Erroneamente associada a idosos, a artrite é um dos motivos que podem fazer com que os pequenos vivam uma realidade permeada pela dor. A dor crônica infantil, efeito colateral de doenças como enxaqueca, fibromialgia ou artrite idiopática juvenil (AIJ), pode deixar marcas que persistirão pela vida inteira. Deformidade física, fragilidade psicológica e dificuldade de prosseguir com os estudos são algumas das consequências mais penosas.
O ano de 2016 representa um marco quando o assunto é dor articular. Em 11 de janeiro, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), em parceria com a Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED), lançou o Ano Mundial Contra a Dor nas Articulações. A inciativa pretende divulgar dados sobre a artrite reumatoide juvenil, também chamada de artrite crônica da infância. Além da dor, a doença caracteriza-se por inchaço e/ou aumento de temperatura de uma ou mais articulações. Margarida de Fátima Carvalho, presidente do Departamento de Reumatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), diz que ainda não há dados que confirmem a incidência da doença no Brasil, mas a estimativa é que 0,8% da população infantil tenha a doença. “O diagnóstico é difícil e feito por exclusão. Deve-se analisar as possíveis causas da dor, como infecções ou tumores.”
É de cortar o coração que recém-nascidos possam apresentar as articulações enrijecidas. Mas acontece. Segundo Margarida Carvalho, um sinal claro que o bebê pode estar com artrite é o choro anormal e contínuo, especialmente durante a manipulação. “Às vezes, a doença é visível, com edemas no joelho, por exemplo. E causa febre.” Contudo, o mecanismo do transtorno ainda não foi esclarecido. “O que sabemos é que algumas infecções podem desencadeá-lo, bem como problemas emocionais”, aponta a médica Maria Teresa Terreri, presidente da Comissão de Reumatologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR). A medicina também não sabe por que a enfermidade ataca os olhos. A uveíte, inflamação intraocular que compromete a úvea (conjunto da íris, corpo ciliar e coroide), por exemplo, é comum em pacientes infantis.
Adaptações necessárias
Crianças com AIJ precisam de cuidados especiais. Veja algumas orientações:
* O ajuste da altura do travesseiro deve levar em conta a posição em que a criança dorme. Lembre-se que dormir de bruços sobrecarrega o pescoço e a coluna;
* Na hora de assistir à tevê: posicionar a criança em frente ao aparelho, para não “torcer” o pescoço;
* Ambiente funcional: deixe as coisas que o seu filho usa com frequência em locais de fácil acesso;
* Substitua as maçanetas de bola pelas de cabo;
* Use engrossadores para facilitar a pegada em lápis, talheres e escovas de dente;
* Substitua a mochila de costas pela de rodinhas;
* Vista sempre o lado comprometido primeiro;
* Observe se a criança está usando a órtese corretamente;
* O banho deve ser sentado para poupar energia e evitar dor nas pernas;
* Estimule a criança a manter as pernas esticadas o máximo de tempo possível.
O desafio de amadurecer
A doença é complexa e pode ter consequências permanentes. O diagnóstico rápido é imprescindível para que a luta contra o tempo seja bem-sucedida. “Bastam 15 dias mexendo pouco a articulação para ela ficar comprometida”, ressalta a médica Maria Teresa Terreri. Os músculos atrofiados por falta de movimentação comprometem não só o andar, mas o escrever, com consequências sérias para a vida escolar do paciente. “Crianças com AIJ têm dificuldade de concluir os estudos na mesma idade que os demais”, completa Priscila Torres, 35 anos. A jornalista e técnica de enfermagem é uma das fundadoras da ONG Encontrar, focada em informação e emponderamento de pacientes com artrite.
Na página da ONG, Priscila conta que recebe todo o tipo de feedback, especialmente dos pais. “A criança é muito sutil na internet, muitas usam o perfil dos pais. Já os adolescentes querem saber como vão namorar, se vão conseguir entrar na faculdade e no mercado de trabalho”, enumera. Na escola, os pequenos pacientes sofrem com a desinformação. “Uma questão importante é a legislação do Ministério da Educação, que não permite que essas crianças tenham abono das faltas escolares”, exemplifica. “A artrite é uma doença flutuante. Nos períodos de crise, não se consegue nem andar. Essas crianças podem ter que passar 40, 60 dias fora e a grade diz que tem que ter 75% de presença, senão o aluno é reprovado.”
A psicóloga Juliana Freitas, 32 anos, convive com a AIJ desde os 10 anos. A infância e a adolescência, marcadas pela dor, não a impediram de estudar. Os remédios autoimunes minaram as defesas naturais do organismo. Os efeitos colaterais a castigavam: os vômitos e os enjoos, segundo ela, eram ainda piores que a própria medicação. Mesmo assim, a resiliência infantil aprendeu a contornar os incômodos. “Tinha dificuldade de amarrar os sapatos, de fechar o zíper. Em alguns dias, eu não conseguia segurar uma xícara, mas, em outros, conseguia brincar. Fui aprendendo a lidar com a doença.” Quando a adolescência chegou, porém, a situação ficou insustentável. O excesso de corticoides a deixava inchada. Aos 18, Juliana se revoltou e comunicou aos médicos que, a partir daquele momento, não tomaria mais o medicamento.
A autoimagem de Juliana ficou prejudicada. Nas aulas de educação física, ela era excluída. “Entrei em depressão. Não sei se só por conta do corticoide ou pelo conjunto de fatores, mas foi uma fase de revolta”, relembra. “Tive alguns namorados, mas tive que me reconstruir.” Na faculdade, Juliana precisou colocar próteses nos dois joelhos. Nem as grandes escadarias a impediram de terminar os estudos. “Eu ia de bengala, descia as escadas ‘de ladinho’”, descreve. Colegas e professores ajudavam no que podiam: carregando livros, adaptando provas ou mesmo com palavras bacanas. “Uma amiga até me disse que, quando estava sem vontade de ir para a aula, pensava em mim, levantava e ia. As pessoas veem a gente como guerreiros, mas, na verdade, não temos outra opção.”
A vida adulta trouxe maturidade. Por volta dos 20 anos, Juliana decidiu saber mais sobre a própria condição — e como seria a vida dali para a frente. “As pessoas não costumam chegar ao consultório informadas sobre medicação ou como olhar um exame de sangue. A partir do momento em que busquei informação, comecei a me entender”, reforça. Há quatro anos, Juliana fundou a comunidade BrincAR Artrite Reumatoide/idiopática Juvenil, na qual troca experiências e dá suporte a pais de crianças com o problema. “Os pais costumam olhar imagens de pessoas deformadas no Google e se desesperam. Mas é tudo uma questão de adaptação. Não é preciso abandonar o que se gosta”, ensina.
Garra de mãe
A pequena Marina Leão Fideles, 6 anos, era uma criança como outra qualquer: aprendeu a andar sem grandes dificuldades, gostava de brincar, pular. Aos 2 anos, contudo, as caminhadas foram se tornando cada vez mais difíceis, sofridas. Um inchaço no pulso esquerdo surgiu de repente e deixou a mãe, Cibele Leão, 33 anos, preocupada. “Até eu conseguir vaga em um reumatologista, os joelhos dela também começaram a inchar”, recorda a jornalista. “Até que chegou ao ponto de ela não caminhar de manhã, por causa da rigidez matinal.”
Gesso, consulta no reumatologista, no ortopedista, no pediatra. Nada parecia dar uma resposta às dores que a menina sentia. Finalmente, Marina foi encaminhada a um reumatologista pediátrico, que identificou a AIJ. A primeira leva de comprimidos não fez efeito. Cibele continuou a peregrinação por profissionais até que conseguiu uma vaga no ambulatório da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Lá, a menina passou a tomar medicamentos injetáveis e a dor, enfim, começou a ceder.
Atualmente, Marina está com 6 anos e estável. O problema é que o remédio causa diversos efeitos colaterais — sobretudo durante o “desmame”, período em que os médicos tentam reduzir gradualmente o uso do medicamento. “Quando tentamos, as dores voltaram todas”, descreve Cibele. Marina foi convidada pela equipe da Unifesp para fazer parte de um estudo que envolve o desenvolvimento de uma medicação biológica e subcutânea. Graças ao novo remédio, a menina recuperou-se tanto que, além de brincar, consegue praticar ginástica rítmica, seu esporte favorito.
No começo, a notícia de que a filha tinha uma doença crônica entristeceu Cibele. Mesmo deprimida, contudo, a mãe conta que seu pensamento sempre esteve focado em garantir que a filha não sentisse mais dor. “Vi que, quando a medicação não faz efeito, é tudo muito rápido”, completa. “Se eu não batalhasse, ela poderia ter sequelas, o que hoje ela não tem. Fiquei assustada, mas corri atrás para que ela não ficasse inválida.” O desconhecimento dos próprios profissionais não ajudou a acalmar o coração da mãe. O primeiro médico a atender Marina, por exemplo, disse que a menina poderia morrer a qualquer momento. “Ele falou que ela não poderia mais ir para a escola, que se pegasse catapora, estaria morta. A vontade que dá é de dizer para ele não repetir isso para nenhuma mãe. Eu fui atrás do tratamento, mas acho que muitas desistiriam.”
Uma batalha em várias frentes
A artrite reumatoide faz parte da vida de Cleuma dos Santos Alencar, 31 anos, desde 2009. No ano passado, foi a vez da filha da professora,
Caolynny Larhanne Alencar, 13, ser diagnosticada. Moradoras do município Novo Repartimento, no Pará, elas precisam viajar 560km para visitar o reumatologista pediátrico mais próximo, em Belém.
Tudo começou após uma aula de educação física. Ao chegar em casa, Caolynny reclamava de dores no corpo inteiro. Pensava-se ser um incômodo normal. “Ela continuou reclamando, fiquei preocupada e a levei no clínico geral”, lembra Cleuma. Quatro consultas depois, as dores resistiam. Finalmente, Cleuma levou a adolescente ao reumatologista que a atende habitualmente e obteve o diagnóstico.
Mais exames foram solicitados, mas a doença é impaciente: quanto mais tempo se passava, mais os dedos da adolescente entortavam. Os remédios não faziam efeito. “O olho dela começou a inflamar e, em setembro passado, ela teve uveíte”, lembra. Em novembro, foi a vez das cartilagens do nariz e do ouvido ficarem comprometidas. “A mandíbula também foi muito afetada, então ela tinha muita dificuldade em mastigar e regurgitava a comida.”
Caolynny precisou ser acompanhada por diversos especialistas, como oftalmologistas e otorrinolaringologistas. Mesmo assim, a garota acabou perdendo parte da audição. Em dezembro, Caolynny precisou ser internada às pressas, com uma forte pressão no peito. “Ela está com um aceleramento cardíaco. À noite, ela tem bradicardia (batimentos mais lentos que o normal) e, no restante do dia, taquicardia”. Por conta do problema, a jovem passa a maior parte do dia na cama. Hoje, toma remédios biológicos e tenta não se movimentar em excesso. “Ela ficou com várias deformidades e sequelas. Os dedos das mãos e dos pés estão tortos”, descreve Cleuma. Por conta das dores, a garota não conseguiu terminar o ano letivo. “Quero uma vida normal para ela.”
Enorme valentia
As formas mais severas da artrite idiopática juvenil causam dor intensa, mas não no começo. Por ser crônica, a patologia se desenvolve lentamente. “Existem muitos subtipos, mas entre todas as doenças reumáticas infantis, é a mais frequente. Só perdia para a febre reumática”, completa a reumatologista Maria Teresa Terreri. O diagnóstico é complicado. “Fizemos um estudo há 15 anos que mostrava que as crianças passavam por 10 médicos até serem diagnosticadas”, conta Terreri. Segundo a médica, houve avanços consideráveis na área e, hoje, quase não há crianças em cadeiras de rodas por conta da artrite.
Soraya Silva dos Santos, 6, não teve a sorte de um diagnóstico precoce. Os sintomas da AIJ apareceram ainda no primeiro ano de vida. Os joelhos, de tão inchados, não aguentavam o peso. A avó da menina, a secretária Leila Silva dos Santos, 43 anos, a levou para o ortopedista da cidade, que a encaminhou para outro, que aconselhou um pediatra. “Tivemos que ir para Goiânia. Até chegarmos em um reumatologista pediátrico, ela passou por sete médicos.” Soraya mora com Leila no município goiano de Itumbiara, a 204km da capital. A peregrinação demorou um mês e 15 dias.
Em Goiânia, Soraya vivia uma rotina de 13 remédios por dia. A intolerância a lactose piorava os efeitos colaterais dos medicamentos. Além de febre, as articulações da menina endureciam cada vez mais. “Ela ficou um mês sem pisar o chão”, relembra a avó. O uso de corticoide também era alto. Desconfiada de tantos remédios que só pioravam a vida da neta, a avó preferiu procurar uma segunda opinião. Durante uma ressonância magnética, a menina teve uma parada cardíaca e precisou ser entubada. “A médica disse que foi por conta dos efeitos do corticoide”, explica Leila.
Um terceiro reumatologista decidiu retirar todos os medicamentos da menina. Rapidamente, o corpo dela respondeu em forma de mãos atrofiadas, joelhos inchados e crises de dor noturnas. “Ele disse que ela estava completamente curada e que eu só voltasse lá se ela estivesse arrastando as pernas”, relembra Leila. A partir daí, as coisas pioraram ainda mais. Soraya pegou catapora e a doença se alastrou com velocidade. Em apenas quatro dias, o corpo da menina estava completamente tomado por feridas. “Ela foi para o hospital em crise gravíssima. No primeiro dia, ela já estava perdendo os movimentos das pernas. O médico disse que precisávamos ir para Goiânia, porque ela tinha que ir para a UTI.”
Às 22h, a menina urrava de dor: a catapora começava a atacar o cérebro. A menina teve delírios. A vaga na UTI só apareceu às 15h. No dia seguinte, a menina estava com 40 graus de febre. Naquela noite, foi desacreditada.“Nem os médicos souberam explicar como ela sobreviveu.” Soraya teve alta, mas a vida ficou um pouco mais complicada. Além da AIJ, a catapora manchou sua pele. Apesar de fazer natação semanalmente, a coluna de Soraya está enrijecendo. A cada consulta, avó e neta precisam viajar para Goiânia. “Estou buscando ajuda, porque não está fácil”, desabafa.
Em busca de qualidade de vida
A complexidade da doença se reflete no tratamento. Margarida de Fátima Carvalho, presidente do Departamento de Reumatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), explica que tudo vai depender da idade da criança e da quantidade de articulações comprometidas. De modo geral, inclui de anti-inflamatórios (hormonais ou não) a modernas drogas biológicas, além de fisioterapia, nutrição adequada, acompanhamento psicológico e, claro, reumatológico. “O tratamento medicamentoso teve um avanço imenso a partir da década de 1990, com a descoberta das drogas biológicas”, reforça a médica.
Por ser uma doença crônica, não se fala em cura para a artrite infantil. Mas há cada vez mais casos de pacientes que entram em remissão permanente, ou seja: a doença não se manifesta mais. “Como não sabemos a etiologia da doença, o agente que a causa, não podemos dizer que a criança está curada. Mas existe o controle.” Lívia Chaud Albano, psicóloga da ONG Acredite e do Ambulatório de Reumatologia Pediatrica do Hospital São Paulo, trabalha há um ano e meio com crianças artríticas. O tratamento, ela enfatiza, é para a vida toda. “Uma das principais dificuldades dos pais é ‘cair a ficha’ quanto a isso.”
Explicar para a criança ou para o adolescente o que está acontecendo e o que está por vir também é importantíssimo. O discurso, claro, vai depender da idade do paciente. “Normalmente, para crianças mais novas, a dor e a rotina de consultas e remédios, especialmente os injetáveis, por causa da agulha, são as coisas que mais incomodam.” Os adolescentes preocupam-se com questões mais filosóficas. “Por que comigo?”, “por que ninguém mais tem isso?” são perguntas frequentes, segundo Lívia Albano.
Lidar com o problema de frente, tanto para pais quanto para as crianças, é o começo da qualidade de vida. Além dos sintomas, remédios e adaptações, é importante dar atenção aos sentimentos dos pequenos pacientes. “No geral, as crianças com artrite são fechadas, guardam os sentimentos para elas mesmas”, descreve a psicóloga. “É muito comum elas terem passado por uma situação de mudança, como o divórcio dos pais.” A partir daí, o esforço dos responsáveis é em afastar medos e preconceitos com muita conversa. “É preciso entender o mínimo sobre a doença, porque ela sempre estará presente.”
Fonte: Correio Brasiliense
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Muito difícil compreender certos tipos de doenças, mas infelizmente temos que nos adaptar. Sou espondilitico a 4 anos e meu filho está com 2 anos. Gostaria de aproveitar o post pra saber quando devo fazer exames em meu filho para saber se é/ou será espondilitico.
Alex, existe o exame de HLA-B27 que é o fenótipo da Espondilite Anquilosante, ele é um marcador imunológico, você pode sim colher o marcador do seu filho, e saber se ele tem o HLA- B27 positivo, porém, isso não quer dizer que ele vai ter a doença, apenas que ele pode ter uma pré-disposição e então, adotar hábitos que o protejam como praticar natação como medidas profiláticas. Converse com o pediatra do seu pequeno.