Conjunto de compostos químicos é responsável pela ativação ou desativação dos genes. Os dados podem ajudar no combate ao mal de Alzheimer e câncer
Considerado o livro da vida, o genoma é escrito pelas combinações entre quatro bases químicas: A, T, G e C. Cada célula do corpo, contudo, se concentra em capítulos específicos, aqueles que trazem as instruções que elas precisam para executar suas funções no organismo. Para encontrar o papel exato que têm de desempenhar nesse enorme volume de 25 mil frases – a quantidade de genes que constituem o DNA –, elas contam com a ajuda de marcadores, que funcionam como aquelas canetas fosforescentes de destacar texto. É o chamado epigenoma, um conjunto de compostos químicos que, ao deixar sua marca nas células, regula a atividade genética. Erros nesse processo estão por trás de doenças como o mal Alzheimer, o diabetes e o câncer.
É por essa razão que o sequenciamento genético não basta para explicar o maquinário do corpo humano. Mais do que isso, os cientistas buscam compreender o epigenoma, um esforço que estimulou a criação de dois consórcios – um europeu e outro norte-americano – formado pelas mais renomadas instituições de pesquisa do mundo. Hoje, na edição on-line na revista Nature, os integrantes do projeto dos Estados Unidos divulgaram, em 24 artigos, o mapeamento epigenético de 111 tipos de células e tecidos primários humanos. Todas as informações podem ser consultadas livremente no site: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/.
O volume de trabalho analisado é 6 milhões de vezes maior que o número de genes que compõem o DNA. “Fizemos 2,8 mil experimentos, mapeando essas marcas por todo o genoma, examinando 150 bilhões de fragmentos de sequências, o suficiente para cobrir o genoma humano 3 mil vezes”, contou, em uma coletiva de imprensa, Manolis Kelli, professor de biologia computacional do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e principal autor de um dos artigos publicados. Em seguida, um computador traduziu essas informações e as separou por tipo de célula e tecido.
“Esse recurso nos permite comparar diferentes tecidos e tipos de células no nível molecular e entender o que os faz diferentes”, observou Kelli, lembrando que, embora todas as células do corpo contenham o mesmo DNA, algumas se tornarão neurônios, e outras, hemácias, por exemplo. “Em segundo lugar, com essas informações, podemos saber quais são os reguladores responsáveis por estabelecer a identidade de cada tipo de células. Por fim, nos fornecem uma referência para o estudo das bases moleculares das doenças humanas, ao revelar as regiões de controle que abrigam variantes genéticas associadas a diferentes distúrbios”, disse.
Os cientistas, por exemplo, já descobriram, graças ao projeto, que as variantes associadas à altura estão ativas nas células-tronco. As que têm ligação com diabetes 1, artrite reumatoide e esclerose múltipla ativam-se em células do sistema imune; variantes genéticas ligadas à pressão alta estão ativas no coração; já aquelas associadas a colesterol e traços metabólicos, no fígado; e as ligadas ao distúrbio do deficit de atenção, no cérebro. Surpreendentemente, nos monócitos CD14, células que conferem imunidade ao organismo, os pesquisadores encontraram variantes associadas ao Alzheimer. No total, até agora, foram identificadas regiões de controle de 58 traços genéticos.
Metilação
Ao se associar ao genoma, os compostos químicos epigenéticos não alteram a sequência de DNA, mas mudam a atividade de um gene. São modificações que não criam mutações, já que as letras continuam na ordem certa, mas são capazes de silenciar ou ativar aquele gene. Ao fazer isso, o epigenoma influencia a produção de proteínas, garantindo que determinados aminoácidos sejam produzidos apenas pelas células certas.
Um tipo muito comum de mudança epigenômica é a metilação. Esse processo consiste na adição de pequenas moléculas, chamadas grupos metis, a um gene particular, que, então, é desligado ou silenciado. Dessa forma, por exemplo, impede-se que as proteínas construtoras de ossos sejam produzidas nas células musculares, pois o epigenoma “desliga” o interruptor desse gene. No entanto, erros podem ocorrer. Quando se modifica o gene errado ou há falhas na adição de compostos químicos aos genes, isso pode levar à atividade ou à inatividade genética, o que causa doenças oncológicas, distúrbios metabólicos e degenerativos. Os erros podem ocorrer devido a processos internos do organismo ou serem desencadeados por fatores externos, como dieta e ingestão de substâncias químicas.
“Essas informações permitirão aos pesquisadores focarem em células e tecidos relevantes que, de outra forma, não teriam sido considerados ao estudar uma doença em particular”, disse, na coletiva de imprensa, Bing Ren, pesquisador do Instituto de Medicina Genômica da Universidade da Califórnia em San Diego e também coautor dos artigos publicados na Nature. “O circuito regulatório de uma diversa gama de células pode contribuir para doenças que se manifestam em órgãos aparentemente inesperados”, afirmou ele, citando o caso do mal de Alzheimer, que foi tema de um dos artigos do consórcio americano.
De acordo com Ren, embora, hoje, o sequenciamento do genoma humano possa ser feito rapidamente e a um custo baixo, a interpretação desses dados é o grande desafio. “Os 111 mapas de referência do epigenoma são essencialmente um dicionário que vai nos ajudar a decifrar cada segmento do DNA em distintos tecidos e células. Esses mapas são como imagens do genoma humano em ação.”
Em nota, Francis Collins, diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, órgão que financia o projeto, disse que esse trabalho “representa um importante avanço aos esforços atuais para entender como 3 bilhões de letras do livro de instrução do DNA de um indivíduo são capazes de instruir atividades moleculares vastamente diferentes, dependendo do contexto celular. Essa efusão de publicações riquíssimas, produzidas por uma equipe de memoráveis cientistas criativos, fornece um momento poderoso para o rápido crescimento do campo da epigenômica”, considerou.
Fonte: EM Tecnologia
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