O neurocirurgião de Rio Preto Dionei Freitas de Morais pede a Deus que ilumine suas mãos antes de entrar em uma cirurgia. Domingo Braile, cirurgião cardiológico reconhecido internacionalmente, já ministrou mais de 250 palestras sobre medicina e fé. O psicólogo clínico e doutor em neurociência pela USP Julio Peres usa a religiosidade como apoio em pacientes que sofreram traumas. Além dos medicamentos, a fé tem sido um componente a mais nos tratamentos médicos.
Ciência e religião foram campos de pesquisa complementares até o ilusionismo, quando se consolidou um modelo de pesquisa científico clássico, e se deu a ruptura. Contudo, nas últimas décadas cientistas têm se dedicado a estudos que comprovem que a fé atua sobre o bem-estar físico, espiritual, mental e social. Domingo Braile, 77, que acumula mais de 25 mil corações operados, é categórico ao afirmar que a fé ajuda na recuperação de pacientes. Ele próprio é exemplo disso.
“São muitos trabalhos que existem no mundo e apresento isso nas palestras que participo. Estudos mostram que pessoas que frequentam serviços religiosos e oram, têm o sistema imunológico mais forte”, diz. “Outros estudos mostram que as orações e meditações ajudam o paciente viver mais e melhor”, prossegue. Ainda segundo ele, dentro da cardiologia, a parte emocional tem grande influência e o paciente que tem forte espiritualidade e acredita em uma entidade maior, tem mais força para reagir ao tratamento e melhor efeito restaurador pós-cirúrgico.
Há 11 anos, o especialista teve um câncer na garganta. Durante um ano passou por tratamento nos Estados Unidos com radiação, que na época era experimental. Diz que o tratamento foi fundamental e que a fé foi a sua grande aliada na cura. “Como disse Madre Teresa de Calcutá, o que se contrapõe ao medo não é a coragem, é a fé. Para mim, essa frase diz tudo.”
Oração
O neurocirurgião Dionei Freitas de Morais, chefe do setor de Neurocirurgia do Hospital de Base/Funfarme, também defende que a fé é um instrumento a mais na cura do paciente. “A minha prática diária comprova que a fé e a religiosidade canalizam uma energia que atua sobre a recuperação.” Ele mesmo, antes de entrar no centro cirúrgico, pede a Deus “que ilumine as mãos durante o procedimento”.
“As cirurgias neurológicas são de alto risco e muito delicadas. É preciso estar bem emocionalmente para executá-las. Acredito que somos uma extensão de Deus na Terra”, diz. Ainda segundo o especialista, em casos graves como traumatismo craniano ou de medula, ele percebe que no paciente que tem fé, o sistema imunológico é mais forte e isso provoca benefício neurológico. “Famílias que se apoiam na fé canalizam uma aura que estimula os circuitos neuronais dos lóbulos frontal e temporal, ligados às emoções, o que aumenta as conexões e contribui na recuperação neurológica”, diz.
Outra experiência que chama a atenção do especialista são as cirurgias feitas em pacientes testemunha de Jeová, cuja religião não aceita a transfusão de sangue. “Eles se unem em orações para que não precise de transfusão e a cirurgia transcorre de maneira tranquila, sem a hemorragia que era tão esperada para aquele procedimento. Nunca precisei fazer transfusão em um paciente que é testemunha de Jeová”, conta.
Em 2013, Jackson foi informado que teria só três meses de vida
“Quando eu soube do diagnóstico pedi para meu irmão e minha mulher não deixarem eu perder a fé”. Há dois anos e três meses, o vendedor Jackson Luís Tedesco, 55, soube que estava com câncer no pâncreas com metástase no fígado. Depois de ouvir que teria até três meses de vida, a preocupação dele era a de não se entregar à doença. Ele conta que em setembro de 2013, começou a sentir uma forte coceira no corpo e a pele ficou amarelada. Procurou um especialista em fígado, foi internado e durante três dias passou por uma série de exames, que mostraram que ele estava com problema no pâncreas.
Foi feita uma cirurgia de retirada de vesícula e biópsia do tumor do fígado, para saber o que era e onde estava. “No meu caso, o tumor era neuroendócrino e estava no pâncreas, com metástase no fígado, com um tumor maior e outros três pontos”, diz. Tentaram fazer uma grande cirurgia em Rio Preto para a retirada do tumor, mas não deu certo. “Graças a Deus o médico que fez a cirurgia era competente e sensato, senão não estaríamos conversando agora”, completa.
Ele então procurou o oncologista Fernando Maluf em São Paulo. Durante um ano, passou por quatro sessões com aplicações de um produto holandês, chamado Lutécio, e que é radioativo. “Depois da aplicação eu ficava isolado durante 24 horas e, nos primeiros três dias após o procedimento, ninguém podia chegar mais de um metro e meio perto de mim. Até o banheiro tinha de ser separado”, conta. Junto com o tratamento, Tedesco iniciou uma nova dieta alimentar, com consumo mínimo de proteína e exclusão de carne vermelha e frango. Come peixe, ovo, saladas e suco.
Ela foi criada pelo médico alemão Max Gerson, que garantia que essa alimentação pode curar o câncer. Também por indicação da equipe médica do oncologista Maluf, passou a fazer acupuntura. “Eu sou espírita e faço tratamento espiritual. Funciona desde que a gente mude de atitudes. Não adianta rezar e em seguida xingar, gritar, matar cachorro”, diz. Atualmente, os três pontos de câncer no fígado desapareceram e os tumores, no mesmo órgão, e no pâncreas reduziram expressivamente e estão inativos.
Tedesco conta ainda, que o medo inicial foi de acreditar que estava sofrendo um castigo divino e se voltar contra Deus. “Pedi para minha mulher, Eliana, não deixar eu perder a fé. A doença é uma coisa que eu e minha família tínhamos que passar. Todos mudam depois de passar por isso. O que adoece é só o corpo, que tem prazo de validade e vai morrer de uma ou outra causa. A existência é que tem de estar sadia”, finaliza.
Mais de 3 mil artigos são publicados em 9 anos
O crescimento do interesse do papel da fé no restabelecimento de pacientes é comprovado no número de artigos científicos publicados. A primeira edição do Handbook: of Religion and Health, editado pela Universidade de Oxford, traz 1,2 mil estudos feitos ao longo do século 20. Já a segunda edição, de 2012, contempla 3 mil pesquisas sobre o tema e que foram executadas no período de 2001 a 2010.
Recentemente, um trabalho publicado na revista Câncer, da Sociedade Americana do Câncer, mostra que pacientes oncológicos com fortes crenças espirituais reagem melhor ao tratamento. Esse estudo é a compilação de outros feitos em todo o mundo e que envolveram 44 mil pessoas. Conduzido pelo médico Franco Bonaguidi, da Moffitt Cancer Center, na Flórida, a conclusão é que o paciente com “alto envolvimento religioso” que busca ativamente “a ajuda de Deus” teve uma “sobrevivência mais prolongada do que o com baixa religiosidade”.
Os pacientes mostraram melhor autopercepção do preparo físico, maior habilidade de executar tarefas do dia a dia e menos sintomas associados ao tratamento e à doença. Um trabalho do Instituto Dante Pazzanese, com quase 250 artigos de todo o mundo, publicados entre 2009 e 2012, concluiu que a religiosidade, quando praticada de forma regular, pode reduzir o risco de morte em 30%. É que essas pessoas têm hábitos de vida mais saudáveis, são menos suscetíveis à depressão, têm menos pensamentos suicidas e consomem menos álcool e outras drogas.
Segundo o cardiologista Domingo Braile, na Sociedade Brasileira de Cardiologia há um departamento que trata da espiritualidade e cardiologia. Mas esse tipo de abordagem ainda está no início no Brasil. “Nos Estados Unidos há um movimento mais forte para introduzir a espiritualidade nas faculdades de medicina. No Brasil começamos a caminhar nesse sentido”, diz.
A religiosidade no ensino médico
Em outubro, a Sociedade Mundial de Psiquiatria aprovou parecer sobre a importância de incluir a espiritualidade no ensino, pesquisa e prática clínica. Mais de mil estudos que mostram os benefícios da religiosidade na me<CW30>lhora de pacientes com doenças psiquiátricas já foram publicados e estão listados no PubMed, que é um motor de busca de artigos de investigações em biomedicina, do governo americano.
Durante uma semana, o Diário procurou a Associação Brasileira de Psiquiatria, mas ela não se manifestou sobre o assunto. O Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (Proser), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, realiza atualmente a pesquisa “Uma Intervenção com Meditação para Pacientes com Transtorno Alimentar”.
O psicólogo clínico e doutor em neurociência pela USP Julio Peres, autor do livro “Trauma e superação: o que a psicologia, a neurociência e a espiritualidade ensinam” afirma que a fé pode provocar impactos positivos na superação de traumas. “Quem tem religiosidade intrínseca, ou seja, crença em algo superior, seja Buda, anjo da guarda, Deus, no momento traumático, se o paciente faz uso dessa força subjetiva, ele se favorece no sentido de se sentir mais amparado”, diz.
Segundo Peres, o grande desafio é formar uma aliança entre a espiritualidade e a psicoterapia. Um de seus estudos, publicado na Revista de Psiquiatria Clínica trata exatamente sobre isso. É o “Psicoterapia, religiosidade e espiritualidade, um encontro frutífero e necessário”. “Desconsiderar a crença de um paciente é perder um recurso muito importante que pode favorecer na superação de um trauma”, conclui.
Fonte: Diário da Região
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