A pandemia trouxe diversos desafios para os pacientes com doenças imunomediadas. Além do impacto psicológico de se fazer parte do grupo de risco, há falta de medicamentos de alto custo essenciais para a qualidade de vida de milhares de pacientes crônicos. Com o desabastecimento, pacientes perdem a remissão da doença, desenvolvem sequelas, muitas vezes precisando de novos medicamentos e exames, impactando não só na saúde de quem convive com a condição, como também onerando o SUS e os planos de saúde.
Uma pesquisa realizada pelo Movimento Medicamento no Tempo Certo, em parceria com outras associações, mapeou denúncias de falta de medicamentos no SUS durante o mês de maio. Foram registrados 2526 relatos, que apontaram irregularidades no fornecimento de 35 medicamentos nas farmácias de alto custo em todos os estados brasileiros.
Em primeiro lugar no ranking de desabastecimento ficou o estado de São Paulo, seguido pelo Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Já entre as doenças que mais ficaram sem tratamento foram a artrite reumatoide, espondilite anquilosante, doença de Crohn, lúpus, artrite psoriasica, artrite idiopática juvenil, psoríase, retocolite ulcerativa, esclerose sistêmica, hidradenite supurativa, dermatopolimiosite e osteoporose.
Interrupção do tratamento pode levar a sequelas nos pacientes reumáticos
Para quem convive com doenças reumáticas como a artrite reumatoide, lúpus, espondilite anquilosante, entre outras, a interrupção do uso do medicamento pode significar o fim da remissão da doença e o início de uma jornada desafiadora e dolorosa. Por se tratar de uma doença crônica, o uso contínuo de medicação é importante para que a atividade inflamatória seja controlada. Com a interrupção da medicação há um grande impacto na vida dos pacientes que voltam a apresentar queixas de dor, edema e limitação nas articulações, com comprometimento do bem-estar e mobilidade.
Além disso, outros órgãos podem ser afetados também como os olhos, pulmões, coração e rins. “Outros órgãos podem ser acometidos, como os olhos causando uveítes ou vasculites, levando a um prejuízo da visão. Pode levar em pacientes com esclerose sistêmica, lúpus e outras vasculites pulmonares a falta de ar, piora da tosse e até mesmo incapacidade para desenvolver as atividades diárias. Há maior risco de perder a função do rim e precisar de hemodiálise, e no fígado pode levar a hepatite e até mesmo a cirrose”, explica Dr. Marcelo Pinheiro, presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia.
O especialista destaca que com o uso correto das medicações, não só é possível alcançar a remissão, que é o principal objetivo de todo reumatologista e dos pacientes com doenças imunomediadas, como também evitar as deformidades. “Com as medicações disponíveis conseguimos alcançar a remissão e proporcionar melhor qualidade de vida, desde que a doença seja bem controlada e com poucas sequelas. O controle otimiza a não formação do dano, sem sequelas articulares e nos órgãos”, destaca.
Para os pacientes com psoríase e hidradenite supurativa, há o risco de “perder o medicamento”, ou seja, com a interrupção do tratamento o medicamento pode não voltar a fazer o efeito esperado de controle da doença. “Um problema adicional é que quando paramos a medicação por um tempo, mesmo reintroduzindo o remédio, às vezes, é difícil controlar a doença. No caso da hidradenite, isso piora porque há menos opções e existe um caráter progressivo da doença, podendo causar fístulas e cicatrizes, que não são resolvidas com a reintrodução de medicação”, explica Dr. Wagner Galvão especialista em Dermatologia pela Sociedade Brasileira de Dermatologia, professor da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) e dermatologista no Hospital Alemão Sírio-Libanês.
Em pacientes com DII, a recidiva da doença leva à internação hospitalar e até mesmo cirurgias
A gastroenterologista Dra. Marta Brenner Machado, presidente da Associação Brasileira de Colite e Doença de Crohn (ABCD), destaca que a falta de medicamentos para os pacientes com Doenças Inflamatórias Intestinais (DII) é seríssimo e pode trazer perdas irreparáveis para a qualidade de vida de quem convive com a condição. “Com a parada do tratamento, a gente tem a recidiva da doença. Muitas vezes com necessidade de internação hospitalar de tão grave que o paciente fica, com todos os sintomas como diarreia, dor abdominal e sangramento. Além de gerar o triplo de custo para o sistema de saúde”.
Em alguns casos, os pacientes podem precisar de cirurgias mutilantes com ostomias, além de aumentar o risco de câncer colorretal, por conta da mucosa inflamada do intestino. Mesmo com o retorno do medicamento, as sequelas da doença podem ser irreversíveis ou até mesmo há o risco de perda de eficácia da terapia. “Grande parte dos pacientes que fica sem a terapia biológica pode desenvolver anticorpos e ter uma reação quando usar novamente o remédio. Além de perder eficácia, forma anticorpo porque não manteve o esquema programado de infusões ou aplicação subcutânea”, explica a médica.
Muitas vezes é feita a troca do medicamento por outro, o que não é recomendado, já que pode pular etapas importantes do tratamento e, principalmente, da utilização adequada da terapia biológica. “As sequelas dessa falta de medicamentos vamos ver ano que vem. Pacientes destruídos de uma doença, que vinham bem controlados. Os pacientes com DII, que usam terapia biológica, não podem parar o tratamento. Precisamos mobilizar a sociedade inteira para que isso não aconteça mais”, faz o apelo Dra. Marta.
Sociedade Paulista de Reumatologia acompanha e denuncia o desabastecimento de medicamentos
De acordo com o Dr. Marcelo Pinheiro, presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia, a entidade tem acompanhado de perto a falta de medicamentos e atuado para minimizar o impacto. “Estamos com vigilância permanente sobre os medicamentos, principalmente, os de alto custo disponibilizados pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria de Saúde do Estado de SP. Procuramos estabelecer parcerias com essas entidades, tanto para garantir o fornecimento das medicações já conquistadas, mas também para fornecer as novas medicações que vem surgindo nos últimos anos”, explicou.
O presidente comentou sobre a falta da hidroxicloroquina no ano passado durante a pandemia, que colocou em risco o tratamento de pacientes com lúpus e artrite reumatoide. “Quando houve desabastecimento da hidroxicloroquina, fizemos parcerias e solicitações com a própria indústria farmacêutica que produz o medicamento para que nos fornecessem a medicação”, relembrou. A entidade reforçou que segue acompanhando e monitorando os casos e denunciando com apoio das associações de pacientes e da imprensa.
Se você está sem receber o seu medicamento da farmácia de alto custo, preencha o formulário, registre a falta de medicamentos e receba apoio do Movimento Medicamento no Tempo Certo, clique no link:
https://pt.surveymonkey.com/r/faltademedicamentoSUS
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