Há cinco anos, o militar aposentado Valdir de Oliveira Filho, de 70 anos, foi picado pelo mosquito Aedes aegypti e contraiu chikungunya.
Mesmo fazendo tudo o que lhe foi indicado, algumas semanas depois de apresentar os primeiros sintomas da doença ele notou que sua visão estava ficando embaçada.
“Começou leve, mas piorou muito rápido. Procurei um oftalmologista achando que teria de usar óculos, e ele me encaminhou para um retinólogo”, recorda.
Após uma série de exames veio o diagnóstico: uveíte causada pela chikungunya. “O médico me disse que eu já tinha perdido 90% da visão do olho direito. Naquela época eu não conseguia mais dirigir, ler e nem colocar café na xícara, derrubava tudo.”
Com o tratamento, recuperou 40% da acuidade visual. “Mesmo com essa melhora, ainda tenho dificuldade para enxergar e, por isso, precisei mudar muitas coisas na minha vida, na minha rotina”, lamenta o militar aposentado.
O que é uveíte?
Frequentemente confundida com conjuntivite, a uveíte é uma causa importante de cegueira (acuidade visual com melhor correção menor que 20/400 ou 0,05) e de baixa visão (acuidade visual com melhor correção entre 20/70 ou 0,3 e 20/200 ou 0,1) no mundo todo.
Ela se dá quando ocorre uma inflamação na úvea, camada vascular média dos olhos que inclui a íris (parte colorida dos olhos), o corpo ciliar (músculos que controlam os olhos) e a coroide (membrana que abastece a região com sangue). Também pode afetar o nervo óptico e a retina.
Unilateral ou bilateral, atingindo apenas um ou os dois olhos, a doença é classificada como anterior (acomete apenas a íris), intermediária (acomete o corpo ciliar e o vítreo) e posterior (acomete o vítreo, a retina, coroide e a esclera) – as que atacam mais de uma porção uveal são chamadas de pan-uveítes.
Suas causas são várias, segundo Haroldo Vieira de Moraes Junior, presidente do Congresso Brasileiro de Oftalmologia 2019, evento promovido pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), e titular-chefe do departamento de Uveítes do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro: idiopáticas (não identificáveis), infecciosas e não infecciosas.
No grupo das infecciosas entram as arboviroses (dengue, zika, chikungunya e febre amarela) e patologias como sífilis, tuberculose, aids e toxoplasmose. No das não infecciosas estão as doenças autoimunes, como artrite reumatoide, lúpus e esclerose múltipla.
“Há uma gama enorme de doenças que podem repercutir nos olhos em forma de inflamação, e pouca gente sabe disso”, afirma o médico.
No Brasil, as mais incidentes são toxoplasmose e sífilis. Porém, com a elevação das temperaturas e a proximidade do verão e das chuvas, a preocupação se volta para as arboviroses, já que essa época favorece a reprodução dos mosquitos causadores e, por consequência, o risco de infecção.
Sintomas da uveíte
Embora a doença tenha variações, seus sintomas são basicamente os mesmos: dor nos olhos, vermelhidão, fotofobia (sensibilidade à luz) e baixa de visão. Em alguns casos, há relatos de manchas escuras que flutuam no campo visual (moscas volantes).
Maria Auxiliadora Monteiro Frazão, coordenadora da Comissão de Ensino do CBO e chefe do Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo, pontua que, dependendo da localização da inflamação e da sua agressividade, tem-se um maior ou menor acometimento da acuidade visual.
“Independentemente disso, se o problema não for tratado adequadamente e a tempo, pode gerar dano irreversível à visão. A estimativa atual é de que entre 10% e 15% dos pacientes com uveíte fiquem cegos”, relata a médica.
E mais: sem o cuidado correto, a patologia pode desencadear outros problemas nos olhos, como catarata, glaucoma e edemas de retina. “Para evitar essas situações o importante é, a qualquer sinal de dor, embaçamento ou vermelhidão, procurar imediatamente um oftalmologista”, aconselha.
Diagnóstico e tratamento
Para diagnosticar a enfermidade é necessário fazer um teste ocular completo, com medida da acuidade visual, avaliação dos reflexos pupilares, biomicroscopia de segmento anterior, tonometria e fundoscopia direta e indireta, combinado com exames complementares de sangue, para identificação do fator etiológico, e de imagem (tomografia computadorizada, angiografia fluoresceínica e ressonância magnética são algumas opções).
A conduta terapêutica varia de acordo com a causa e deve ser realizada em parceria com o especialista na doença base – por exemplo, se for tuberculose, é junto com o pneumologista; se for sífilis, com o infectologista e por aí vai. Ela inclui o uso de antibióticos, antivirais, antifúngicos, antiinflamatórios, analgésicos, corticoides ou imunosupressores.
“Temos de combater prioritariamente o agente que está provocando a inflamação”, comenta Maria Auxiliadora.
Junto a isso, o uso de colírios específicos é obrigatório em qualquer situação. Algumas pessoas ainda podem precisar de aplicação de fármacos diretamente na visão. “Recorremos a essa solução nos casos de contraindicação por via oral ou quando o tratamento não está funcionando como o esperado”, complementa Moraes Filho.
E ele informa que a uveíte tem cura ou controle – mais uma vez, isso depende da causa -, mas alerta para a possibilidade de recaídas: “Em certas doenças base, como a toxoplasmose, é comum haver novas ocorrências”.
O período de cuidados vai de meses a anos, podendo até se dar indefinidamente, como é o caso de Oliveira Filho, que, mesmo após cinco anos do diagnóstico, ainda consulta o oftalmologista a cada seis meses e usa um colírio diariamente.
“Tive comprometimento da úvea e também do nervo óptico. Sei que jamais voltarei a enxergar 100%, mas, hoje, aprendi a conviver com o problema. A vida segue e a gente se adapta, não tem outro jeito”, finaliza o militar aposentado.
Fonte: Globo – G1
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