Organizações de pacientes fizeram levantamento de medicamentos que não estão chegando para a população por negligência do Ministério da Saúde
A falta ou o risco de acabarem os estoques de medicamentos do chamado kit intubação em meio à pandemia é um fantasma que assombra a população nos noticiários. No entanto, algo pior ainda acaba sendo encoberto no meio do pânico da covid-19.
A Biored Brasil, uma rede de organizações de pacientes, mapeou mais de 30 fármacos que estão praticamente fora dos estoques dos postos de entrega à população. “Desde o início da pandemia, vemos inconsistência na entrega de medicamentos pelo Ministério da Saúde”, fala Priscila Torres, coordenadora da Biored. A causa, na maior parte, não se dá por causa da demanda. Está no processo de compra da pasta, denuncia.
Segundo Priscila, as compras de lotes de medicamentos devem se dar de forma trimestral e “tem compras do último trimestre de 2020 que o ministério ainda não fez”.
O problema, assevera a coordenadora da Biored, é político. “Os técnicos do ministério da Saúde que são estatutários sabem que tem que se cumprir esses prazos. O problema esbarra em seus chefes que são de livre nomeação”, declara.
O jornal Extra Classe tentou contato com o Ministério da Saúde por e-mail e por telefone e não obteve retorno.
Telefone sem fio
A Biored ainda critica a falta de transparência pois todos os dados que busca junto à pasta da Saúde do governo Bolsonaro tem que ser via Lei de Acesso à Informação e de contato com as secretarias de saúde dos estados e municípios.
Foi exatamente nesse contato com as pontas do sistema é que a organização identificou que, além do atraso na entrega dos medicamentos, os dados não batiam.
“Muitas vezes identificamos que o ministério diz que mandou uma quantidade e no estado confirmamos que, na realidade, chegou menos”, relata Priscila. Concretamente, os dados que o ministério da Saúde registra como efetivado é o do pedido, não o que foi entregue.
Mortes diárias
Entre os remédios não entregues, Priscila cita o Micofenolato de Sódio que é indicado para o tratamento de Lupus, profilaxia da rejeição de transplantes e até para pacientes na fila de espera de um transplante renal. Ele é o único incorporado ao protocolo do Ministério da Saúde.
“É triste. Aqueles que não morrem, vão morrendo todo o dia”, desabafa a coordenadora.
A própria Priscila sente na pele a dificuldade de ter um medicamento de uso contínuo. Este, sim, pela alta demanda e uso no coronavírus. É o Tocilizumabe, usado para tratar artrite reumatoide, artrite idiopática juvenil e outras doenças relacionadas.
Acontece que o medicamento está sendo usado off-label (cuja indicação médica diverge do que consta na bula) para tratamento de casos graves da covid-19.
Essa indicação causa um risco de desabastecimento global, “pois famílias de pacientes com covid, que possuem dinheiro, compram para usar em pacientes graves e entubados”, explica Priscila.
Segundo a Biored, o Ministério da Saúde diz que tem o Tocilizumabe para fornecer até julho de 2021. Mas, a organização já registra queixas de pacientes que não o recebem do SUS desde dezembro de 2020.
Pré-transplante
Rochelle Benites tem fibrose pulmonar há seis anos e há três anos está em lista de transplante na Santa Casa de Porto Alegre. Pra sobreviver, enquanto aguarda pelo transplante, ela toma quatro medicamentos diários (Citrato de sildenafila 40 MG, Espironolactona 100 mg, Furosemida 40 MG e Levotiroxina 150 MG) e faz uso permanente de oxigênio.
Ela é uma das 1.948 pessoas que estão na lista de espera por transplante no Rio Grande do Sul e dependem de medicação para sobreviver.
Mãe de três filhos, impossibilitada de trabalhar em função da doença, ela conta que tem passado por momentos muito difíceis provocados pela falta de medicamentos na Farmácia do Estado e nas Unidade de Pronto Atendimento (Upas). “Um dos remédios eu pego direto na Farmácia do estado e os demais nas Upas, no entanto, há meses não tem medicação aqui no posto do Bananeiras Partenon”, relata. “A Secretaria da Saúde tem negligenciado medicamentos para as Upas e está faltando também medicações para os hospitais. Tento falar com a secretária, mas ela não atende, está sempre em reunião, e não soluciona o problema”. Resultado, ela tem de comprar os remédios. Um gasto de R$ 100,00 em média.
O jornal Extra Classe solicitou manifestação à Secretraria de Estado da Saúde a respeito da falta de medicamento, mas até o fechamento desta matéria não obteve retorno.
Transplantes
Dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), registram que cerca de 40 mil pessoas no Brasil estão atualmente à espera para fazer um transplante. Até o começo da pandemia, o ritmo da realização dos procedimentos estava acelerado.
Agora, além do declínio de doares que fez com que os transplantes realizados em 2020 regredissem aos patamares de 2017, quem está na fila de espera enfrenta outro dilema. A falta de medicação que é uma responsabilidade da União também tornou-se uma questão de vida ou morte.
Fonte: Extra Classe.
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