Foi realizado na segunda-feira (22), em Brasília, o VII Encontro Nacional de Ética em Pesquisa (Encep), que discutiu a pesquisa com seres humanos no Brasil. O evento teve o objetivo de promover debates que contribuam para o avanço e a superação dos desafios enfrentados diariamente pelos Comitês de Ética em Pesquisa.
Na abertura do evento, Laís Bonilha, coordenadora da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), destacou a importância do sistema CEP/Conep . “É o maior sistema do mundo, que nos orgulha fora do Brasil. A instância nacional de ética em pesquisa é a Conep e deve ser mantida no controle social. Esse lugar da Conep no controle social ajuda, de modo compartilhado, que a gente faça a defesa da vida, dos direitos humanos e da pesquisa desenvolvida com ética”, disse.
Já Ana Lúcia Paduello, coordendora-adjunta da Conep e atual conselheira nacional de saúde pela Associação Brasileira Superando o Lúpus, falou sobre o trabalho do sistema em prol dos participantes de pesquisa. “Só há sentido a pesquisa, quando esta respeita o participante. Nós trabalhamos para que o sistema possa uniformizar todas as pesquisas, para que as pessoas e os representantes dos participantes de pesquisa possam se sentir respeitados, se sentindo parte do processo e não apenas um ativo”, destacou.
O evento foi transmitido ao vivo pelo YouTube. Para assistir, clique no link abaixo.
https://www.youtube.com/c/%C3%89ticaemPesquisa
O Sistema CEP/Conep e a Lei nº 14.874/2024
Na primeira Mesa Redonda, foi discutido acerca do tema “O Sistema CEP/Conep e a Lei nº 14.874/2024: como reduzir os danos na proteção aos Participantes de Pesquisas no Brasil?”. A norma em questão, sancionada em maio deste ano, trata sobre a pesquisa com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.
Elda Bussinguer, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), iniciou sua fala destacando que a Lei não possui a cara, a cor e todas as conquistas que os participantes de pesquisas clínicas queriam e mereciam, e que os normativos não representam os projetos de luta de direitos para a ética de pesquisa no Brasil. Contudo, enfatizou que a regulamentação da Lei pode corrigir possíveis desvios, equívocos e perdas ocorridas.
Em seguida, Elda afirmou que o Complexo Econômico Industrial da Saúde precisa ser forjado dentro do espírito público, e não privado. Segundo a presidente da SBB, as grandes empresas estrangeiras não podem vir ao Brasil para testar seus medicamentos que serão utilizados prioritariamente nos “Países do Norte” para depois nos vender com preços elevados, sem dar o acesso após o estudo. Ademais, abordou a importância da concretização de direitos fundamentais, para que não se perca a continuidade da democracia.
Sobre a importância do desenvolvimento da bioética e do bioeticista, afirmou que decisões éticas dependem de metodologias também adequadas para deliberações éticas. Ao final de sua fala, reforçou a necessidade em garantir não somente a Lei escrita, mas também sua aplicação no cotidiano, bem como a lisura e integridade do sistema. “O limite do avanço da ciência é a dignidade da pessoa humana”.
Luciana Dadalto, doutora em Ciências da Saúde, começou sua exposição ressaltando a importância dos bioeticistas, que segundo ela, serão essenciais para traçar caminhos de concretização dos direitos fundamentais. Afirmou que existe uma grande vitória na aprovação desta Lei quando comparado com os absurdos propostos inicialmente, mas que não pode ser esquecido que o texto tem problemas que precisam ser enfrentados.
Posteriormente, destacou a importância de auxiliar os pacientes dentro dos conflitos de interesse entre o participante da pesquisa, que busca cuidado, com a indústria e patrocinadores, que almejam poder e riqueza. Em seguida, Luciana abordou pontos específicos de justiça para os participantes de pesquisas clínicas, como o acesso do produto gerado, assim como o acesso da informação do papel do paciente na pesquisa que está sendo realizada.
Sobre os argumentos de que a Lei diminuiria o período na elaboração das pesquisas, destacou que a pressa, a ganância e o poder, vivem em tempos diferentes do tempo da ética. Ao final de sua participação, argumentou que o maior desafio no momento é proteger as pessoas e participantes que tem nas pesquisas, a sua esperança de dias melhores. “Que a gente tenha a ética como luz, com acertos e erros”.
Priscila Torres, Conselheira Nacional de Saúde, realizou uma apresentação sobre o caso vivido em sua família, onde um parente foi diagnosticado com câncer melanoma metastático. Para este paciente, foi ofertado a oportunidade de conhecer um protocolo de pesquisa clínica que refletia em uma oportunidade, uma vez que ofertaria uma tecnologia que já estava dentro do sistema de plano de saúde, e ainda traria a possibilidade de participar da pesquisa de um novo medicamento, que parecia ter bons resultados.
Contudo, Priscila explicou que houveram problemas relacionados a biopsia, e o descaso por parte do protocolo de pesquisa em questão, fez com que uma janela de oportunidade fosse perdida com o falecimento de seu parente. Exemplificando com seu relato, destacou que tudo o que aparece no termo de consentimento precisa ser cumprido na pesquisa. Também enfatizou que a luta pelo fortalecimento da Conep, e proteção ao paciente de pesquisa, objetiva que nenhum participante seja desprotegido e tenha seu direito a oportunidade de viver ameaçado.
Ao final de sua fala, enfatizou a importância em lutar para que a pesquisa clínica seja fortalecida com humanização, com responsabilidade, com ética e centrada nas necessidades sociais dos usuários, e não nas necessidades do mercado. Também destacou que precisamos de inovação para chegarmos na cura de doenças incuráveis e o controle de doenças controláveis.
Programa Genomas
Em Mesa Redonda posterior, foi debatido acerca do Programa Genomas Brasil, de caráter federal, cujo o principal objetivo é a criação de um banco de dados nacional com 100 mil genomas completos de brasileiros.
Monica Felts, diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, abordou em sua fala como o Programa Genomas Brasil se encaixa dentro da estratégia de Ciência, Tecnologia e Inovação. Inicialmente, explicou que o Programa pretende promover um ambiente favorável para a implementação no serviço público no futuro de uma saúde pública de precisão, focando em doenças selecionadas de maior prevalência e alto custo para o SUS.
Em seguida, explicou que a discussão realizada acerca da saúde de precisão como uma saúde pública e coletiva, são baseadas através de escolhas estratégicas que visam a existência de tecnologia nacional que barateie toda a produção de insumos, reagentes, equipamentos e tecnologias. A iniciativa também busca a promoção de uma aliança científica nacional, gerando a formação de uma rede que troque experiências e tecnologias em todas as regiões do país.
Monica também abordou em sua fala objetivo de alinhar o Programa com o Plano de Ação da Neoindustrialização, publicado pelo Governo Federal, buscando um desenvolvimento sustentável, e tendo a saúde como uma das missões destacadas. Explicou que este alinhamento será interessante, pois se trata de uma indústria que gera serviços e produtos que são necessários para os usuários do sistema de saúde, e ao mesmo tempo, possuem capacidade de causar desenvolvimento territorial, com sua geração de empregos e desenvolvimento de universidades e cursos.
Evandro de Oliveira Lupatini, Coordenador-Geral de Ações Estratégicas em Pesquisa Clínica do Ministério da Saúde, realizou uma apresentação mais detalhada acerca do Programa Genomas Brasil, explicando que o Programa tem o objetivo de incentivar o desenvolvimento cientifico e tecnológico nacional nas áreas de genômica e saúde de precisão. Também objetiva promover o desenvolvimento da indústria nacional no ramo da saúde precisão, assim como estabelecer prova de conceito para uma linha de cuidado em genômica e saúde de precisão no SUS.
Com o Programa, espera-se atingir impactos de ordens sociais, cientificas, econômicas e tecnológicas, além de abordar seis eixos que incluem ações e atividades para atingir os objetivos do Programa, como: capital intelectual; pesquisa e desenvolvimento; processos e normas; inovação industrial; disseminação de conhecimento; e força de trabalho. Sobre os desafios éticos voltados à genômica e saúde pública de precisão no Brasil, Evandro citou: representatividade de diversidade populacional no país; compartilhamento nacional e internacional de dados; estigmatização e discriminação; interesses econômicos; consentimento informado; justiça e equidade no acesso aos benefícios; e regulação e governança.
Evandro também abordou o tema do Banco de Dados que será criado, objetivando estimular e acelerar a pesquisa científica e inovação nas áreas de genômica e saúde de precisão beneficiando os brasileiros com essa revolução no cuidado à saúde. O Banco de Dados será composto por um repositório de dados, uma plataforma analítica e uma plataforma de gestão.
Ao final de sua fala, Evandro trouxe informações acerca da Chamada Pública de 2024 do Programa Genoma Brasil, que terá seu lançamento no dia 31 de julho. Buscando pesquisas nas temáticas de doenças tropicais negligenciadas, neurodegenerativas, doenças crônicas não transmissíveis e doenças relacionadas ao envelhecimento, a Chamada será composta por 5 linhas temáticas, sendo: Produtos de Terapias Avançadas (PTA); Tecnologias em Saúde Pública de Precisão; Inteligência Artificial; Jovens doutores; e Capacitação em Instituições Nacionais.
Bethânia Almeida, representante da Cidacs Fiocruz Bahia, iniciou sua fala informando que, em parceria com o Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT), foi desenvolvido um projeto conjunto para pensar nos requisitos técnicos do repositório da plataforma de dados. O projeto em questão visa mapear os requisitos para que os dados possam ser recebidos, mapeados e acessados com segurança da informação, de forma ética, participativa e socialmente responsável.
Analisando os resultados obtidos, e abordando o tema do consentimento, Bethânia apresentou a recomendação para que os termos de consentimento no Programa Genomas Brasil sejam delineados com base em consulta e colaboração entre o DECTI, CONEP e ANPD. Ademais, também apresentou a recomendação para que os processos e formulários sejam revisados e atualizados por grupos de trabalhos específicos para garantir adequação às diferentes situações.
Ao final de sua fala, também apresentou a recomendação para as interações entre pesquisadores de diversas disciplinas como genômica, clínica, ética, direito, economia, política, ciências humanas e sociais para desenvolver métodos e análises apropriadas que apoiem as estratégias e ações do Programa Genomas Brasil. Para auxiliar na formulação e implementação de estratégias com participação social, também recomendou a criação de um comitê composto por representantes de diferentes segmentos da sociedade, vinculado a um fórum para discutir as dimensões técnicas, cientificas, éticas, legais e sociais do Programa e de suas infraestruturas de dados.
Nilza Diniz, vice-presidente do Fórum Latino Americano de Comités de Ética in Investigación en Salud (FLACEIS), trouxe em sua fala definições e estudos internacionais acerca do tema da genômica, do estabelecimento de banco de dados e da ética dentro desses processos. Enfatizou que existe a necessidade em respeitar os participantes, garantindo sua dignidade e impossibilitando estigmatizações de grupos a partir de resultados, que são importantes para a ciência e para o Estado, mas que não se pode perder a ideia geral de que o essencial é a garantia de proteção dos indivíduos que participam das pesquisas.
Fonte: Texto adaptado do NK Consultores
Fotos: Ascom CNS
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