Devido a uma complicação em um exame, a produtora de conteúdo Jana Viscardi, 36, agora precisa conviver com uma parte do intestino para fora do abdômen e usa uma bolsa de colostomia. Em depoimento ao UOL ela conta como recuperou sua autoestima e força para seguir. Era um exame de rotina. Paciente da doença de Crohn há alguns anos, eu estava já acostumada a fazer a colonoscopia. Naquele dia específico, estava mesmo tranquila: havia decidido com o marido que nos mudaríamos para a Suécia em 40 dias. Era fazer o exame e começar a contar para os familiares. Eu não contava, no entanto, que tudo sairia do meu controle ali.
Acordei dopada dos remédios e fui informada de que o exame não tinha corrido bem e eu tinha uma perfuração no intestino. Precisava ir na hora para cirurgia. Samu, caminho desconhecido, teto branco, cheio de luzes, equipe de cirurgiões. Susto. Pavor. Nada era maior do que meu medo intenso de perder a vida ali. Também fui informada que, caso tudo desse certo, eu ainda poderia ter uma grande cicatriz na barriga ou ficar com uma parte do intestino para fora – o que me obrigaria a usar uma bolsa de colostomia, uma bolsa que coletora das fezes.
Acordei na UTI, estava sozinha. Decidi que não levantaria o lençol. Não queria ver o que haviam feito comigo. Peguei no sono novamente e só quando acordei horas depois criei coragem. Na minha barriga, apenas uns pontos, mas uma grande e terrível novidade: um acessório atrelado à minha barriga agora fazia parte do meu corpo.
Imagino que muita gente não saiba, então vou explicar direitinho o que é essa nova parte do meu corpo. Meu intestino perfurado, por causa da minha doença, não podia ser costurado. Mas o furo não podia ficar dentro do meu corpo, senão as fezes acabariam saindo ali dentro e isso poderia causar uma infecção. Por isso, os médicos abriram minha barriga e colocaram esse pedacinho do intestino para fora, costurando ele ali. Com o furo ali, tudo o que deveria sair pelo ânus, agora sairia pela minha barriga. Pois é… Por isso, além de uma espécie de capa para proteger o intestino, eu precisaria começar a usar a tal bolsinha para recolher minhas necessidades.
Seguiram-se dias longos, intermináveis entre aquele quarto de UTI e o quarto do hospital. As enfermeiras vinham trocar as partes da bolsa, limpar o ferimento, olhar a cirurgia. E me perguntavam se eu queria acompanhar, aprender os procedimentos que depois teria de fazer sozinha. Eu disse não todas as vezes – e virava o rosto para não ter de me deparar com aquela parte do corpo que, agora, estava fora de mim.
Dez dias depois, estava eu na casa de minha sogra, entregue a uma dor emocional inenarrável. Alheia ao meu próprio corpo, não sabia bem o que fazer com ele: como andar, como deitar, como dormir, como me mover.
Sozinha no quarto que já tinha sido meu, sentei na cama e chorei. A cada cinco dias eu preciso trocar a bolsa e a primeira vez foi horrível. Eu tremia feito vara verde e chorava. Não conseguia fazer nada e foi meu marido quem acabou trocando para mim. Quando me olhei no espelho pela primeira vez, tive outro baque. Quem era aquela? Magra, abatida e com aquele pedaço do corpo novo saindo de mim. Eu não me reconhecia e, mais uma vez, chorei. Por sorte, estava cercada de pessoas incríveis e a cada momento ruim, recebia muito amor e acolhimento que me davam forças para continuar.
Por um mês fiquei na casa da minha sogra, recuperando minhas energias e tentando me adaptar ao meu novo corpo. As roupas que antes me serviam agora não ficavam boas. Mas devagar eu ia aprendendo a escolher, enquanto as visitas de amigos e parentes queridos iam me ajudando a entender que minha vida social poderia continuar.
Assim fui criando coragem para retomar minha vida. Lembro a primeira vez que fui ao shopping, uma mulher que ficava me olhando sem parar, visivelmente tentando entender aquele volume da bolsa na minha barriga. Aquilo era muito incômodo, eu queria correr para ela e explicar tudo o que eu tinha passado. Mas eu não fui falar com ela, nem chorei. Eu percebi a essa altura que não tinha opção: ou me entregava e desistia de viver, ou encarava meus medos e os olhares alheios.
Por mais que eu tivesse foças para encarar o mundo, eu ainda não estava bem comigo. Quase dois meses depois da cirurgia, eu ainda não me reconhecia no espelho. Magra, flácida e com o corpo estranho na minha barriga.
Foi bem aí que vi um documentário chamado Gorda, em que mulheres falam sobre como o olhar das outras pessoas as influencia e agride. Eu percebi então que precisava começar a me enxergar e reconhecer. Tive então a ideia de fazer um ensaio e liguei para uma amiga fotógrafa.
No mesmo dia fomos para a praia, eu com um biquíni e ela com sua câmera. Aquele momento foi libertador. Caminhando pela praia, sob o olhar delicado da minha amiga, eu me senti aberta para o mundo. Ali, eu entendi que tinha limitações, mas muitas possibilidades.
Ao receber as fotos dias depois, fiquei emocionada. Eu estava linda! E aquela bolsa era apenas uma parte de mim. Eu me via, com minhas fragilidades e dores, mas também com minha beleza, minha sexualidade e minhas vontades. Desde então, estou retomando a vida. Nem todos os dias são incríveis, mas quem é que tem dias sempre incríveis, né?
Sempre que sinto que preciso me cuidar, me fortalecer, volto a olhar aquelas fotos. Para me lembrar que a enfermidade é sim uma parte de mim, mas só uma parte, e sou eu que escolho como lidar com ela. E hoje eu procuro inspirar outras pessoas contando minha história em meu canal no Youtube.
Fonte: UOL
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