A judicialização da saúde é um fenômeno que cresce a cada dia e esse aumento expressivo se deve a algumas situações.
É verdade que as pessoas passaram a viver mais e ter acesso a muitas informações sobre os seus direitos nas redes sociais. Mas a questão central da judicialização da saúde está na falta de recursos públicos para o SUS e nas falhas de gestão e organização, que se repetem, em um efeito cascata, pelo Brasil afora.
Em que condições ficam os milhões de brasileiros empobrecidos, sem recursos e sem medicamentos, se não apelarem para seus direitos, usando da justiça e de forma gratuita?
Os dados do Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça mostram que entre 2008 e 2017, a judicialização de processos, tanto por parte dos pacientes do SUS quanto dos planos de saúde, aumentou em 130%.
Com a Covid-19 e a falta de planejamento do Ministério da Saúde, a crise dos medicamentos entrou em escalada, colocando em risco o tratamento de pacientes de doenças crônicas, entre eles pacientes de doenças reumáticas.
Em dezembro de 2020, as 27 Secretarias Estaduais de Saúde reunidas no Conselho Nacional de Saúde, o CONAS, assinaram um documento alertando sobre a falta de 130 medicamentos.
Nesse artigo eu vou te explicar como você pode acionar a Justiça gratuita e ter acesso aos medicamentos do seu tratamento.
1 – Como impor à União, aos Estados e aos Municípios a prestarem o serviço que têm por obrigação?
No ano passado, foram emitidas 24 milhões de sentenças e acórdãos, como são chamadas as decisões dos tribunais, em ações de saúde. E quase 39 milhões de decisões monocráticas, quando juízes e desembargadores analisam os pedidos de liminar. A decisão liminar é concedida em caráter de urgência para garantir um direito em risco de ser perdido.
É possível obrigar o SUS, assim como as operadoras de plano de saúde, a fornecer um medicamento ou tratamento de alto custo acionando a Justiça e requerendo que o processo tenha o seu andamento com os benefícios da gratuidade da justiça.
Eles estão previstos na Lei da Assistência Judiciária (Lei nº 1.060/1950) e no novo Código de Processo Civil.
Os Estatutos da Criança e do Adolescente, do Idoso e da Pessoa com Deficiência reforçam a garantia de tratamento especial, a esses pacientes.
2 – Em quais situações você pode entrar contra o SUS?
Basicamente são 2 tipos de ações que podem ser tomadas para que os entes públicos, União, Estado ou Município, arquem com a suas obrigações no Sistema Único de Saúde, São àquelas em que se busca o fornecimento de Medicamentos de Alto Custo NÃO listados no SUS e o fornecimento de medicamentos listados, mas que estão faltando nas farmácias de distribuição.
Existe o histórico de outras ações, como por exemplo, o caso de pessoas em condições de pobreza extrema que não têm dinheiro para aquisição de medicamentos comuns ou de pessoas que buscam o fornecimento de medicamentos experimentais. Entretanto são ações que possuem requisitos específicos e devem ser analisados caso a caso. e
3 – Quem tem direito à gratuidade da justiça?
Primeiro é preciso a apresentação de uma declaração assumindo expressamente, e por escrito, que você não tem condições de pagar as custas de um processo e os honorários de um advogado sem prejudicar a subsistência própria ou de sua família. Esse atestado é a Declaração de Hipossuficiência.
Na declaração, você informa ao juiz que para exercer seu direito, neste momento da vida, não há condições de gastar, de ter uma nova despesa.
É bom que você saiba que o pedido de gratuidade pode ser questionado pela outra parte, o SUS, ou até mesmo pelo juiz, que pode solicitar comprovantes de renda/bens e despesas. Se toda a documentação estiver de acordo com o que você declarou no documento, a possibilidade de concessão do benefício é grande.
4 – Usando o Artigo 6º da Constituição Federal a seu favor
A nossa Constituição prevê no Artigo 6º que a saúde é um dos direitos sociais do cidadão (os outros são a educação, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados). Isso inclui o SUS, com suas ações de saúde e obrigatoriedade de assistência integral, inclusive no que diz respeito aos remédios que o paciente necessita.
Por mais que nos levem a descrença quanto a essas garantias, te digo que é seu direito exercê-las e lutar por elas.
E a judicialização tem funcionado para milhares de pessoas, como disse no começo desse artigo, embora o governo não nos forneça dados mais atualizados.
5 – Quem deve fornecer o seu medicamento?
A compra, armazenagem e a distribuição de medicamentos são coordenadas pelo Governo Federal, que tem a responsabilidade de fazer com que a distribuição alcance o maior número de brasileiros.
Existe uma série de doenças com fornecimento de remédios essenciais gratuitos, listadas na RENAME, Relação Nacional de Medicamentos Essenciais. Estados e Municípios têm autonomia para compor suas próprias listas.
A judicialização pode obrigar as administrações públicas a fornecerem o que está previsto na lista mas também os remédios que não fazem parte dela, seja pela demora na análise ou inclusão ou na lentidão de aprovação pela Anvisa.
Hoje, há mais de 724 denúncias recebidas pelo grupo Artrite Reumatóide, atestando a falta de 26 medicamentos pelo país.
No primeiro grupo estão os de competência do Ministério da Saúde:
- Abatacepte 125 mg (sc)
- Adalimumabe I 46%
- Etanercepte 25 mg I
- Etanercetepte 50 mg I P
- Golimumabe 6. Infliximabe
- Leflunomida I Parcial
- Metotrexato comp. 4
- Metotrexato injetável
- Rituximabe
- Secuquinumabe
- Tocilizumabe
- Tofacitinibe
- Ustequinumabe
- Vedolizumabe I 2º trim.
No segundo grupo, medicamentos adquiridos pelos estados com transferência de recursos financeiros pelo Ministério da Saúde.
- Azatioprina
- Ciclofosfamida comp I RO
- Ciclofosfamida injetável
- Ciclosporina cápsula
- Hidroxicloroquina I RO – AM (MAI/JUN) – SP (regularizando)
- Mesalazina comprimido I RO – AM – MA
- Mesalazina supositório I RO – AM – MA
- Naproxeno
Por último, medicamentos de competência das secretarias municipais de saúde
- Nifedipino
- Omeprazol
- Prednisolona
6 – Qual o lugar certo para reclamar?
Os pacientes podem procurar a Defensoria Pública para entrar na justiça com a sua ação individual. Além disso, a Defensoria também atua na defesa coletiva, ajuizando Ação Civil Pública.
As Associações de Defesa dos Direitos dos Pacientes também podem atuar na defesa dos interesses de seus associados, coletiva ou individualmente. Deve-se observar as regras de ajuizamento das ações.
O Ministério Público pode agir dentro de suas atribuições, instaurando Inquérito Civil e ajuizamento de Ação Civil Pública com pedido liminar. Se a liminar da ação civil for deferida e não cumprida espontaneamente pelo ente público, os interessados podem entrar individualmente com cumprimento.
Além disso, outras entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, podem receber as reclamações por meio de suas comissões temáticas, realizando orientações e encaminhamentos específicos.
7 – Quais são os benefícios da Justiça gratuita?
O novo Código de Processo Civil trouxe uma lista grande de despesas inseridas na gratuidade de Justiça. Entre elas as custas, que são os valores pagos pela execução dos serviços judiciários, as taxas, que são os tributos pagos e despesas judiciais, que são os valores despendidos com intimações, alvarás ou laudos por exemplo.
A gratuidade cobre também os honorários advocatícios, da outra parte, no caso o SUS, pois embora não esteja bem claro na lei, quando você é beneficiário da gratuidade da justiça e eventualmente perde a ação, a cobrança dessas despesas e honorários fica congelada, ninguém pode cobrar enquanto a sua situação econômica não melhorar.
E tem mais, se depois de cinco anos sua situação financeira não mudar, a dívida prescreve, ela some. É assim que funciona no caso de honorários.
E sendo deferido o pedido, o paciente não precisa pagar por uma perícia ou por algum exame complementar caso a outra parte questione o seu direito.
8 – Não tema, use seu direito
No caso de ação em que se busca o fornecimento de medicamentos não listados no SUS, se o ente não cumprir com a decisão ou demorar para cumprir, o juiz pode determinar o bloqueio e o sequestro de dinheiro. Se sequestrado o dinheiro, o paciente realizará a compra e prestará contas comprovando a aquisição.
No caso de ações em que se busca receber o medicamento porque está simplesmente faltando na farmácia pública, é possível que o juiz determine imediatamente o bloqueio ou sequestro de verbas públicas como medida coercitiva, uma vez que a demora no cumprimento da obrigação pode acarretar mais riscos à saúde ou à vida do paciente.
Não tenha medo de exercer os seus direitos, nunca aceite qualquer coisa que você não queira, ainda mais se há possibilidade de mudar uma situação que esteja lhe causando dor ou angústia. Você viu aqui que existe a quem, como e onde recorrer.
Saiba mais sobre seus direitos em nosso Canal do Direito Trabalhista e Previdenciário e visite nosso site arraesecenteno.com.br
Priscila Arraes Reino, advogada especialista em direito previdenciário e direito do trabalho, coordenadora adjunta do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário por MS, primeira secretária da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB/MS, e palestrante.
André Luiz da Silva Souza, advogado especialista em ações de saúde, mediador e conciliador judicial credenciado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, consultor em licitação e advogado atuante da causa animal.
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