Transplante fecal. Sim, você leu isso mesmo. O tema ainda é pouco conhecido mesmo entre os médicos, mas vem ganhando cada vez mais força e, nos Estados Unidos, foi já criado até um centro de doação de fezes. Essa técnica já é reconhecida como mais eficaz do que antibióticos em caso de infecção pela bactéria Clostridium difficile. A infecção é responsável por 29 mil mortes por ano nos Estados Unidos.
Chamado cientificamente de transplante de microbiota fecal (FMT, na sigla em inglês), a técnica consiste em inserir fezes de uma pessoa saudável no intestino de um paciente com um problema intestinal por meio de um tubo ou através de uma cápsula via oral (pelo nariz ou boca) ou, ainda, via anal. Esta é uma forma de introduzir uma mistura de bactérias saudáveis que podem tomar o lugar de bactérias ruins causadoras de doenças.
O transplante fecal já é feito no Brasil pelo médico Arnaldo Ganc, do Hospital Albert Einstein, de São Paulo. Pelo mundo, diversas pesquisas estão sendo feitas para testar a viabilidade de usar a técnica contra outras doenças, como colite ulcerativa, doença de Crohn e até mesmo contra a obesidade.
Ganc realizou cerca de 40 transplantes no Brasil para casos de C. difficile. “O resultado é espetacular, pessoas que estão doentes por três, quatro meses ficam curadas em dois dias depois do transplante”, disse o médico. “A diferença entre o tratamento e o uso da vancomicina (antibiótico) é nítida. Para este tipo de bactéria a técnica é unanimidade, é cientificamente o melhor tratamento”. O transplante é feito no Brasil com aparelhos comuns de endoscopia, explica Ganc. Ele lembra que há testes para que nem isso seja necessário e seja possível a ingestão das fezes por cápsulas.
A infecção pela Clostridium difficile, que faz parte da flora intestinal de 10% das pessoas, ocorre quando se ingere antibióticos por causa de alguma outra doença, como gripe, por exemplo. Essa bactéria resiste e toma conta do intestino, causando diarreia e desidratação tão grave que pode até ser fatal.
O médico brasileiro já usou o procedimento em três casos de colite ulcerativa em que os tratamentos convencionais não surtiam efeitos, mas conta que os resultados não foram muito convincentes. “Ainda precisamos de muitos estudos nessa área. Alguns deles estão sendo realizados, como fazer transplante de flora bacteriana de pessoa magra para gorda para ver se funciona e também parece que existe alguma relação entre crises de autismo e alteração intestinal”. Ele planeja um estudo no Brasil para doença de Crohn e colite ulcerativa.
Nos Estados Unidos, o médico Sahil Khanna, da clínica Mayo, em Minnesota, apresentou recentemente os resultados de uma técnica que ele desenvolveu para prever com exatidão, pela primeira vez, quais pacientes são resistentes ao tratamento com antibióticos e, portanto, devem considerar o transplante de fezes. A técnica se baseia no número de espécies de bactéria nas fezes dos pacientes.
Segundo Khanna, os tratamentos com antibióticos têm uma taxa de sucesso de apenas 40% a 50% para casos de infecção recorrente, comparado a 90% de sucesso do transplante.
As regras do Colégio Americano de Gastroenterologia e da Sociedade Europeia de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas estão mudando no sentido de recomendar o transplante para o tratamento de infecção recorrente de C. difficile devido às evidências, segundo especialistas.
Banco de fezes
Há até um banco de fezes sem fins lucrativos chamado OpenBiome, que recolhe doações com o objetivo de expandir o acesso seguro ao transplante. Os doadores recebem pelas fezes, mas não é tão fácil assim: apenas 2,8% dos candidatos conseguem passar pelo processo rigoroso da instituição que só aceita fezes de pessoas muito saudáveis, depois de feita uma bateria de exames. Além disso, a pessoa pode ser chamada para comparecer ao centro de doações diversas vezes e muitos não têm essa disponibilidade.
Fonte: Noticias UOL
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