A falta de informação é um problema. Não se fala da doença. Alguns nem sabem da existência dela. Maria do Rosário Mauger
Imagine uma doença em que as pessoas aparentam ser bem mais novas do que de fato são. Para os aficionados em não envelhecer, parece uma benção. Mas, a esclerodermia — um tipo de enfermidade autoimune — traz consequências nada agradáveis. O aspecto mais jovem dos pacientes é resultado de uma produção excessiva de colágeno, proteína que, entre outras funções, une e fortalece os tecidos. Isso faz com que as regiões afetadas fiquem mais rígidas e órgãos internos sejam afetados. O mal é raro, não tem cura e tampouco número consistente de profissionais especializados no assunto, fatores que dificultam um tratamento eficaz.
As causas da esclerodermia ainda são desconhecidas, porém admite-se que, no caso da forma localizada (que atinge só a pele), as alterações no metabolismo do colágeno possam ser resultado de traumas e fatores genéticos, imunológicos, hormonais, virais, tóxicos, neurogênicos e vasculares. Nesse caso, o tratamento deve ser feito por um dermatologista. Já a forma sistêmica do problema, que afeta órgãos internos, é geralmente tratada por uma equipe multidisciplinar coordenada por um reumatologista.
A dermatologista e professora colaboradora do Hospital Universitário de Brasília (HUB) Jorgeth Motta explica que a versão localizada apresenta-se sob as seguintes formas clínicas: em gotas, com manchas pequenas no tronco ou extremidades; em morfeia, com placas cor de marfim, predominantemente no tronco; linear, com lesões em faixa nas extremidades; e a segmentar, com áreas segmentares de atrofia e esclerose da pele, que adere a tecidos profundos causando deformidades. Segundo a médica, o diagnóstico é dado pelo histórico clínico do paciente, do exame físico e da biópsia da pele. “Além disso, são realizados exames laboratoriais para descartar o comprometimento sistêmico”, ressalta.
Entre as complicações provocadas pelo mal, estão deformidades que podem atingir a testa e o couro cabeludo — denominada golpe de sabre —, e também a face, causando uma hemiatrofia facial (atrofia unilateral). “As lesões sobre articulações podem causar contraturas e, nas pernas, podem ulcerar. Com o passar dos anos, pode surgir um carcinoma espinocelular, um tipo de câncer de pele”, explica Jorgeth. A médica conta que a evolução clínica é imprevisível. “As lesões podem entrar em remissão de forma espontânea”, diz.. Por se tratar de uma doença autoimune, ela não é contagiosa.
O tratamento depende da gravidade com que o problema se manifesta. Existem tratamentos tópicos e sistêmicos, bem como a fisioterapia para evitar as contraturas. A psicoterapia ou até mesmo ajuda psiquiátrica podem ser recomendadas. Segundo o dermatologista Vítor Reis, o tratamento deve ser precoce, constante e incluir medicamentos. “Essa é uma doença cujo tratamento impede a progressão. Não é tão comum, mas por ser crônica, e eventualmente sem muita mortalidade, é tratada por um grupo restrito de dermatologistas”, afirma.
Interna
A versão sistêmica da doença leva à fibrose e ao comprometimento vascular dos órgãos acometidos. A reumatologista e chefe do Ambulatório de Esclerodermia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Cristiane Kayser, conta que múltiplos fatores desencadeiam a doença, que acomete principalmente mulheres. Fatores genéticos e ambientais estão envolvidos e a exposição a uma série de substâncias e drogas também tem sido associada ao mal.
Segundo ela, o diagnóstico da esclerose sistêmica nem sempre é fácil, uma vez que, nos estágios iniciais, os sintomas podem ser vagos ou pouco característicos. Para ela, uma série de complicações podem ocorrer, de úlceras de extremidades até hipertensão pulmonar. “Além disso, o envolvimento de órgãos internos, como trato gastrointestinal, coração e rins, pode levar à dificuldade para a deglutição, azia, má-digestão e diarreia, entre outros problemas”, descreve.
Pacientes com a doença devem tomar algumas precauções, como dieta adequada, interrupção do tabagismo e, principalmente, aquecimento das extremidades. “O frio pode piorar a circulação nos vasos sanguíneos já espessados, causando feridas de difícil cicatrização nos dedos dos pés e das mãos”, salienta a presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia, Francine Machado. Ela explica que mesmo sendo uma doença reumatológica, o tratamento só é possível em hospitais com pneumologistas, nefrologistas, cardiologistas, fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas. De acordo com Francine, nas fases precoces da doença, os pacientes conseguem levar uma vida normal se tomarem os devidos cuidados. “Porém, uma grande parte chega tarde aos serviços especializados, dificultando o tratamento”, lamenta.
Desinformação
Em 1987, a presidente da Associação dos Pacientes com Esclerose Sistêmica (Abrapes), Maria do Rosário Mauger, 57 anos, foi diagnosticada com a doença. Sentindo-se bem hoje, ela conta que, no início, teve muita dificuldade de encontrar o tratamento adequado. “Ninguém sabia me dizer o que eu tinha e, com isso, meu estado foi se agravando”, lembra. À época, ela “controlava” a doença com cortisona. Depois de 10 anos, quando enfim encontrou a ajuda adequada, Maria do Rosário estava com um caso gravíssimo de hipertensão pulmonar. “Eu não conseguia fazer nada, estava sem fôlego. Tinha acabado de me casar, tinha uma loja e a doença acabou com tudo”, conta.
Uma vez diagnosticada, ela iniciou a fisioterapia, pois estava com as juntas duras, e a tomar remédios que a ajudaram a melhorar. “Essa doença é brava. Já vi muitas pessoas morrendo”, ressalta. Com a experiência adquirida presidindo a Abrapes, que conta com 300 associados, Maria do Rosário acredita que o maior problema é a falta de especialistas no assunto. Segundo ela, pacientes do Norte e do Nordeste são remanejados para o Sudeste pela falta de especialistas. “A falta de informação também é um problema. Não se fala da doença. Alguns nem sabem da existência dela”, indigna-se.
Cristiane Kayser avalia que o prognóstico vem melhorando nos últimos anos: aproximadamente 68% dos pacientes continuam vivos depois de 10 anos de doença. Mas esse índice varia conforme a gravidade e a extensão do mal. “Há casos de 20 e até 30 anos de evolução”, conta.
PROTEÇÃO
Usualmente desencadeado pelo frio ou estresse emocional, o fenômeno de Raynaud ocorre em aproximadamente 95% dos pacientes com esclerodermia sistêmica. Caracteriza-se por episódios de alteração de coloração das extremidades, que se manifestam geralmente em três fases sucessivas: palidez, cianose e vermelhidão. Pode ser também acompanhado por sensação de adormecimento e dor local, causando bastante incômodo ao doente.
Fonte: Correios Brasilienze
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