Meu nome é Valéria Shirlley da Silva, 25 anos (em novembro), sou do estado de SP. Aos 11 anos de idade, em 1998 eu tive Artrite Idiopática Juvenil (AIJ), na época denominada Artrite Reumatoide Juvenil. Aconteceu de um dia pra o outro, acordei para ir á escola, fui me levantar da cama, e simplesmente NÃO levantei! Cai no chão, e não conseguia andar porque sentia dores horríveis, não conseguia ficar em pé. Ignorei as dores no punho esquerdo e pescoço “duro”.
Daí pronto! ACABOU MINHA VIDA!
Nesse dia fui engatinhando para o quarto da minha mãe, pedir ajuda, e começou a luta para descobrir o que eu tinha, fiquei sem andar e demoramos 1 ano para descobrir o que eu tinha, pois passava sempre com médicos Pediatras que não conhecem a fundo a doença e diziam que não faziam ideia do que eu tinha. Era simplesmente a “dor do crescimento”. Enquanto isso, a doença se desenvolveu e muito, e fui para a cadeira de rodas.
Fiquei 1 ano e meio sem andar, mas não exatamente na Cadeira de rodas, porque eu nunca aceitei cadeira de rodas, e nem muletas, então fiquei 1 ano e meio na cama, sendo carregada pelas pessoas. Comecei a deformar alguns membros por tratamento errado e tardio. Tive deformação de punho esquerdo e pés e tornozelos logo no início, e derrame nos joelhos.
Quando os Pediatras viram que não tinha o que fazer (as consultas eram feitas em casa, de tão ruim que eu estava), chamou minha mãe no canto e disse: ” mãe cuida dela, porque você vai perdê-la.” Minha mãe só me contou isso anos e anos depois. Depois de uma busca incessante de médicos, depois de mais alguns pediatras que só me tratavam com AAS, DeoCadron, cheguei a tomar Bezentacil também, encontrei um Ortopedista que logo de cara disse que meu caso era Reumatológico.
Enfim, ate chegar em um Reumatologista, a doença se desenvolveu horrores. Comecei a me tratar, e somente 4 anos depois, passei a andar sozinha nas ruas, mancando é claro e muito devagar. O tratamento inicial foi a base de MTX, Predinisona 20mg (nos primeiros 5 anos), Cloroquina, Naprosyn e remédios para náuseas e vômito, porque desde o início sempre tive intolerância ao MTX.
Depois de 10 anos com esse mesmo tratamento, foi introduzido o Arava no tratamento, meses depois o MTX foi retirado e substituído por Sufassalazina, em 2010 passei a tomar o Enbrel 25mg, e foi retirado também a sulfassalazina. Hoje faço uso do Enbrel, Arava e Hidroxicloroquina.
Meu dedos deformados da mão esquerda voltaram ao lugar, consegui desfazer a deformação com anos de fisioterapia, mas perdi movimento do punho esquerdo. Fui submetida a uma cirurgia no tornozelo direito (Pan Artrodese), quando os médicos tiveram suspeita de que eu tinha Sinovite Vinolodular Pigmentada (que não foi confirmada na cirurgia). Fiz outras 3 cirurgias no Tornozelo esquerdo (Artrodese, duas Osteotomia de correção) e estou aguardando mais uma cirurgia nesse mesmo tornozelo, outra correção.
Recentemente foi prescrito uma cirurgia no ombro direito, mas eu ainda não decidi se vou fazer ou não. Ainda acho que posso aguentar mais alguns meses ou anos, mas os médicos insistem que sou nova e deveria fazer para ter melhor qualidade de vida. A recuperação da cirurgia dos tornozelos é tão difícil, tão dolorosa que estou sem coragem para me submeter a uma cirurgia no ombro também. O procedimento de Artrodese que eu fiz consiste na fusão óssea intencional de uma articulação. Isso significa que após a cirurgia não tive mais mobilidade nesta articulação. Na Pan Artrodese a fusão é das articulações subtalar, tornozelo, talonavicular e calcâneo-cubóide, deixando o tornozelo em um ângulo Fixo de 90º Graus.
Aproveitando esses “contos” de cirurgias, em março de 2010 também me submeti a uma Gastroplastia Redutora (Redução do Estômago – Técnica de By Pass Gástrico em Y de Roux). O uso prolongado de corticoide e o sedentarismo provocado pela limitação física me resultou em Obesidade I, fazendo com que eu “optasse” pela cirurgia como caminho para perder peso.
Foram anos muitos complicados na pré adolescência, vi os anos se passarem pela janela ou em frente a TV, estudava em casa, não tinha o que fazer. Lembro de uma conversa que tive com um pediatra quando eu tinha 11 anos, perguntei para ele, quando eu melhoraria, quando eu ia sarar? (Adoeci em maio de 1998, e isso era agosto de 1998), e ele me respondeu, “ate novembro menina, no seu aniversário, você estará ótima”, nessa época ainda não sabiam o que eu tinha. Esperei ansiosamente por NOVEMBRO! essa seria a data da minha libertação da cama, das dores, das limitações, do medo e do sofrimento. Chegou Novembro, passou e veio o mês de Dezembro, foi a primeira e única vez que chorei na frente da minha mãe em relação a essa doença. Cheguei nela e disse: – Mãe, novembro passou! O médico mentiu, eu nunca mais vou andar ( era o que imaginava na minha cabeça com 11 anos de idade?).
A partir desse dia, minha oração passou a ser: – Deus, se eu não for andar mais, tira minha vida, eu não nasci assim e não quero viver assim! (Todas as noites eu repetia isso).
Mas enfim, os tratamentos continuaram depois de forma correta com Reumatologista, fui melhorando aos poucos, mas nunca fiquei 100%, voltei para a escola, passei a andar sozinha depois de 4 anos de tratamento.
Depois de 5 anos melhorei muito, comecei a fazer coisas que jamais pensei fazer mais. Mesmo sentindo aquela dorzinha que insistia em permanecer ali. Estudava, fazia vários cursos, andava, nunca mais corri, pulei ou dancei, mas andar era o bastante para mim.
Depois da maior idade, comecei a sair com as amigas, a viajar, enfim a viver, aprendi a conviver com a dor, me tornei muito tolerante a dor, então me sentia estável, mesmo tendo dores diárias. Mas ainda hoje, não sou livre dos sintomas da AIJ, das dores ou das limitações, isso será uma batalha diária.
A Artrite me tornou Deficiente Física. Não tenho os movimentos dos tornozelos, tenho punho esquerdo atrofiado, ombro e cotovelo direito atrofiados, mas com algum movimento, tenho limitação de movimento para muitas coisas, muitas coisas que para uma pessoa normal é super simples realizar, como pentear o cabelo, tomar banho, abrir uma porta ou torneira, sentar-me em lugares baixos, agachar-me, correr, pular, andar normalmente sem pensar nos minutos que aguentarei ficar em pé, levantar os braços. Não tenho mais membros tortos, mas já tive o punho, consegui recuperar a forma, não o movimento!
Estou em casa, por licença médica das cirurgias dos tornozelos, e sabe Deus quando retomarei a minha vida normal, trabalhar, estudar, passear, viajar. Enfim, tenho limitações, tudo que eu me proponho a fazer o sacrifício é dobrado, sou dependente de remédios se quiser continuar andando. Guardo na memória momentos horríveis de tudo que passei desde meus 11 anos de idade.
Ainda hoje me pego perguntando “porque comigo?”, eu era uma criança tão feliz. Passo noites em claro chorando e relembrando tudo, até hoje não me conformo com tudo que vivi e tenho que viver. Eu nunca vou mudar o que vivi, muito menos esquecer, me conformar talvez. Mas dói, fisicamente e emocionalmente. Já vi olhares de pena para mim, de compaixão do tipo: tão nova e “assim”, outros de admiração porque faço e me proponho a fazer coisas que pessoas saudáveis não têm disposição para fazer!
Hoje não me assusto tanto quando me vejo em casa, sem poder sair por alguns dias ou meses, porque sei que uma hora vai passar e logo vou estar em pé e bem na medida do possível. Mas com 11 anos, eu não sabia disso, tive medo e pedi a morte. Dizer que essa doença não me atrapalha, é muito mentira não é? Mas eu consigo dar uma volta nela. Trabalho, estudo, saio, viajo, enfim.
Foi muito difícil para mim me assumir deficiente físico; somente há um pouco mais de 3 anos que aceitei essa condição, eu nunca aceitei que se referissem a mim como deficiente, hoje não me importo, isso não é defeito ou escolha é uma circunstancia da minha vida!
Passei de uma infância muito vivida, ativa e feliz para adolescência sofrida, fase da minha vida que eu queria esquecer por completo, para fase das responsabilidades, amadurecimento e certa aceitação.
Uma coisa eu aprendi com isso tudo que vivi, eu vi pessoas muito piores do que eu, pessoas completamente deformadas, mas aprendi que não existem comparações. O meu problema não é maior do que do outro, o problema de alguém não é maior do que o meu, porque cada um sabe o grau da sua dor, das suas limitações, das suas expectativas, dos seus sonhos, das suas lutas.
A minha vida é somente minha, se eu não pensar nela, ninguém o fará por mim, ninguém sofrerá por mim, ninguém viverá por mim. Então, não comparo, não coloco na balança quem sofre mais ou menos, não me justifico diante das pessoas. Seu problema “em comparação”, pode até ser menor que o meu, mas só você sabe o peso, a dor e o sofrimento que ele tem pra você.
O dia que dei o meu primeiro passo apos ficar 1 ano e meio sem conseguir ficar em pé, parecia ser uma coisa impossível de se fazer, parecia ser o feito mais incrível que fiz durante toda minha vida! Aquele foi o dia mais feliz de todos os tempos. Preciso ser forte, guerreira, otimista,mesmo sendo difícil, preciso lutar não é? Afinal, ninguém o fará por mim!
“Dor Compartilhada é Dor Diminuída“, conte a sua história e entenda que ao escrever praticamos uma autoterapia e sua história pode ajudar alguém a viver melhor com a doença!
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Deus sabe de todas as coisas ate nisso achamos errado mais voçe e uma vencedora nao e qualquer pessoa que consegue ultrapassar essas barreira voçe vai vencer por completo
Valéria, sua história é muito especial…
Como a história de todos nós portadores de Artrite Reumatóide é uma história de muita luta e dor… Mas é uma história de vitórias e conquistas.
Você é uma guerreira e tenha muito orgulho de tudo que conquistou e de quem vc é…
Estarei sempre torcendo pora você!!