Os medicamentos biológicos não são novidade em nenhum lugar do mundo. Os “remédios vivos”, diferente das drogas sintéticas, são desenvolvidos a partir de células e da manipulação de microrganismos. Não resultam de uma fórmula química, mas do cultivo em bactérias, leveduras e células de mamíferos.
Ao longo do tempo este segmento farmacológico, que tem a biotecnologia como base, colocou no mercado produtos com grande impacto social, como as vacinas, proteínas de fusão, insulina e outros hormônios, além dos anticorpos monoclonais, que tratam doenças complexas como a artrite reumatoide e o câncer.
Mas, recentemente, uma nova fronteira foi ultrapassada com o surgimento dos biossimilares, que “parecem, mas não são”. As pesquisas mundo afora são intensas e o impacto econômico previsto será imenso. Por isso, o tema movimenta os laboratórios das empresas biofarmacêuticas, das universidades e dos órgãos governamentais.
Quando se fala em biossimilares, é quase impossível não arriscar um raciocínio paralelo com os genéricos e todo avanço econômico e social que esse recurso representou . Porém, é preciso lembrar que os medicamentos biológicos são feitos a partir de estruturas vivas e complexas, impossíveis de serem reproduzidas de forma idêntica e sistemática, gerando o efeito determinado.
Além disso, com raras exceções, não são encontrados nas drogarias. Ninguém mantém um biológico na “farmacinha” caseira para uma urgência. Em geral, estão nas unidades de alto custo, a exemplo do Medex, na DRS de Marília.
Os biossimilares, primos caçulas, devem chegar com a proposta de reduzir custos e atender as mesmas expectativas dos biológicos inovadores (de referência). Mas sua regulação, indicação e assimilação pelos pacientes ainda irá gerar muita discussão no Brasil e no mundo.
Para compreender o que esse avanço significa, o Diário de Marília participou, esta semana de um workshop em São Paulo com jornalistas de várias regiões do Brasil. Os centros de pesquisa, a indústria e os pacientes estão preocupados com a forma como serão introduzidos.
O tema “Medicamentos Biológicos e Biossimilares: O que vem por aí?” foi apresentado pelo médico e biólogo Jairo Bouer, educador e comunicador na área da saúde, destacado nacionalmente por participar e apresentar programas de TV.
Ele situou a inovadora área da biotecnologia no Brasil e no mundo, apresentou definições técnicas, explicou como os produtos médicos de fonte biológica agem e porque são um alento para pacientes acometidos por doenças graves, principalmente patologias autoimunes, quando o próprio sistema imunológico passa a atacar tecidos saudáveis.
“Um biológico será sempre mais complexo que um medicamento químico. As moléculas são maiores, mais pesadas e, em geral, são administrados por injeção. Frequentemente verificamos imunogenicidade, ou seja, a produção de anticorpos pelo organismo contra o próprio medicamento. Os estudos clínicos é que determinam se os benefícios são suficientes para que esse produto seja aprovado”, explica.
Em relação aos biossimilares, o médico faz questão de destacar que não há a menor possibilidade de um novo produto, para a mesma indicação, ser idêntico, ou possuir a chamada bioequivalência. “Na busca do mesmo efeito do medicamento inovador, o biológico follow será a consequência de uma pesquisa reversa, quando o fabricante decodifica seu antecessor. Mas a linhagem celular será nova, o processo de produção diferente e não haverá acesso, por uma questão óbvia, aos elementos e às culturas usadas para se obter o medicamento de referência”, esclarece.
O tema foi exposto em conjunto com o médico Ricardo Garcia, pesquisador da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e integrante da ClapBio (Centro Latino Americano de Pesquisa em Biotecnologia).
“Existe um ‘mantra’ para os medicamentos biológicos em geral. Tem que ter qualidade, eficácia e segurança. Não somos contra os biossimilares, mas eles não podem ser oferecidos para as pessoas sem que estes pontos estejam contemplados”, disse o pesquisador.
Atualmente, no Brasil, quase metade da despesa do SUS (Sistema Único de Saúde) com medicamentos de alto custo se concentra nos biológicos. É uma lista pequena de produtos, mas que, pela complexidade de sua elaboração e o grande investimento dos laboratórios em pesquisa e desenvolvimento, chegam ao mercado com valores elevados.
Experiências em países latino-americanos e até na Europa mostram que, sem amplo debate da comunidade científica e controle social, a biossegurança pode ser prejudicada. A preocupação é que a biossimilaridade venha apenas de encontro aos interesses dos governos, para gerar economia, sem preservar a segurança da população.
Paciente cria blog especializado
Para apresentar uma visão de quem está do outro lado do balcão das farmácias de alto custo, a ativista, blogueira e presidente da EncontrAR, Priscila Torres, também participou do workshop com a imprensa em São Paulo.
Ela criou o primeiro blog especializado em artrite reumatoide e, pela internet, organizou uma rede formada por milhares de pessoas com a mesma patologia. O grupo apoia pacientes e cobra dos órgãos públicos (Ministério da Saúde, Anvisa, Estados, entre outros) e dos laboratórios informações sobre produtos, regulação, política nacional de distribuição de medicamentos.
“Eu não sabia como conviver com a doença, então comecei a trocar experiências, a procurar pessoas que também viviam a mesma situação. Essa necessidade de se comunicar e conectar as pessoas, para juntos enfrentarmos os problemas e buscar soluções, acabou dando origem a um trabalho muito amplo que promove o empoderamento do paciente, sob vários aspectos”, relatou a enfermeira que deixou a profissão e atualmente estuda jornalismo.
Com informação e debate, a comunidade científica, o governo, as biofarmacêuticas e as organizações que representam os interesses de quem usa os biológicos, podem chegar a um consenso sobre a regulação, os aspectos técnicos e sociais dos biossimilares.
A introdução no Brasil deve acontecer ainda este ano e pode impactar na distribuição do Infliximabe (Remicade). O medicamento é um dos biológicos mais utilizados no mundo, indicado principalmente para artrite reumatoide e espondilite anquilosange. Em algumas partes do mundo, também foi aprovado, por extrapolação, para doença de crohm e psoríase.
Mesmo na iminência do biossimilar chegar ao Brasil, muitas perguntas ainda continuam sem resposta. São questões como a necessidade de estudos comparativos, a extrapolação (para quais doenças será indicado), a tentativa e os perigos da intercambialidade (troca do medicamento para quem já recebe o biológico de referência) e a farmacovigilância, incluindo a rastreabilidade, para o controle de efeitos adversos.
Fonte: Diário de Marília
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