A Uveíte corresponde à inflamação da úvea, camada vascular média dos olhos que pode ser dividida em anterior (íris), intermediária (corpo ciliar e vítreo) e posterior (vítreo, retina, coroide e esclera). Uveítes com acometimento de mais de uma porção uveal são chamadas de difusas, apresentando-se geralmente de forma bilateral. As doenças oculares inflamatórias são causa importante de cegueira (acuidade visual menor que 20/400 ou 0,05 com melhor correção) e de baixa visão (acuidade visual entre 20/70 ou 0,3 e 20/200 ou 0,1 com melhor correção) no mundo todo. A incidência anual de uveíte varia de acordo com o país, situando-se entre 17 e 52 casos por 100.000 habitantes, com uma prevalência de 38 a 714 casos por 100.000 habitantes.
As uveítes são responsáveis por cerca de 10% dos casos de deficiência visual no mundo ocidental, e aproximadamente 35% dos pacientes referem baixa visão ou cegueira(1,2). Sua apresentação é bastante variável, desde inflamação ocular primária até uveíte associada a doença inflamatória sistêmica. As uveítes podem ser divididas em uveítes infecciosas (nas quais o patógeno responsável é identificado e o paciente é submetido ao tratamento antimicrobiano específico) e uveítes não infecciosas.
As principais causas de uveítes posteriores não infecciosas estão listadas a seguir:
Uveítes oculares primárias:
- Coriorretinopatia de birdshot
- Coroidite serpiginosa
- Coroidite multifocal com pan-uveíte
- Esclerite posterior
- Oftalmia simpática
- Síndrome dos pontos brancos
- Uveíte intermediária idiopática (pars planitis)
- Vasculite retiniana idiopática
Uveítes associadas a doença sistêmica:
- Artrite psoríaca – Doença de Behçet
- Doença inflamatória intestinal
- Esclerose múltipla
- Granulomatose de Wegener
- Lúpus eritematoso sistêmico
- Poliaterite nodosa
- Policondrite recorrente
- Sarcoidose
- Síndrome de Sjögren
- Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada
As doenças sistêmicas apresentam um acometimento ocular variável. A doença de Behçet cursa com uveíte difusa e vasculite retiniana em cerca de 70% dos casos, sendo a uveíte um dos critérios maiores para o diagnóstico clínico da doença e podendo ser a manifestação inicial, precedendo os demais sintomas em até anos. Da mesma forma, a sarcoidose se manifesta como uveíte em 20%-50% dos pacientes e a esclerose múltipla se apresenta com neurite óptica em até 50% dos casos, vasculite retiniana em 10%-39%, e uveíte isolada em 1%-16%. Doenças que cursam com presença do anticorpo anticitoplasma de neutrófilos, como a granulomatose de Wegener e a poliarterite nodosa, apresentam uveíte em 10%-20% dos casos, sendo que a primeira pode causar manifestações oculares em até 90% deles.
Doenças do tecido conjuntivo, entre elas o lúpus eritematoso sistêmico, cursam com vasculite em 10%-30% dos casos. Em menor escala, pacientes com doença inflamatória intestinal e artrite psoríaca apresentam uveíte em torno de 10% dos casos e a síndrome de Sjögren em casos raros pode evoluir com uveíte posterior. A doença de Vogt-Koyanagi-Harada é uma síndrome úveo-meníngea multissistêmica caracterizada por resposta autoimune dirigida aos antígenos melanocíticos dos olhos, da pele e do sistema nervoso central e auditivo.
A manifestação ocular é uveíte difusa bilateral com edema de papila, descolamento seroso da retina neurossensorial e defeito na impermeabilidade do epitélio pigmentar da retina, com discreta ou nenhuma vitreíte. A identificação da doença em seu estágio inicial e o encaminhamento ágil e adequado para o atendimento especializado dão à Atenção Básica um caráter essencial para um melhor resultado terapêutico e prognóstico dos casos.
Diagnostico Clínico
O diagnóstico de uveíte posterior não infecciosa é iniciado pelo exame oftalmológico clínico completo, com medida da acuidade visual, avaliação dos reflexos pupilares, biomicroscopia de segmento anterior, tonometria e fundoscopia direta e indireta. O exame oftalmológico clínico deve identificar as alterações oculares compatíveis com o quadro de uveíte posterior, como celularidade no humor aquoso e vítreo, precipitados ceráticos, nódulos e áreas de atrofia iriana, aumento ou diminuição da pressão intraocular, hiperemia conjuntival, episcleral ou escleral, opacificação do cristalino, presença de lesão focal ou difusa de retina ou coroide, edema retiniano, embainhamento vascular, isquemia retiniana e trombose retiniana. Devido ao grande número de doenças que podem levar ao quadro de uveíte posterior, a partir da suspeita clínica devem ser realizados exames complementares, visando à identificação do fator etiológico.
Diagnóstico Laboratorial e de imagem
A partir do quadro clínico de uveíte posterior, é obrigatória a exclusão de causas infecciosas virais, bacterianas, parasitárias, protozoárias e fúngicas por meio de exame clínico sistêmico, sorologias, exames de cultura, reação intradérmica e biópsia. Exames complementares, como angiografia fluoresceínica (retinografia fluorescente bilateral), ecografia ocular, tomografia de coerência óptica (OCT) e medidores de inflamação sistêmica, são úteis para quantificar o grau de acometimento inflamatório. Avaliação sistêmica clínica, tipagem de imunocomplexos como o HLA-B27, punção lombar e exames de imagem como tomografia computadorizada, radiografia, ressonância magnética e cintilografia podem ser necessários para a investigação complementar de doenças sistêmicas associadas, exclusão de etiologias infecciosas e síndromes de mascaramento. Uma vez que o quadro clínico é compatível com os exames inflamatórios e que etiologias infecciosas e neoplásicas são excluídas, o diagnóstico de uveíte posterior não infecciosa pode ser estabelecido. O diagnóstico de uveítes sabidamente graves recebe atenção especial, uma vez que necessitam tratamento mais agressivo desde as fases iniciais da doença. Os critérios diagnósticos para doença de Behçet incluem úlceras orais e genitais recorrentes, uveíte, lesões cutâneas e teste da patergia positivo. O diagnóstico já pode ser confirmado na presença de úlceras orais associadas a dois ou mais critérios. Coroidite serpiginosa é diagnosticada através de angiografia fluoresceínica, que revela as lesões de coroidite cicatrizadas e em atividade. Vasculite retiniana idiopática é um diagnóstico de exclusão. Sua apresentação é de vasculite retiniana difusa sem associações sistêmicas.
Tratamento
O tratamento das uveítes posteriores não infecciosas é baseado na busca da homeostase imunológica do paciente. Procura-se, com a terapia, a supressão da reatividade imune aberrante e a manutenção da integridade do sistema de defesa do hospedeiro durante o maior tempo possível. A principal classe de medicamentos para atingir esses objetivos são os glicocorticoides, representados pela prednisona. Desvantagens de seu uso são os eventos adversos locais, como o aumento da pressão intraocular e catarata, e sistêmicos, como a osteoporose, síndrome de Cushing, diabete mélito, hipertensão arterial sistêmica e necrose asséptica de cabeça de fêmur, entre outros. Além dos eventos adversos, eventualmente não ocorre controle adequado da doença com o uso isolado de glicocorticoide. Medicamentos imunossupressores de diferentes classes apresentam um papel relevante no controle de uveítes posteriores não infecciosas, servindo como redutores da dose ou poupadores de glicocorticoides e adjuvantes no controle inflamatório.
Imunossupressores estão indicados principalmente para pacientes com as seguintes condições:
- Sem resposta adequada a glicocorticoide sistêmico em monoterapia;
- Com necessidade de dose de glicocorticoide sistêmico com toxicidade intolerável para o controle da doença;
- Com indicação de uso crônico em longo prazo de glicocorticoide sistêmico; ou
- Com uveíte de caráter agressivo e com rápido comprometimento funcional.
Geralmente medicamentos imunossupressores apresentam efeito terapêutico pleno após algumas semanas de uso, motivo pelo qual costumam ser iniciados de forma simultânea ao glicocorticoide sistêmico, que tem sua dose progressivamente reduzida ou suspensa após a estabilização da doença. Diversos estudos mostraram a eficácia e segurança dos diversos imunossupressores no tratamento de doença ocular inflamatória. Inibidores das células T ou inibidores da calcineurina, representados pela ciclosporina, apresentam inúmeros estudos reforçando seu uso no tratamento de uveítes posteriores não infecciosas. Ensaios clínicos randomizados demonstraram eficácia superior da ciclosporina sobre o uso isolado de glicocorticoide, colchicina, placebo e clorambucila no controle de uveítes diversas, inclusive doença de Behçet.
A associação de ciclosporina e glicocorticoide obteve resultados ainda melhores no controle da inflamação ocular. Estudos de coorte, séries de casos não controlados e artigos de revisão também apontam para a eficácia da ciclosporina em uveítes refratárias, coroidite multifocal, uveíte em crianças, coriorretinopatia de birdshot, doença de Behçet, oftalmia simpática, coroidite serpiginosa e síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada. Antimetabólitos, representados pela azatioprina, também apresentam eficácia no controle de uveítes posteriores não infecciosas. Ensaio clínico randomizado em pacientes com doença de Behçet mostrou eficácia da azatioprina na redução da incidência de doença ocular e acometimento do segundo olho e no controle da uveíte, com redução do número de episódios de hipópio.
Estudo de coorte com acompanhamento médio de oito anos mostrou eficácia da azatioprina no controle da diversos tipos de uveíte. Séries de casos e estudos não controlados colaboram para a evidência de benefício no uso de azatioprina em pacientes com uveíte refratária, coroidite serpiginosa, coroidite multifocal, doença de Behçet, síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada e pars planitis, fazendo referência ao sucesso no uso de azatioprina em monoterapia ou associada a ciclosporina ou glicocorticoide.
Para que estes medicamentos sejam dispensados é necessário que o médico preencha o documento Laudo de Solicitação, Avaliação e Autorização de Medicamento do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica LME.
- LME” para impressão
- “LME” para preenchimento online
- Instruções para preenchimento do “LME”
- Cartilha de Orientação ao Paciente
Fonte: Portal Saúde
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