Ela vive em Iverness, na Escócia, e é uma das duas pessoas no mundo diagnosticadas com uma rara mutação genética. Há seis anos, quando foi submetida a uma cirurgia, descobriu que era diferente. Os médicos não acreditaram que ela não precisava de analgésicos no pós-operatório.
Ela operou a mão e não sentiu necessidade de tomar remédio para dor. Como ela dispensou os analgésicos, o anestesista Devij Srivastava decidiu levar o caso a geneticistas especializados em dor das universidades britânicas UCL (University College London) e Oxford.
“Quando ficou sabendo que eu não estava tomando (anestésicos), o médico checou meu prontuário e descobriu que eu nunca havia pedido analgésicos”, conta Jo Cameron. Foi quando ela foi encaminhada para se consultar com especialistas na Inglaterra. Ao ser diagnosticada com a mutação, Jo percebeu que ela, na verdade, não estava “incrivelmente saudável” como achava.
Perigos no dia a dia
Jo sempre soube que não precisava de remédios para dor, mas nunca se perguntou o porquê disso. “Eu era apenas uma pessoa feliz, não percebi que havia algo diferente em mim”, diz. Ela não percebia, mas sempre tolerou a dor numa escala muito maior que as outras pessoas. Até mesmo no parto. “Foi estranho, não doeu. Foi bem prazeroso, na verdade”, conta.
Na cozinha, com frequência, Jo queima o braço no fogão. Só percebe quando a pele começa a cheirar a carne chamuscada. Nem assim notou que era insensível à dor. Ela garante que não tem vontade de mudar, mas reconhece que a dor tem sua importância. “A dor existe por uma razão, para te avisar. É um alerta”, avalia.
“Seria bom ter um aviso quando algo está errado”, afirma, dizendo que não “sabia que o quadril tinha ido embora até que ele foi embora”. “Não poderia andar com o tipo de artrite que tenho”. Médicos acreditam que ela também consegue se curar mais rápido que o normal. Os especialistas dizem que Jo tem uma combinação muito específica de genes que a torna mais esquecida e a faz se sentir menos ansiosa.
“É chamado o gene feliz ou do esquecimento. Eu venho incomodando as pessoas por ser feliz e esquecida o tempo todo. Agora, tenho uma desculpa”, observa. Jo também não tem medo. Recentemente, ela bateu o carro. Nem ligou para o episódio, que deixaria muita gente chateada.
“Não tenho adrenalina. Todo mundo deveria ter aquele aviso, faz parte de ser humano”. Depois da batida, conta Cameron, a outra motorista estava tremendo. Já ela, estava calma. “Não tenho esse tipo de reação. Não é ser corajoso, é que o medo simplesmente não vem”.
Rastreando a condição
Pesquisadores acreditam que haja mais pessoas como Jo Cameron no mundo. “Um em cada dois pacientes após cirurgias ainda experimentam dor de moderada a grave, apesar de todos os avanços no desenvolvimento de analgésicos. Resta saber se novos tratamentos poderiam ser desenvolvidos com base em nossos resultados”, disse o anestesista Devij Srivastava.
Há pesquisas de novos medicamentos que poderiam oferecer alívio da dor pós-cirúrgica e também acelerar a cicatrização de feridas. “Esperamos que isso ajude os 330 milhões de pacientes que se submetem a cirurgias no mundo a cada ano”, disse o médico.
O caso de Jo vai virar artigo acadêmico na publicação British Journal of Anaesthesia, assinado pelo médico Srivastava and James Cox, da UCL. Cox diz que pessoas com insensibilidade rara à dor podem ser valiosas para pesquisas médicas.
O caso de Jo pode ajudar outros pacientes a lidar melhor com a dor. “Aprendemos como suas mutações genéticas afetam a forma como as pessoas experimentam a dor, por isso encorajamos qualquer um que não sinta dor a se manifestar. Esperamos que, com o tempo, nossos achados possam contribuir para a pesquisa clínica para dor e ansiedade no pós-operatório, e potencialmente dor crônica, e cicatrização de feridas”, explica Cox.
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