Letras pequenas, possíveis reações e palavras difíceis: eis algumas das dificuldades que os idosos e cuidadores encontram ao ler a bula de medicamentos. Especialistas explicam como usar o material a seu favor. A bula específica para o público idoso ainda não existe, mas a SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) vê importância em levantar a discussão e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) busca adaptar a linguagem para aprimorar a acessibilidade da informação.
Ana Paula Firmo, 47, é cuidadora de idosos há 21 anos e utiliza a bula como aliada no tratamento pessoal e de seus pacientes que, na maioria dos casos, têm Alzheimer ou outro comprometimento cognitivo. Depois de ficar acamada por seis dias por reação aos medicamentos que estava tomando, faz da leitura sua rotina.
“O médico me passou dois medicamentos para diabetes e somente quando li a bula entendi o que estava acontecendo. Se tivesse visto antes, não teria sofrido tanto. Hoje, gosto muito de ler bulas, porque assim entendo melhor para o que serve e como deve ser usado. No início, tinha muita dificuldade de entender, principalmente por terem muitas reações, que podem ser diferentes em cada idoso. É muita responsabilidade. A perna tremia, mas, quando tinha dúvidas, perguntava à médica de uma das casas que trabalhei, e isso foi me deixando mais tranquila, mas ainda considero as letras miúdas um problema”, conta.
É essencial ter em mente que as reações adversas podem ser mais graves do que se imagina. Frequentemente, casos de entrada de idosos no pronto-atendimento poderiam ser evitados por orientações quanto ao uso dos medicamentos.
É o que conta a enfermeira Juliana Coutinho, especialista em saúde do idoso: “Em um dos meus atendimentos, uma paciente recebeu a prescrição de anti-hipertensivo e, após a leitura da bula, ficou extremamente receosa e optou por não seguir com o tratamento indicado, substituindo por fitoterápicos. Após alguns dias, a paciente procurou o pronto-socorro e foi constatado um pico hipertensivo. A idosa foi medicada e orientada novamente sobre a prescrição médica. Sanadas as dúvidas, foi possível esclarecer a importância do uso correto do medicamento para a sua saúde”.
Mas com tantas informações, por onde começar?
1º passo: agende uma consulta com o geriatra.
Esse especialista tem conhecimento da lista de medicamentos inapropriados, como benzodiazepínicos, anticolinérgicos, anti-inflamatórios e anti-histamínicos, responsáveis por incontinência, vertigens, confusão e quedas.
Fazer acompanhamento com diferentes médicos pode gerar prescrições duplicadas de um mesmo medicamento com diferentes nomes. Em consulta com o geriatra, o idoso ou o cuidador poderá esclarecer as principais dúvidas sobre as diferentes condições de saúde e tratamentos.
2º passo: sentiu medo? Pergunte
É consenso entre os especialistas de que dúvidas sobre as possíveis reações adversas descritas na bula são as principais responsáveis pela desistência dos tratamentos. Seja no consultório, atendimento domiciliar ou no pronto-socorro, pergunte para que serve o medicamento, como usá-lo e o que é comum ou raro de acontecer.
Informar ao médico sobre o uso de outros medicamentos também é importante para evitar o mal-estar por interação entre diferentes fármacos.
3º passo: leia a bula com um profissional de saúde
O objetivo da bula para o paciente é manter o direito de saber o que está ingerindo, sem que substitua a relação com o médico prescritor.
O ideal é que possam ler a bula juntos, mas como muitas vezes o prescritor não está presente no momento do uso do medicamento e o paciente pode se esquecer de como deve tomar, a bula tem a função de orientar o uso e o que fazer no caso de uma situação inesperada. Enfermeiros especialistas no cuidado ao idoso também estão aptos para ler a bula com o paciente e fazer a organização medicamentosa do que foi prescrito.
4º passo: se ler a bula sozinho, comece pelo necessário
Outro fator que assusta os pacientes é o tamanho da bula —normalmente são enormes—, mas começar com o essencial pode ajudar. “Para que este medicamento é indicado?” e “como este medicamento funciona?” ajudarão a compreender o motivo pelo qual se usa o medicamento.
“Como devo usar este medicamento?” ajudará a lembrar como o prescritor orientou e qual a dose máxima para, caso tenha ultrapassado, buscar ajuda. “O que devo fazer quando eu me esquecer de usar este medicamento?” auxiliará a manter o tratamento em dia. “Quando não devo usar este medicamento?” e “o que devo saber antes de usar este medicamento?” também são importantes para informar ao prescritor algo que possa impactar no tratamento, mas que se esqueceu de mencionar em consulta.
5º passo: leia ‘quais os males que este medicamento pode me causar?’, priorizando as consideradas comuns e anote as suas dúvidas
A descrição das reações adversas não serve para assustar o paciente ou favorecer alguma demanda das indústrias. É uma determinação da Anvisa para que os profissionais de saúde possam saber se está compatível com as ações de farmacovigilância, verificando se as reações observadas nos estudos clínicos se mantêm ou se devem acrescentar outras na bula, de acordo com as notificações que recebem.
Como agência reguladora, prezam por informar todos os dados aos pacientes, ainda que o tamanho da bula fique extenso. Entretanto, reforçam que o profissional de saúde deve explicar que os benefícios superam os riscos e prepará-lo para as possíveis reações.
Se não encontrar o prescritor, não interrompa ou substitua o tratamento, converse com um médico ou farmacêutico, ambos estão aptos para tirar dúvidas. O pacidente também pode entrar em contato com o serviço de atendimento ao cliente do fabricante ou notificar no site da Anvisa.
6º passo: não guarde os medicamentos no banheiro, cozinha e locais com variação de temperatura
O item “Onde, como e por quanto tempo posso guardar este medicamento?” é tão importante quanto os anteriores, porque se estiver em condições inadequadas, o medicamento pode perder a eficácia e, em alguns casos, oferecer risco à saúde.
Verifique cor, cheiro e aspecto do medicamento antes de ingerir. Se houver sobra do produto após o fim do tratamento, não se automedique e descarte na farmácia mais próxima para que seja destruído corretamente sem causar danos ao meio ambiente.
Bula precisa ser simplificada
Especialistas concordam que a bula é um direito de todos, mas que, na prática, não é intuitiva e contém muitas informações, dificultando o entendimento da pessoa leiga. Acreditam que a criação de uma bula para o idoso com letras maiores, uso de imagens, aumento do espaçamento entre linhas, padronização das reações adversas definidas como comuns, raras e muito raras, além da linguagem popular para minimizar a distância entre o medicamento e o paciente, possam melhorar a adesão ao tratamento.Até o momento, a Anvisa não recebeu nenhuma demanda sobre a necessidade da elaboração de uma bula específica por faixa etária. Para que isso aconteça, entidades médicas ou indústrias farmacêuticas precisam ter a iniciativa de caracterizar o problema para que a agência tome as devidas providências.
A SBGG afirmou que a dificuldade de leitura dos idosos e as consequências na adesão ao tratamento são reais e observadas diariamente na rotina clínica.
Fontes: Viva Bem Uol – Juliana Coutinho, enfermeira especialista em saúde do idoso, atua no cuidado paliativo do Home Care Vidas, na Emad (Equipe Multiprofissional de Atenção Domiciliar) da Prefeitura de Belo Horizonte e no pronto-socorro do Centro de Promoção à Saúde da Unimed, todos em Minas Gerais; Alessandra Ferrarese, médica geriatra no Hospital São Vicente de Paulo, no programa Maturidade do Idoso da Caberj (Caixa de Assistência à Saúde) e staff na pós-graduação de geriatria da PUC (Pontifícia Universidade Católica), todos no Rio de Janeiro; Marco Túlio Gualberto Cintra, médico geriatra, professor adjunto do Departamento de Clínica Médica da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e vice-presidente da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia), em Minas Gerais; Gustavo Mendes, farmacêutico especialista em saúde pública e gerente geral de medicamentos e produtos biológicos na Anvisa (agência nacional de vigilância sanitária), em Brasília; e Filipe Pessôa, inspetor sanitário na Apevisa (Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária), em Pernambuco.
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