O Conselho Nacional de Saúde (CNS) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) irão constituir uma relatoria especial com o propósito de incidir junto à Procuradoria Geral da República (PGR) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que os órgãos deem andamento aos processos sobre responsabilização penal de crimes cometidos durante a Pandemia da Covid-19, por autoridades com foro privilegiado no STF. O objetivo é além de preservar a estrutura do direito sanitário e da saúde pública no Brasil, evitar que esses processos prescrevam e as pessoas responsáveis por práticas ilícitas fiquem impunes.
A iniciativa foi apreciada na última reunião ordinária do Cndh, que teve o presidente do CNS, Fernando Pigatto como convidado. Na ocasião, foi apresentada a pesquisa “Resposta federal à covid-19 no Brasil” que revelou que 14 petições criminais e 2 inquéritos relativos a crimes e infrações cometidos por autoridades federais durante a pandemia continuam em andamento junto ao STF (Supremo Tribunal Federal).
O estudo realizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa) da Universidade de São Paulo (USP) e da Conectas Direitos Humanos aponta ainda que do total de 58 petições criminais analisadas entre 2020 e 2023, 38 estavam arquivadas até dezembro do ano passado, e seis haviam sido apensadas, reautuadas a outro processo ou extintas em razão da investigação dos mesmos fatos. O estudo revela ainda que a gestão anterior da PGR requereu o arquivamento em 46 delas, ou seja, cerca de 79% dos casos analisados na pesquisa. E em relação aos inquéritos, a PGR pediu o arquivamento de dois processos, justamente os que o ex-presidente Jair Bolsonaro está implicado. Porém um dos processos segue em andamento.
O presidente do CNS, Fernando Pigatto destacou que diante do surgimento desses fatos e frente às mudanças recentes na condução da PGR, o Conselho Nacional de Saúde estará junto como CNDH em mais esta ação conjunta, dando continuidade às previamente realizadas desde 2019. Pigatto afirmou ainda que o processo contará com o acompanhamento da mesa diretora do CNS.
“O direito humano à saúde está no nosso planejamento estratégico com atuação tanto no Brasil quanto em âmbito internacional. Desde de 2019, os trabalhos conjuntos foram iniciados pelos dois conselhos que atuaram contra a irresponsabilidade do governo à época em relação à pandemia e em defesa da democracia e da participação social”, disse Pigatto ao ressaltar que desde então muitas lutas foram travadas . “Tivemos algumas vitórias, porque senão a situação poderia estar ainda mais grave. Vamos continuar atuando, porque as ameaças continuam nos rondando.”
A presidenta do CNDH, Marina Dermmam, reforçou a importância dos dois conselhos
atuarem conjuntamente para que os crimes da gestão de Pandemia da Covid-19 no Brasil não fiquem impunes. “Nós temos evidências para que sejam reconsideradas as manifestações de arquivamento”, ressaltou.
Além da PGR e do STF, a relatoria especial pretende atuar junto ao Ministério Público Federal (MPF), à Advocacia Geral da União (AGU) e ao Congresso Nacional para cobrar a responsabilização dos crimes de gestão durante a Pandemia da Covid-19.
Impunidade compromete a aplicação do direito sanitário Brasil
Caso o STF mantenha os pedidos de arquivamento destes processos formulados pela Procuradoria Geral da República (PGR), será praticamente impossível punir crimes contra a saúde pública em futuras epidemias e o arcabouço legal da saúde pública no Brasil será duramente atingido.
O alerta consta na conclusão do estudo, como destaca a professora Titular da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP), Deisy Ventura, uma das coordenadoras do estudo e artigo.
“Se nós tolerarmos esses pareceres da PGR, nós derrubaremos o edifício do Direito Sanitário no Brasil em relação à resposta e emergência. Nenhuma autoridade vai conseguir processar ninguém nas pandemias que poderão surgir”, enfatiza ao destacar que abre precedentes para aqueles que já desrespeitam as normas e procedimentos legais e e sintam seguros para manter este tipo de comportamento e de gestão, como já vimos em alguns estados brasileiro.
Ventura destaca ainda que foram encontrados nos pedidos de arquivamento indícios de tratamento em bloco, já que 7 deles foram apresentados no dia 25 de julho de 2022, um dia antes da apresentação oficial da candidatura à reeleição de Jair Bolsonaro.
O representante da Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio, foi enfático ao descartar a necessidade de se reforçar a defesa da democracia e de se resistir à conduta de omissões da gestão à época. “É algo que não pode ser esquecido, porque precisamos zelar pelas estruturas do direito sanitário no nosso país. Haverá outros momento que a sociedade precisará das normas e das regras como via de prevenção de outras pandemias que lamentavelmente podemos vir a enfrentar. É fundamental cobrar as responsabilidades.”
A conclusão do artigo aponta também que diferentemente do que foi afirmado pela PGR, as manifestações enviadas ao STF não atendem de forma rigorosa a critérios técnicos. Confira a síntese dos pedidos de arquivamento:
- não levam em conta a legislação sanitária, que determina em detalhes os deveres da União durante uma emergência, em especial o dever legal de conter a propagação das doenças; ignoram a conduta que governo deveria fazer
- ignoram conhecimentos técnicos elementares da área, inclusive o conceito de epidemia, desfiguram os tipos penais relativos à saúde pública, tornando impossível sua tipificação, processamento e punição, especialmente em contexto de emergência;
- por fim, trazem comentários que soam contrários às medidas de contenção da doença, sugerindo possível alinhamento político-ideológico com o governo federal da época.
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