Meu nome é Andréa, tenho 46 anos, sou casada, tenho duas filhas e, hoje, após enfrentar o lúpus, sou nadadora de maratonas aquáticas. Tentarei descrever como e quando começaram minhas batalhas para sobreviver com dores intermitentes no corpo e, por vezes, na alma.
Tudo teve início na adolescência, quando comecei a praticar alguns esportes. Percebia que meu cansaço era diferente do dos meus amigos. Sentia-me tão fraca à exposição solar que chegava até a desmaiar. Aos 14 anos, fui diagnosticada com uma forte anemia.
Tomei por anos vitaminas e injeções à base de ferro, mas nada adiantava.
Somente aos 20 anos, com muitas dores no corpo e em todas as articulações, recebi o diagnóstico de “lúpus eritematoso sistêmico”, doença inflamatória crônica de origem autoimune que faz o sistema imunológico produzir anticorpos em excesso sem motivo aparente. O problema é que os anticorpos em alta concentração começam a atacar o próprio organismo, provocando lesões em vários órgãos.
Agora tudo fazia sentido. Portadores de lúpus não podem tomar sol, por isso os desmaios na adolescência, a anemia (também um fator desencadeante da doença) e o cansaço. As dores no corpo dormem comigo até hoje. Não tem como não sentir.
Comecei a tomar cloroquina e corticoide. Melhorei bastante, mas não podia parar com a medicação. Depois de sete anos de tratamento e agora, casada, veio a vontade de ser mãe. Fui aconselhada pelo médico, no entanto, a parar com a medicação. Estava ótima. Não tomava mais sol, não tinha mais anemia e, podia, portanto, ter filhos. Engravidei aos 27 anos e depois de quatro meses tive um aborto espontâneo.
Levantei e segui como pude, querendo acreditar no dito popular: “um raio nunca cai duas vezes no mesmo lugar”. Então, aos 28 anos me preparei para uma nova gestação, mas aos quatro meses e meio tive um segundo aborto espontâneo. Quando perdi pela segunda vez o bebê, senti uma dor enorme, que não vinha do meu corpo, mas da alma
Descobri que quando se tem lúpus, o raio cai, sim, muitas vezes no mesmo lugar e eu precisaria me levantar mais uma vez. Sem forças e desacreditada, tentei engravidar pela terceira vez aos 29 anos e descobri que precisaria ficar deitada durante a gestação inteira. Me ausentei do emprego, não visitei parentes, não fui a lugar nenhum.
Passei nove meses deitada e só me levantava para comer e ir ao banheiro. Enfim, consegui que a gravidez vingasse. Estava muito feliz com o nascimento da minha filha Ana Paula, hoje com 17 anos. Quando ia voltar com a medicação para o tratamento do lúpus, descobri que estava grávida novamente. Entrei em pânico ao saber que esperava gêmeos, pois Ana Paula tinha apenas nove meses.
Precisei novamente parar com os remédios e, por isso, começava a ficar anêmica de novo, além de sentir muita fraqueza. Aos quatro meses, um dos fetos veio a falecer. Como eles eram de placentas separadas, precisei me internar por três meses para que o outro sobrevivesse. Consegui mais uma vez.
Nascia, então, minha filha caçula, Aline, hoje com 16 anos. Tive complicações no parto, fiquei mais 15 dias internada tomando sangue por causa da anemia e só a criança foi liberada. Quando voltei do hospital, tinha duas lindas crianças em casa me esperando. Eu precisava levantar de qualquer jeito e ser forte.
A medicação foi redobrada — e minhas dores também… Para piorar, após ficar dois meses afastada do emprego, fui demitida da empresa em que trabalhava. Mas, alguns meses depois, como comecei a me sentir melhor e minhas filhas já podiam ir para escola, resolvi entrar para a faculdade. Me matriculei, então, no curso de Pedagogia. Só esqueci de uma coisa: minha imunidade seria sempre baixa e eu não poderia ter mais contato com nenhum tipo de vírus. Como se faz isso em uma sala com 40 alunos?
No começo do terceiro semestre, toda a sala estava gripada, e peguei uma pneumonia. Inchei da noite para o dia: era o sinal de que um dos meus rins começava a parar de funcionar. Mesmo assim, queria muito concluir o curso. Fiquei tão inchada que nenhuma roupa ou sapato me serviam e, como mal conseguia andar direito, fui levada para a sala de aula na cadeira de rodas. Neste mesmo dia, fui internada e comecei um novo tratamento chamado pulsoterapia, que é uma dose elevada de corticoide aplicada diretamente na veia (1 000 mililitros em um único dia, três vezes por semana).
Meus cabelos não caíram, como é de costume neste tipo de tratamento, mas todos os pelos do meu corpo desapareceram. Fiquei tão inchada com o tratamento que ninguém me reconhecia. Chorava todos os dias e só pensava em minhas filhas órfãs aos 2 e 3 anos.
Depois de dois anos intensos de tratamento e várias internações, melhorei. Concluí o curso e arrumei um emprego no melhor colégio do bairro. Um mês depois, contei que tinha lúpus, pois não achei que sofreria preconceito. Me enganei e fui demitida na mesma semana. Fiquei arrasada. A tristeza era tanta que a doença me atacou novamente e o inchaço e as dores voltaram.
Na busca de tentar aliviar esses sintomas, meu médico recomendou a prática de um esporte. Resolvi, então, voltar a fazer natação — esporte que já tinha praticado na adolescência por anos. Para a minha surpresa, aos poucos, de braçada em braçada, percebi que o inchaço diminuía.
As fortes dores no corpo ainda estavam lá, mas quando eu entrava na água não sentia nada. Foi libertador
Nunca mais parei de nadar e, alguns anos depois, um professor me convidou para uma travessia de 750 metros no mar. De imediato não aceitei, achei que jamais aguentaria e ainda teria que enfrentar o sol. Não ia rolar. Mesmo assim, treinei todos os dias durante um ano e só aceitei ir a uma travessia desde que não fosse no verão. O professor não esqueceu e, no dia 8 de outubro de 2017, fomos em 12 alunos para o circuito Netuno, em São Vicente, no litoral paulista. Eu iria disputar uma prova de 750 metros para amadores.
Após concluir minha primeira prova — dentre 70 mulheres acima de 30 anos — descobri que havia sido vice-campeã e que no podium eu era única com 45 anos
Nem eu acreditava! Chorei de alegria como uma atleta veterana. Não contei a ninguém que meu único inimigo e meu maior desafio era vencer o lúpus. E teve mais. Em janeiro 2018, fui para a Aquathlon & Travessia Performance Run, em Bertioga, também no litoral paulista. A prova era de 1 km. O mar estava revolto e foi bem difícil, mas cheguei em 2° lugar, com o ombro deslocado. Mas não me abalei e, após dois meses de fisioterapia, em março, voltei ao mar para outra travessia Netuno, em São Vicente, em uma prova de 1,5 km. Cheguei em 2º lugar novamente. O que para mim foi uma alegria!
Em setembro me inscrevi no melhor circuito de São Paulo, o Circuito Mares, que tem como objetivo percorrer cinco praias do Litoral Paulista. É um campeonato semi profissional em águas abertas, que tem 1 100 participantes, direito a diploma e contagem de pontos em todas as etapas.
A primeira foi no Guarujá, na praia do Guaiuba. Cheguei em 5º lugar. A segunda etapa foi no dia 2 de dezembro em Caraguatatuba, praia da Cocanha. Tínhamos que chegar até uma ilha e voltar nadando 1,3 km. Confesso que fiquei com um pouco de medo. Cheguei em 3º lugar e fui ao podium.
A terceira etapa será dia 17 de fevereiro de 2019, em São Sebastião. Estou ansiosa e satisfeita com as minhas vitórias até aqui (quatro na categoria semi profissional e uma na geral). E não penso em parar de competir tão cedo. Quando alguém me pergunta como eu consigo ganhar, nem eu sei explicar. Só digo que, se eu posso, todos podem!
Andréa Cavalcante, 46, é formada em pedagogia, tem duas filhas adolescentes e é maratonista de provas aquáticas.
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