São Paulo – Levantamento realizado pela Folha com base em dados do SUS (Sistema Único de Saúde) mostra que a oferta de mamografias no país varia drasticamente de acordo com a região. O exame é fundamental para a detecção precoce do câncer de mama, neoplasia de maior incidência entre as brasileiras.
Entre 2016 e 2021, o Rio realizou 538.847 exames, número aquém do necessário para cobrir o rastreamento bianual entre as mulheres de 50 a 69 anos sem sinais de câncer de mama — a cidade tem mais de 700 mil moradoras com esse perfil — e a mamografia diagnóstica, indicada para avaliar alterações suspeitas em qualquer idade, em mulheres e homens.
Macapá é outra capital com problemas. A cidade fez 16.962 exames pelo SUS entre 2016 e 2021, porém tem mais de 18 mil mulheres na faixa de rastreamento, de acordo com o último Censo do IBGE.
Por outro lado, Cachoeirinha, na região metropolitana de Porto Alegre, destaca-se pela oferta de mamografias. O município de menos de 12 mil mulheres entre 50 e 69 anos acumula 92.876 exames feitos em seis anos, número superior ao de capitais como Florianópolis e Cuiabá.
“A realidade da saúde no Brasil é muito díspar. Temos um sistema cujo nome é Sistema Único de Saúde, mas ele não é único. Temos múltiplos SUS em diversas regiões do Brasil ou até na mesma cidade”, afirma a oncologista Laura Testa, integrante do Comitê de Tumores Mamários da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica).
Moradora de Cachoeirinha, Andreia Ferreira, 44, está em tratamento contra câncer de mama. Ela percebeu uma saliência no seio em abril de 2022, ao fazer o autoexame, e agendou uma consulta com um ginecologista no posto próximo à sua casa. Em dois meses, cumpriu todos os exames e obteve os laudos necessários para o início do tratamento. Já passou por quimioterapia, cirurgia e iniciará a radioterapia.
“Às vezes, temos receio de que no SUS vão atender correndo, mas o médico senta e conversa, deixa bem explicadinho. Quando eu soube que tinha de fazer o tratamento, tive muitas dúvidas. Fiquei confusa, com medo e eles passaram segurança.”
Também na cidade, Márcia Brasil, 41, costuma se submeter periodicamente o exame desde que houve o rompimento de sua prótese de silicone. “Da última vez, a enfermeira que fez a coleta do papanicolau já deu a requisição para a mamografia. Agendei na terceirizada, fiz e dali uns dias retirei o resultado para levar de volta ao posto”, narra a micropigmentadora.
Há seis anos, ela começou a oferecer gratuitamente tatuagens de auréola e mamilo para mulheres que passam pela mastectomia e por meio da ONG Amigas do Peito RS acompanha muitas mulheres com câncer de mama.
As pessoas têm medo de descobrir e não vão fazer seus exames, mesmo tendo oferta rápida na rede pública. E eu digo: não tenha medo porque quanto antes tu descobrir mais rápido e menos sofrido é o tratamento.
Hoje, em Cachoeirinha, as usuárias que vão ao posto de saúde realizar o papanicolau são convidadas a agendar a mamografia. Além disso, organizam-se eventos aos sábados no shopping da cidade para marcar os exames daquelas que não conseguem ir às unidades durante a semana.
Uma vez agendado, o exame é feito na clínica particular conveniada. “Para oferecer o exame pelo município, teríamos que alugar um local, um equipamento e disponibilizar uma mão de obra que não temos no quadro de servidores”, diz a secretária municipal de Saúde, Bianca Breier.
“Encaminhamos as pacientes, fiscalizamos o atendimento e realizamos reuniões periódicas para checar se há demanda represada”, complementa. Caso haja necessidade de biópsia, as pacientes são encaminhadas ao Hospital Padre Jeremias e, diagnosticado o câncer, o tratamento ocorre em Porto Alegre.
“O que fazemos em Cachoeirinha é evitar que a mamografia caia no esquecimento porque sabemos que a descoberta precoce da doença ainda é o melhor remédio”, afirma Breier. No último ano, o município foi 1 dos 10 do Rio Grande do Sul que se destacaram no rastreamento do câncer de mama e receberam o reconhecimento do governo estadual.
O cenário é diferente na outra ponta do país, em Macapá. Lá, a secretária de Saúde, Erica Aymoré, diz que a atual gestão criou um serviço de mamografia no Centro de Especialidades para aumentar a oferta do exame e optou por um sistema de livre demanda —mulheres acima de 40 anos precisam apenas comparecer à unidade, que funciona de segunda a sexta, das 8h às 18h—, mas a procura ainda é baixa.
“Não temos fila de espera. Nosso trabalho maior não é administrar fila, e sim informar a mulher da importância de fazer a mamografia na época correta”, afirma Aymoré. A pasta tem buscado reforçar postagens educativas nas redes sociais e fortalecer o trabalho das equipes de Saúde da Família para que orientem sobre a necessidade do exame.
A falta de conscientização também é apontada pelo subsecretário de Saúde do Rio de Janeiro, Renato Cony, como um dos fatores para explicar os números na cidade. Outros aspectos são a menor cobertura da atenção primária do município nos últimos anos, o fato de mamografias realizadas no setor privado —estima-se que 25% da população elegível use planos de saúde— não serem contabilizadas pelo SUS e a redução de encaminhamentos na pandemia.
Segundo a pasta, a oferta na rede municipal entre 2016 e 2022 foi de 979 mil vagas para o exame e o tempo de espera após o agendamento é de até 28 dias para casos de rastreio e de até sete dias para mamografia diagnóstica, porém muitas pacientes agendam e não comparecem.
Outro desafio, diz Cony, é a variação da demanda. No Outubro Rosa e em novembro os pedidos de exames disparam, porém, passado esse período, há queda na procura.
Laura Testa, da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica), diz ser complexo idealizar uma resposta única para o problema. Uma saída, por exemplo, seria levantar as demandas locais e estratégias específicas, como a compra de um mamógrafo por um grupo de municípios e sua instalação em um caminhão ou então o oferecimento da mamografia em barcos no caso de populações ribeirinhas.
O importante, diz a oncologista, é chegar às pacientes e alcançar um rastreamento de ao menos 85% do público-alvo.
O passo seguinte, complementa Maira Caleffi, chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Moinhos de Vento (RS) e presidente da Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama), é ajudar a paciente a evoluir no sistema. “Não existe busca ativa das pacientes sintomáticas, não existe navegação.”
“O principal problema ainda é biópsia, exame que serve não só para dizer se é câncer ou não. Hoje em dia, para realizarmos o tratamento mais assertivo, precisamos saber que tipo de câncer é, qual a classificação. Dependendo do tipo, a paciente precisa de quimioterapia antes da cirurgia, por exemplo.”
“Se temos a possibilidade de curar 90% a 95% dos casos em estágio 1 e 2, como mostra a literatura, é por conta de um tratamento certo, e o tratamento certo depende de conseguirmos fazer o diagnóstico certo.”
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