Indústria brasileira se prepara para lançar no mercado cópias de drogas de última geração usadas para doenças como câncer e artrite reumatoide. Mas a polêmica é se elas serão tão eficazes quanto as originais
Fabíola Perez, Laura Daudén e Monique Oliveira
Está dada a largada para a nova era da produção de cópias de remédios no País. Expiram, agora em 2012, as patentes de remédios biológicos ? feitos a partir de organismos vivos, como bactérias. Eles são usados para prolongar e melhorar a qualidade de vida de portadores de doenças graves, como o câncer. Até 2020, outras dezenas de patentes cairão. Entre elas estão a da Herceptina, usada contra tumor de mama, do Mabthera, para linfoma não Hodgkin, do Remicade, para artrite reumatoide, do Xolair, para asma, e do Lucentis, para degeneração macular relacionada à idade.
São medicações caras ? há doses que podem chegar a até R$ 50 mil ? e que, por isso mesmo, têm um impacto de R$ 6 bilhões anuais no orçamento público. Espera-se, portanto, que a queda das patentes abale favoravelmente as contas de planos de saúde e do SUS e torne esses remédios, em geral mais eficazes, acessíveis a uma parcela maior da população.
Porém, o quadro estabelecido denuncia que a questão é mais complexa do que parece. O grande desafio está em saber se as cópias terão a mesma eficácia e segurança que as drogas de referência. Isso porque, neste caso, o processo de produção dos remédios de marca é muito diferente do aplicado para fabricar as drogas convencionais, das quais hoje é possível encontrar seus genéricos nas farmácias.
Os biológicos são feitos a partir de anticorpos produzidos por seres vivos modificados geneticamente para gerar mecanismos de defesa equivalentes aos humanos. Diferente, portanto, de moléculas sintéticas, criadas em laboratório, como as que originam os remédios comuns. Até lotes de biológicos de uma mesma empresa não são totalmente iguais entre si. ?É impossível produzir duas moléculas idênticas?, diz Valdair Pinto, consultor da indústria farmacêutica. Por essa razão, uma cópia de um biológico nunca será igual ao seu correspondente original. É por esse motivo que elas são chamadas de biossimilares e não de genéricos ? esses sim cópias idênticas das drogas de referência.
Como comprovar, então, a eficácia das cópias? Com testes ? incluindo os clínicos ? semelhantes aos feitos para aprovação da droga original, além de um exame de comparabilidade para determinar se sua eficácia é igual ou superior ao de referência. ?Mas a legislação não esclarece se a estrutura molecular do biossimilar deve ser igual à do seu biológico de referência?, diz Denizar Vianna, presidente do Centro Latino-Americano de Pesquisa em Biológicos.
Um dos problemas que podem ocorrer com o uso dos biológicos ? originais ou não ? é a reação descontrolada do sistema imunológico, que pode reconhecê-los como substâncias estranhas. O resultado é a intolerância ao tratamento. Isso é particularmente importante para as doenças que acometem o sistema de defesa, como o linfoma e a leucemia. ?Estamos atentos a tudo o que envolve essas drogas?, diz Merula Steagall, presidente da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia.
Na indústria brasileira, há intensa movimentação para que se consiga produzir remédios de tamanha sofisticação. ?A ação de drogas como essas depende de uma fabricação rigorosa, de alto controle?, diz o reumatologista Valderílio Feijó Azevedo, coordenador do Fórum Latino-Americano de Biossimilares. Mas aqui, novamente, apresenta-se outro desafio: a capacitação da mão de obra. Estima-se que nos EUA existam 800 mil cientistas envolvidos com biotecnologia ? área na qual são feitas as medicações ? , enquanto no Brasil esse número não ultrapassa os dez mil. Diante desse cenário, as empresas se viram impelidas a unir forças para bancar o início da produção dos biossimilares. Foi criada a Bionovis, formada pela ESM, Aché, Hypermarcas e União Química, e a Orygen Biotecnologia, formada pela Eurofarma, Cristália, Biolab e Libbs.
A Orygen não anunciou seu investimento e produção. A Bionovis divulgou o investimento de R$ 500 milhões, destinados à produção de cópias do etanercepte, utilizado na artrite reumatoide, e do rituximabe, para o linfoma não Hodgkin. Outras sete drogas estão na lista da companhia. ?Estamos firmando acordos com empresas internacionais que detêm o know-how necessário à produção?, diz Odnir Sinotti, presidente do laboratório. Na opinião de Sarah Rickwood, consultora da IMS, empresa especializada na análise de mercados de saúde, o início da produção no Brasil pode representar um avanço na geração de conhecimento. ?Diferentemente da fabricação dos genéricos, a pesquisa necessária para a fabricação de biossimilares pode ser uma oportunidade para o Brasil produzir, inclusive, drogas melhores do que as originais?, diz.
Algumas iniciativas nesse sentido estão em curso. A Confederação Nacional da Indústria e o Senai fecharam duas parcerias de peso para a formação de profissionais: com o americano Massachusetts Institute of Technology e a alemã Fundação Fraunhofer, instituição de apoio à indústria. No ano que vem, as instituições deverão criar por aqui 23 institutos de inovação em áreas como a biotecnologia. Na mesma linha, o Brasil está firmando convênios com outros países para a transferência de tecnologia, como é o caso dos contratos firmados entre a Fundação Osvaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e o governo cubano para a produção nacional do interferon-alfa, já usado para o tratamento de hepatites virais e alguns tipos de câncer.
Apesar do alto investimento das empresas brasileiras, eles serão menores do que os despendidos pelos laboratórios que inicialmente criaram essa tecnologia. A Roche, um dos fabricantes que sentirão o abalo com a quebra das patentes, por exemplo, investiu R$ 900 milhões no Avastin, contra o câncer de mama e de colo do útero e cuja patente cai em 2018. Isso é quase o dobro de todo o capital da Bionovis, que produzirá nove biossimilares. A empresa teve 20 anos para explorar o mercado. Agora, acompanha o surgimento dos biossimilares com cautela. ?É preciso ficar atento em relação à segurança desses remédios. Não se pode pular etapas na sua produção?, disse à ISTOÉ Thomas Schreitmueller, gerente de pesquisa e controle de qualidade de produtos biotecnológicos do laboratório.
Feitas as contas, estima-se que o impacto na redução final nos preços dos biológicos será de 25%, margem bem menor que os quase 80% de diminuição a que chegaram os preços dos genéricos. De toda forma, trata-se de uma redução que, espera-se, beneficiará pacientes como Tatiana Margarida dos Santos, 33 anos, de Curitiba ? desde que as cópias apresentem igual eficácia dos de referência, é claro. Ela tem psoríase (doença crônica inflamatória da pele) e usa o etanercepte. Conseguiu acesso a droga após enfrentar muita burocracia. ?Tinha usado porque fiz parte de um estudo clínico. Porém a pesquisa acabou e havia ficado sem o remédio?, lembra.
Fonte: Revista Isto é
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