De acordo com pesquisa da Sociedade Brasileira de Estudo da Dor (SBED), do Ministério da Saúde, mais de 30% da população do país, sofre com dores crônicas
Limitação. A jornalista Sônia Nascimento, de 60 anos, sentiu isso na pele. Ela conta que, há cerca de seis anos, do dia para a noite, começou a sentir fortes dores e muito cansaço. “Eu não conseguia sair da cama, sem causa aparente. Um dia, acordei e todos os ossos do meu corpo doíam. Foi assim, do nada. Não sabia nem onde recorrer, pois não sabia do que se tratava e nunca havia ouvido falar sobre fibromialgia. E só piorava.”
Ela lembra que sentia um cansaço absurdo, a ponto de não ter forças para levantar. Mesmo sendo muito ativa, tinha que ficar inventando desculpas por chegar atrasada ao trabalho diariamente.
“Foi de repente. E levou uns dois meses até que eu soube o que me afligia, e sempre com todo o corpo dolorido. As dobras, cotovelos, pescoço, mãos… absolutamente tudo doía, e muito”, relata.
Essa é uma ilustração quase perfeita de mais de 30% da população do país, que, de acordo com pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Estudo da Dor (SBED), do Ministério da Saúde, sofre com dores crônicas.
Desses, segundo dados norte-americanos, aproximadamente 75% terão incapacidade total ou parcial. Nesse cenário, a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) aponta que 3% dos brasileiros sofrem, de fato, de fibromialgia, doença que acomete, em sua maioria, mulheres entre 30 e 55 anos. Porém, homens, crianças e idosos não escapam dessa lista.
Mas, o que é essa doença e qual a principal causa? Marcus Pai, médico especialista em dor e acupuntura, colaborador do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), explica que se trata de uma condição neurológica crônica que gera dor generalizada em todo o corpo, aumentando a sensibilidade. Além disso, a fibromialgia é composta por um “mistério”, já que tem uma lista extensa de mais de 200 sintomas possíveis. Ou seja, quase todo desconforto pode ser indício da patologia.
Os sintomas mais comuns
“Os sintomas mais comuns são sensibilidade à dor e ao toque, dor crônica generalizada durante mais de três meses, fadiga extrema ao fazer muito pouco ou nada, rigidez muscular, insônia ou dificuldade para dormir devido à dor, ansiedade ou ciclo do sono interrompido, problemas com a memória, coordenação ou concentração, dores de cabeça e/ou enxaquecas frequentes e intestino irritável – flatulência, diarreia, prisão de ventre e sintomas semelhantes”, pontua.
Justamente em razão da ampla possibilidade de sinais característicos da doença, Marcus Pai recomenda que, cada vez que uma pessoa que sofre e já tem o diagnóstico de fibromialgia apresentar um novo sintoma, um médico seja procurado para excluir possíveis outras causas e se atentar aos “novos sinais”.
“A pessoa que tem fibromialgia apresenta resposta forte e desproporcional à dor. Ou seja, uma sensação que relativamente não causaria dor, poderá ser extremamente dolorosa, como um toque na pele ou um abraço”, completa.
É nesse cenário que a rotina do paciente começa a se tornar limitada. Assim, muitas pessoas começam a evitar o contato social, o que pode gerar quadros de ansiedade e depressão. Não à toa, o especialista alerta que cerca de 50% dos pacientes tendem a apresentar distúrbios ou transtornos mentais em razão da doença.
Fibromialgia não é uma doença progressiva ou deformante
Marcus Pai lembra que a fibromialgia não é uma doença progressiva, deformante ou com risco de vida. Segundo ele, o processamento aberrante da dor, que pode resultar em dor crônica, pode ser o resultado de vários mecanismos de interação.
“Uma das principais teorias é a chamada sensibilização central. Isso significa que alguns nervos que se comunicam com outros nervos da coluna não estão funcionando como antes. Os nervos são como passagens.
Muitos nervos se comunicam com o próximo nervo da linha e esse próximo nervo ‘toma uma decisão’ sobre se deve transferir uma mensagem para o próximo nervo da linha ou não. Assim sendo, por causa de danos ou porque poucos deles trabalharam ‘horas extras’, esse próximo nervo na linha trabalha horas extras.”
“E todo esse trabalho extra por períodos mais longos causam mudanças nas estruturas, e isso chega até o cérebro, gerando mudanças no funcionamento e na percepção da dor. Então, sinais que eram para ser benignos são interpretados como dolorosos. Nesses casos, o cérebro deveria receber sensação de uma pequena área dolorosa, como o ombro, por exemplo. Mas, devido a mudanças cerebrais na fibromialgia, essa área pode começar a se espalhar para pescoço, braços e mãos”, explica.
Desse modo, devido ao fato de as pessoas terem alterado o maquinário celular para reparar pequenos danos musculares, pequenas “microrragias” – hemorragias mínimas – nos músculos acabam por persistir e causar desconforto.
Porém, ainda não há respostas definitivas e as evidências apontam, também, para a genética, com a possibilidade de haver relação com os genes herdados dos pais. Para o especialista, ainda há muitas coisas a serem observadas para discernir os principais agentes causais – formações de terminações nervosas, mecanismos de reparo muscular, grau de sensibilidade a estímulos, entre outros.
Independentemente da causa, entender o que é a fibromialgia e se é ela a causadora de seus desconfortos é de suma importância, haja vista ser essa uma doença considerada como crônica, ou seja, sem cura.
“Essa patologia é muito diferente para cada pessoa. Isso significa que ela se apresenta de maneira diferente para todos, tanto no início como na forma contínua. São sintomas sistêmicos, que não se limitam a nenhuma área. Pode também ter um padrão de surto e remissão. No entanto, todos os sintomas ainda estão presentes em algum grau, mas não com a gravidade de uma crise.”
Marcus Pai elucida que, tendo em vista a não existência de um padrão característico para se diagnosticar a doença, é imprescindível que os sintomas sejam compreendidos. “Se há dor forte em três a seis áreas diferentes do corpo ou dor mais leve em sete ou mais áreas diferentes, sintomas permanentes em um nível semelhante por pelo menos três meses e/ou nenhuma outra razão para os sinais apresentados, pode ser esse um quadro clínico de fibromialgia. Porém, não há um exame específico para detectar a doença.”
“Muitos pacientes com fibromialgia pensam que o diagnóstico foi feito após vários exames de sangue e tomografias no hospital. Na realidade, os exames de sangue e exames de imagem geralmente são feitos para explorar qualquer outra explicação possível para os sintomas. Às vezes, os pacientes com dor típica de fibromialgia podem ter outros problemas que podem ser detectados por esses testes. Quando tudo está normal, eles recebem o diagnóstico de fibromialgia.
Tratamentos: não há cura, mas controle
Sem cura, a saída é o controle da doença. Desse modo, alguns métodos são integrados à rotina do paciente para que ele cuide de sua saúde. O primeiro deles é a medicação. “Cada paciente reagirá de maneira diferente aos medicamentos. Costumamos usar fármacos de ação central, ou seja, que têm efeitos neuromoduladores no cérebro, como alguns tipos de antidepressivos e anticonvulsivantes, para controle da dor.”
Além disso, visto que a fibromialgia tende a desencadear quadros de ansiedade e depressão, o tratamento multidisciplinar também é peça-chave no controle da patologia. Desse modo, a terapia cognitivo-comportamental e o tratamento psicológico também são fortes aliados do bem-estar. É preciso, também, ajustar o estilo de vida. Pode-se, então, integrar exercícios ou ajustar a carga de trabalho. Mudanças na alimentação também podem ajudar.
“Ainda, muitos notam alívio nos sintomas com o uso de exercícios respiratórios, mindfulness ou ioga suave. Tratamentos complementares, como acupuntura, também podem ser úteis, principalmente para quem não tolera medicamentos. A acupuntura tem efeito analgésico e relaxante muscular para pessoas com fibromialgia”, diz Marcus Pai. O tratamento é realizado por médicos especialistas em dor, sendo eles reumatologistas, neurologistas e fisiatras.
Sonia Nascimento, desde o diagnóstico da doença, faz uso contínuo de medicamentos para controle da doença. Segundo ela, se sente bem melhor. Porém, relata que, na ausência dos fármacos, a limitação retorna. “Graças ao uso contínuo dos remédios, não tenho nenhuma dor. Mas, se eu ficar um ou dois dias sem tomá-los, começo a suar, fico indisposta e sinto dores. Por isso, nunca largo meu tratamento de lado”, relata.
Mudança de hábitos
Apesar de não haver medidas preventivas específicas para a fibromialgia, a mudança no estilo de vida pode ajudar a evitar o aparecimento de sintomas e/ou o agravamento dos já existentes. Alguns hábitos podem ser fortes aliados. Confira:
» Sono adequado
» Redução do estresse emocional e mental
» Exercícios regulares
» Dieta balanceada
» Monitoramento de possíveis sintomas
Fonte: Marcus Pai, médico especialista em dor e acupuntura, colaborador do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) / Estado de Minas.
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