, e às mudanças ambientais como industrialização e adoção de estilo de vida semelhante a dos países desenvolvidos”.
Drogas e venenos
O índigo é um alcaloide, uma classe de molécula de origem vegetal que inclui diversas substâncias tóxicas ou psicoativas, como cafeína, morfina, nicotina e estricnina. “O alcaloide é o que a gente chama de metabólito secundário, uma classe de produtos que são sintetizados pelas plantas que não estão relacionados ao metabolismo principal, mas que conferem alguma vantagem de sobrevivência”, explicou Ana Cristina.
“Os alcaloides geralmente são moléculas pequenas, contendo nitrogênio. Existem vários alcaloides, e a gente ouve falar mais dos perigosos, mas existe uma diversidade muito grande, tanto de estrutura química quanto de atividade biológica no ser humano e em outros organismos”.
Pesquisas anteriores já haviam testado a toxicidade do índigo em culturas de células e em bactérias, encontrando efeitos negativos. “Encontrou-se um certo efeito mutagênico em uma linhagem de bactérias (Salmonella TA98), e toxicidade em certos tipos celulares (células de adenocarcinoma de pulmão e de mama)”, relatou Ana Cristina. “Por conta disso, avaliei também um pouco da toxicidade no meu trabalho”.
A pesquisadora acompanhou os animais, durante o período de tratamento, em busca de sinais de mudança de comportamento, e também analisou a saúde dos órgãos dos roedores, como coração, rins e fígado, após o final do estudo. “Também fiz outro experimento, de toxicidade aguda de dose única: a ideia é dar uma dose bem alta da substância e acompanhar os animais por duas semanas”.
“Eles não ficaram doidões”, brincou Ana Cristina, “e nem encontramos sinais de toxicidade. Então, a gente acredita que, in vivo, o índigo não tenha toxicidade alta. Mas, antes de passar isso para um estudo em humanos, ainda há protocolos que precisam ser testados, não só em roedores como também em algum outro animal, diferente do roedor, ao menos ter uma ideia melhor da não toxicidade”.
Biota
O interesse pelo índigo, disse a pesquisadora, surgiu depois que duas espécies de Indigofera foram estudadas em um projeto temático do programa Biota Fapesp, “Uso sustentável da biodiversidade brasileira: prospecção químico-farmacológica em plantas superiores”, que trabalhou com caracterização química e avaliação farmacológica de extratos e frações, a partir de conhecimentos tradicionais de populações do cerrado brasileiro sobre propriedades medicinais de plantas. Esse projeto, que durou de 2003 a 2008, foi encabeçado por Wagner Vilegas, da Unesp, e teve, entre seus pesquisadores principais, a professora Alba Regina Monteiro Souza Brito, orientadora da tese de Ana Cristina.
“Minha tese já não está mais dentro do Biota, mas surgiu dos trabalhos feitos dentro desse projeto”, disse a pesquisadora. “Depois desse projeto inicial, houve outro no guarda-chuva do Biota, ‘Fitoterápicos padronizados como alvo para o tratamento de doenças crônicas’ (em andamento), que levou adiante estudos em algumas das plantas avaliadas, mas a indigófera acabou não sendo selecionada”.
Ana Cristina espera ter, até o fim do ano, pelo menos um artigo, escrito e enviado a periódico científico, sobre seu trabalho com índigo. O prosseguimento dos estudos depende de acertos de agenda, já que ela, além de pesquisadora, também é funcionária do IB. “Prestei um concurso no final de 2012 e fui chamada para trabalhar no IB em 2013. Já estava no meio do doutorado quando comecei a trabalhar aqui, como biologista no Departamento de Genética”, disse. “Pretendo ainda fazer alguns ensaios com o índigo, para publicar o meu trabalho de tese de doutorado, mas gostaria de testá-lo num outro modelo, que se aproxima mais da forma como a doença se manifesta em humanos. E talvez fazer alguma outra pesquisa mais relacionada ao câncer colorretal, só que aí já sem o índigo”.
Publicação
Tese: “Avaliação do Efeito do Alcaloide Índigo em Modelos Experimentais de Colite”
Autora: Ana Cristina Alves de Almeida
Orientadora: Alba Regina Monteiro Souza Brito
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Fonte: Unicamp Notícias
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