Apesar das longas filas, nem sempre o medicamento está acessível na rede pública. Um levantamento exclusivo da Secretaria de Saúde, feito a pedido do Correio, mostra que 112 remédios estão em falta — isso significa 15,5% dos 720 títulos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Desse total, 62 drogas são aquelas da Farmácia de Alto Custo. O Executivo local admite que a situação é delicada, mas que todos os remédios estão em processo de compra. Ainda não há previsão para os estoques serem normalizados. A meta do governo é manter 95% das prateleiras abastecidas, mas a média é de 84,5%. O que preocupa quem precisa desses remédios.
O sofrimento de 30 mil pacientes que retiram medicamentos nas Farmácias de Alto Custo esbarra em licitações frustradas (ou demoradas) e na dificuldade de as empresas de concluírem a entrega dos produtos comprados. Para se ter dimensão de como as baixas nos estoques de remédios são recorrentes, somente em 2017, o Correio publicou mais de 60 reclamações na sessão Grita Geral, e o tema foi alvo de nove reportagens. “Estamos vivendo um momento de um desabastecimento considerável de medicamentos”, admite o diretor de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Saúde, Emmanuel Carneiro.
Prejuízo
Além dos processos de aquisição, a Secretaria de Saúde tem dificuldades de atender à população. Faltam servidores, mas nem a pasta sabe precisar quantos. Cerca de 20 mil pessoas são atendidas somente na unidade da 102 Sul da Farmácia de Alto Custo. Muito além da capacidade. A defasagem da estrutura também afeta o polo de Ceilândia. Inaugurado há seis anos, o governo previa o recebimento de 7 mil pacientes. Hoje, o local atende 13 mil — 85% a mais que o esperado.
O GDF espera inaugurar uma nova unidade no Gama até setembro. Essa é uma promessa de 2 de outubro de 2015. Atualmente, o local — oferecido pela Administração Regional do Gama — passa por reformas. No futuro, diz a Secretaria de Saúde, é avaliada a possibilidade de inaugurar uma outra unidade em Sobradinho. Esse plano é ainda mais remoto.
Para minimizar o prejuízo, segundo Emmanuel Carneiro, está sendo reorganizado o fluxo de atendimento nas farmácias de Alto Custo. “Implementamos todas as medidas possíveis, mas temos poucos servidores. O que estamos propondo é o agendamento da retirada do remédio”, ressalta. Desde 1º de junho, a renovação dos cadastros — a cada três meses — é realizada de forma interna, sem a necessidade da presença do paciente. Quem requisita a revalidação não precisa pegar senha nem fila, apenas entrega a documentação necessária. Lá, são atendidos pacientes de 90 especialidades.
Falta dinheiro
Há seis anos, a dona de casa Suely Fernandes da Costa, 51 anos, retira medicamentos na Farmácia de Alto Custo. Após uma trombose, em 2011, ela desenvolveu uma dor crônica. O remédio dela está em falta há oito meses. Na última quarta-feira, Suely comparecu à 102 Sul pela 12ª vez. Voltou para casa sem as doses de metadona 10mg. “Eu me sinto lesada, frustrada e sem esperança. Se eu não tomo o remédio, não consigo levantar da cama”, reclama. Por mês, ela precisa de três caixas que saem a R$ 900. “Esse dinheiro pesa no orçamento. Eu tiro de outras coisas da casa para conseguir pagar”, reclama a moradora de Santa Maria.
O entrave financeiro não é só na casa de Suely. Na Secretaria de Saúde, a conta também não fecha. A Diretoria de Assistência Financeira estima que são necessários R$ 270 milhões para custear a compra de medicamentos em 2018. Mas o orçamento sempre é menor. No ano passado, por exemplo, o cálculo era de R$ 250 milhões — o governo destinou apenas R$ 203 milhões, 18% menos que o planejado. “O desafio é manter a assistência com o recurso inferior. Muitas empresas não querem vender para nós por atrasos no pagamento”, avalia Emmanuel. Nem mesmo o corte na lista de medicamentos disponibilizados sanou a carência de dinheiro (leia Memória).
O desequilíbrio da conta é criticado pelo servidor público aposentado Alex Murilo Freitas, 49. Há oito anos, ele retira medicamento para a esposa que sofre de lúpus. O morador da 415 Sul diz que, nesse período, o serviço piorou. “Sempre está faltando remédio. As filas são enormes e a maior parte das pessoas saem sem o medicamento. Onde está sendo aplicado o dinheiro público? As autoridades não sabem que tem gente morrendo?”, questiona.
Corte na lista
A Secretaria de Saúde cortou 41% da lista de medicamentos acessíveis aos pacientes. O processo começou em abril e, em setembro do ano passado, o número de remédios comprados pela pasta passou de 850 para 735. Atualmente, são 720 drogas disponibilizadas. O plano do Executivo local é elaborar uma lista com cerca de 500 títulos. A Direção de Assistência Farmacêutica alega que a revisão é para economizar recursos e atenuar o desabastecimento da rede, além de dar maior celeridade ao processo de compra dos insumos. Apesar de ter retirado 115 medicamentos das farmácias públicas, a Secretaria de Saúde garante que nenhum tratamento ficou prejudicado.
Questão prioritária
“Esse assunto é para ser tratado com extrema urgência. O paciente não tem para onde correr. O governo tem respostas, mas não são suficientes. O DF nunca conseguiu achar solução para esse problema. A área de medicamentos é essencial. Falta planejamento e principalmente credibilidade para negociar. A Secretaria de Saúde deve refletir sobre essas duas questões. Precisamos, por outro lado, mudar a lei que regula as licitações. O texto dificulta as compras. O setor precisa ser repensado. Muitos estados declaram situação de emergência sem necessidade. Fazem isso para facilitar a aquisição dos insumos.”
Vitor Gomes Pinto é integrante do Observatório da Saúde e especialista em gestão pública.
“Eu me sinto lesada, frustrada e sem esperança. Se eu não tomo o remédio, não consigo levantar da cama” Suely Fernandes da Costa, dona de casa
720 Medicamentos são distribuídos pelo governo
R$203 milhões Gasto com a aquisição de remédios em 2016
30 mil Quantidade de pacientes que retiram drogas na Farmácia de Alto Custo
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O ideal é lutar por uma lei que trave o financeiro das secretárias e responsáveis ´pelos pagamentos todas as vezes em que for suspensa o pagamentos desses medicamentos.