A hipertensão é uma das doenças crônicas com maior prevalência entre a população brasileira. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgada em novembro de 2020, mais de 38,1 milhões de pessoas com 18 anos ou mais se enquadram como hipertensos, número que corresponde a 23% da população total do país.
Assim como a alta incidência, o alerta que esses dados também devem trazer é que apesar de estar constantemente relacionada a problemas cardíacos e hepáticos, pacientes com hipertensão descontrolada podem também sofrer com comprometimento significativo do cérebro e suas funções.
“A pressão alta está por trás de cerca de 80% dos casos de acidente vascular cerebral (AVC). Uma taxa altíssima que precisa ser considerada. Além de também ser responsável por casos de aneurismas, cegueira, derrames, isquemias, arteriosclerose e demência vascular, novos estudos têm evidenciado os riscos da doença que já temos acompanhado ao longo dos anos no consultório, especialmente da relação com doenças neurológicas”, explica Dr. Feres Chaddad, Professor de Neurocirurgia da UNIFESP, especialista em danos neurológicos e Malformação Artério-Venosa.
O Artigo “Hypertension-induced cognitive impairment: from pathophysiology to public health”, publicado em junho de 2021, é uma das revisões mais recentes sobre a associação da hipertensão com impactos no cérebro. Segundo o estudo, a pressão alta afeta a integridade estrutural e funcional da microcirculação cerebral, causando alterações patológicas importantes nos pequenos vasos, que contribuem para o surgimento de hemorragias, infartos lacunares (silenciosos e que podem se acumular e provocar sequelas a longo prazo), assim como lesões da substância branca (comum na população idosa e principalmente nos indivíduos com fatores de risco cardiovasculares), e aumento do declínio cognitivo.
Impactos cerebrais da doença
O artigo aponta que as consequências cerebrais induzidas pela hipertensão podem ser consideradas como resultado do envelhecimento vascular acelerado pela doença. Outras alterações ressaltadas se referem ao desenvolvimento de placas ateroscleróticas (acúmulo de gordura) em artérias cerebrais maiores, que desregulam o fluxo sanguíneo cerebral e levam a derrames isquêmicos.
“A pressão alta pode bloquear e entupir as artérias, que ficam mais enrijecidas e propensas ao surgimento de AVCs, aneurismas e outras patologias. Em idosos, os perigos são ainda maiores, devido a doença provocar a má adaptação da circulação cerebral, que resulta em danos à estrutura microvascular, ruptura da barreira hematoencefálica (estrutura que previne a passagem de substâncias do sangue para o sistema nervoso central), estresse oxidativo e defasagem do acoplamento neurovascular”, complementa Feres.
Outro ponto a destacar é que a hipertensão descontrolada acelera também o declínio cognitivo, podendo comprometer a memória, concentração e raciocínio. Segundo uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que utilizou como base de dados o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto – ELSA Brasil, depois de quatro anos de acompanhamento, 22% dos voluntários que apresentavam pré-hipertensão e 46,8% que eram hipertensos demonstraram declínios cognitivos importantes.
Subnotificação de danos neurológicos
A desatenção aos sintomas neurológicos leves e intermediários, a dificuldade do acompanhamento de pacientes e grupos de risco que não acessam o sistema de saúde e a falta de atendimentos integrais que observem os impactos na saúde de maneira específica, mas abrangente, esconde um problema muito mais expressivo. Parte desses pacientes pode vir a desenvolver manifestações neurológicas tardias e ter seu processo terapêutico impactado.
Necessidade do acompanhamento neurológico global
“A implementação de centros de triagem neurológica em hospitais e postos de atendimento é urgente. O acompanhamento longitudinal, com equipes multidisciplinares e check-ups médicos regulares é fundamental para todos os pacientes acometidos por doenças importantes, como a hipertensão. Incluir avaliação neurológica para examinar vários domínios cognitivos pode identificar alterações neurológicas, de maneira precoce, e assim trabalhar na redução da incidência de danos graves e riscos futuros”, reforça o Dr. Chaddad.
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