Aos 11 anos, fiquei muito doente, fiquei sem levantar da cama por uma semana com muitas dores nas articulações. Precisei ser internada e submetida a diversos exames… Ao final de quase um ano de pesquisas, fecharam o diagnóstico de duas doenças autoimunes: o LES (Lúpus Eritematoso Sistêmico) e AR (Artrite reumatoide), alguns classificam como síndrome de reposição associada.
Lembro-me que, na época, não foi muito difícil aceitar o diagnóstico, porque, por mais que os médicos conversassem comigo sobre como seriam as coisas daqui pra frente, quando há a dor é necessário tomar qualquer tipo de remédio para que aquilo pare de doer. Minha vida mudou drasticamente! A doença me trouxe certas limitações… Enfim, eu não entendia aquela infinidade de orientações médicas, como, por exemplo, o que eu deveria comer, limites e etc.
Eu sei que fiquei assustada porque um médico falou a seguinte frase: “Você tem uma doença rara”. Ele me recomendou consumir muitos alimentos ricos em cálcio, seguir dieta com pouco sal… Fiz tudo certinho! No entanto, é sempre aquela coisa, todo início é dolorido, você vê tudo à sua volta desmoronando… Dores físicas, emocionais e todos perguntando sobre… Nossa! Essas perguntas tiram a paciência da gente (até hoje)… Evito ao extremo falar sobre isso, porque parece que minhas reclamações de dores e qualquer outra dificuldade minha são chatas e desnecessárias.
Na época, eu só conseguia ver que meu mundo tinha acabado, que eu não teria mais liberdade pra fazer certas coisas, como na teoria das colheres! Enquanto as pessoas tinham infinitas opções, sem se preocupar com suas atitudes, eu tinha que limitar minhas opções: Eu só sabia que estava doente! Eu estava tão bem e de repente isso, mas porque logo comigo?! Por que eu não me sentia mais a mesma pessoa de antes?!
Eu evitava sair de casa a todo custo porque, com início do tratamento, vem os famosos corticoides que têm milhões de efeitos colaterais. Principalmente, o edema facial e abdominal, disfunções nas articulações, a perda de cálcio que, consequentemente, propicia o risco de fraturas, queda de cabelo, as oscilações de humor constantes, falta de concentração e por aí vai… Para se entender um pouquinho, o LES tem fases de remissão e de atividade, em português claro, há fases em que ele dorme e há fases em que ele acorda. …E eu sempre tive uma vida normal, estudava, viajava, saía, vivia cercada de amigos.
Aos 15 anos, tomei apenas uma medicação diária que é para controle do “lobo”! O Lúpus se manifesta em épocas de profundo abatimento emocional ou stress, é como se o emocional fosse o cadeado da corrente. Em 2010, perdi minha mãe, foi um período de muita dor e muita adaptação, tive dores intensas, mas o Lúpus continuou “dormindo”. Após o falecimento dela, eu vi meu mundo desmontar novamente, ir para os médicos era a última coisa que eu pensava, abandonei tudo mesmo, entrei numa espiral de depressão… Eu só sabia que não queria mais continuar com nada.
Contudo, era como se ela tivesse me deixado pronta para tudo, porque eu tive que ser forte! Eu tive que ser o pilar sem nem saber como fazer. Essa é a parte engraçada que vocês podem dizer “o lobo estava quieto “ou foi um milagre que você ficou curada. kkk difícil saber… mas voto na primeira opção.
Uns dos principais sintomas do LES são fadiga, cansaço e dores nos ossos e juntas. Esses três nunca foram e são tão presentes em minha vida. Em 2 anos, o “lobo” ficou dormindo. Em março de 2013, ele acordou e acordou furioso… Dores e inflamações crônicas em várias partes do meu corpo, inchaços e tudo que eu comia colocava pra fora. Sendo uma doença autoimune, o LES produz anticorpos contra o próprio corpo, atacando rins, pulmão, pâncreas e coração. Se não controlado, pode levar a óbito muito rapidamente.
No meu caso, foram os rins, que tinham sido comprometidos.Perdi o terceiro ano do EM novamente. As 3 vezes por semana na diálise, me deixavam acabada, tinha câimbras e ganhei hipertensão. Felizmente, em meio aos ciclos desagradáveis, eu consegui passar por cima disso! Foi o melhor dia da minha vida, só não perdeu para o “Você não precisa mais fazer diálise”, dita pelo nefrologista. Em meio à jornada de diálise, realizei a biópsia renal e tive o melhor dia kkkk. “Você vai sair da diálise, o grau da sua lesão é 4, sendo que a mais grave, ou seja, a 5/6, desse modo, sua lesão pode ser tratada com um medicamento imunossupressor”.
Eu luto com o Lúpus, e não contra todos os minutos da minha vida… O cansaço e a fadiga são pontos que me irritam, me consomem, me destroem, pois sempre fui muito ativa e não conseguir fazer as coisas é como se eu estivesse inerte! Por vezes, vi matérias de pessoas falando que queriam se aposentar, que não podiam trabalhar por causa do Lúpus e AR, que se sentiam cansadas até para estudar ou realizar um curso e tal… E eu, mesmo com o diagnóstico, julguei, falando que era frescura delas. Mas não é verdade, a doença se manifesta de maneiras diferentes para cada pessoa, depende do quanto a pessoa luta e lida com os empecilhos diários.
Sempre existe uma força maior que nos impulsiona a ter capacidade seja para trabalhar, estudar, começar um novo hobbie… Sempre há algo que nos motiva a continuar para ter o enfrentamento! Durante 2018 e 2020, pra tentar resumir o epílogo, porque essa história é real, eu só queria dizer que, atualmente não estou numa fase muito boa com o meu lobo, eu coloquei todas as minhas energias e foco inteiramentes na faculdade e deixei o lobo tomar o controle do meu corpo novamente sem perceber… Você tem que viver em harmonia, fazer um balanço de equilíbrio com ela e eu admito que relaxei, me alimentei mal, não tomei os remédios na hora certa.
Já dizia minha ídola “eu cometo os mesmos erros toda vez, as pontes queimam, mas, pelo menos uma vez, eu fiz a coisa certa”. Tenho priorizado minha saúde e desacelerado. Eu estou ficando velha e para fazer uma remissão do lúpus é mais difícil, sei que terei que trabalhar duro, poupar cada colher do meu dia, organizar e planejar muitos pequenos trabalhos que estarão por vir… Atualmente, tomo 11 medicações, dentre eles corticoides, os outros em maioria são super caros porque o governo não custeia para os portadores. E os que custeiam, geralmente estão sempre em falta.
Sempre busquei alternativas para sair desses picos de atividades ruins, conheci uma amiga que me mostrou como controlar a artrite com alimentação e deu certo, me livrei de alguns dos vários remédios! Com as pesquisas que avançam ano após ano, descobri os imunobiológicos e fui instruída pelo meu reumatologista a iniciar o tratamento com rituximabe que demonstrou ter certa eficácia nos casos de remissão da doença. Ainda faço ciclos a cada seis meses para tentar atingir o pico remissivo de ambas doenças.
O Lúpus é uma doença invisível, sem sintomas físicos aparentes, o que nos faz, portadores lúpicos, sermos tratados como frescos, mentirosos, desleixados e preguiçosos: esses dias uma conhecida chegou a falar que eu me faço de vítima… E por essas e outras situações, passei a não tentar mais esconder ou disfarçar a minha doença, mas decidi ir à luta e mostrar, através de informação, o que o lúpus causa na vida de alguém. Compartilho informações sobre o LES em minhas redes sociais por querer divulgar os sintomas e essa doença tão pouco conhecida e não apoiada pelo nosso governo. Sequer conseguimos medicações gratuitas.
Não preciso me fazer de vítima, só quem convive comigo sabe o quanto eu luto para não deixar que o lúpus me vença! Mas entre tantos altos e baixos que a doença me causa, descobri de onde vem minha principal força para lutar e recomeçar, que é minha família, meus amigos de verdade, eles são o combustível do meu dia a dia, a razão pela qual eu quero vencer esse “lobo” e sonho que amanhã ele não acordará mais… A fé também me mantém firme!
E nos últimos dois anos, aprendi que preciso vencer o lobo um dia de cada vez, tive que aprender a lidar com os comentários que me deixavam pra baixo e fui também buscando pesquisar mais sobre a doença e repassando informações. Ainda esbarro com vários pacientes reumatológicos e vejo como oportunidade de falar para eles que a vida vai muito além de diagnósticos e da doença em si. Percebi que quando comecei a fazer isso, muitas pessoas que convivem comigo passaram a me enxergar de forma diferente. Tem as que acham que me faço de vítima, mas também tem muitos que passaram a me apoiar, a me ajudar e isso somado a força divina que nunca me abandonou me dá energia para continuar.
Quando me recordo de tudo que já passei e parecia que ali era o grau do meu limite, pois havia dias que mal conseguia colocar uma roupa ou pentear meus cabelos. Não faço ideia de como consegui, mas consegui, cada dia foi uma conquista num mundo paralelo no qual parece que só eu vivo e brigo com um lobo que emerge do nada… Eu não escrevo para que tenham dó de mim, escrevo por querer que todos tenham conhecimento e lutem por essa causa e para que também as autoridades “abracem” de fato os portadores dessa doença que afeta milhares de pessoas!
Então, sigo lutando, há dias em que estou com uma vibração mais baixa não encontrando força interna e sinto que ele me vence, mas, na maioria dos dias, EU o venço!
Cometemos os mesmos erros toda vez, as pontes queimam, mas, pelo menos uma vez, eu fiz a coisa certa. Nunca briguem com a doença porque ela sempre vence, Você tem que viver em harmonia, fazer um balanço de equilíbrio.
Eu sou a G., tenho 25 anos, convivo com a Artrite reumatoide e com o Lupus há 13 anos, sou Estudante de Fonoaudiologia e moro em Maceió-AL.
“Dor Compartilhada é Dor Diminuída”, entenda que ao escrever praticamos uma autoterapia e sua história pode ajudar alguém a viver melhor com a doença!
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