Se passar a sentir as articulações doloridas ou se, por exemplo, notar as mãos totalmente enrijecidas ao acordar, sensação que muitas vezes pode durar quase uma hora, melhor correr.
Sim, correr pra valer, de preferência atrás de uma consulta em um reumatologista. Porque, se ficar confirmado que é um caso de artrite reumatoide, o que esse especialista saberá dizer, você terá pouco tempo para tomar uma atitude, isto é, iniciar o tratamento. O ideal seria que ele começasse antes de 90 dias.
A medicação — que, diga-se, é oferecida pelo SUS —, quando iniciada dentro dessa fresta de oportunidade, barra o avanço dessa doença que, como o próprio nome indica, provoca uma inflamação nas articulações, principalmente naquelas das mãos e dos pés, embora também existam pessoas que notem grandes juntas, como as dos joelhos e as dos ombros, serem acometidas de cara. Se, no entanto, nada é feito nesse breve período de uns três meses após o início dos sintomas — que, para complicar, podem ser sutis e inespecíficos, como sentir uma fadiga danada —, o corpo poderá ficar deformado. A ponto de, passados cinco ou dez anos de evolução do problema, as mãos aparentarem garras fechadas, com os dedos completamente retorcidos uns sobre os outros e endurecidos, impossibilitando tarefas simples do dia a dia. Sem contar a dor. “Não pense que um quadro assim é raro”, avisa o reumatologista Dawton Torigoe, que é professor da Faculdade de Ciências Medicas da Santa Casa de São Paulo e médico do HCor (Hospital do Coração), também na capital paulista. “Infelizmente, muitos e muitos casos chegam no consultório já nesse estado, porque ignoraram os primeiros sinais.”.
Olha que não estamos falando de pessoas muito idosas, como alguns imaginam — a artrite reumatoide costuma surpreender especialmente quem está na faixa dos 40 e dos 50 anos, mais mulheres do que homens. Tampouco estamos falando de pouca gente. Nos Estados Unidos, estima-se que 0,5% da população tenha artrite reumatoide. Por aqui, onde não há dados precisos, calcula-se que sejam de 600 mil a 800 mil pacientes com a doença — 50 mil só na cidade de São Paulo.
E a deformação, embora dolorosa e incapacitante, é apenas a parte que mais visível em toda essa história. Os estragos da artrite reumatoide vão bem além. Um trabalho recente, conduzido pelo próprio professor Torigoe e colegas, demonstra que, nos indivíduos com quadros graves, há uma perda cognitiva importante.
“Ninguém sabe explicar ao certo por que o déficit cognitivo acontece”, diz o reumatologista. “Provavelmente, o processo inflamatório dessa forma de artrite danificaria os neurônios cerebrais, levando à perda da capacidade de raciocínio, de memória e de abstração.”
A boa notícia é que, se é feita a coisa certa dentro daqueles três meses, quem recebeu o diagnóstico de artrite reumatóide ligeiro segue adiante normalmente, sem mãos contorcidas nem outras deformidades, dor, perdas cognitivas, nem nada. Desta vez, sim, é de fato para todos saírem defendendo o tratamento precoce. Há motivo de sobra. E, claro, comprovação científica
Por que a doença acontece
“A artrite reumatoide é um problema autoimune, isto é, em que os anticorpos passam a agredir o próprio corpo”, conta o professor Torigoe. Mas por que eles passariam a cismar com as articulações depois de uns quarenta anos de convivência pacífica?
“Primeiro, vamos lembrar que não é qualquer um que tem artrite reumatóide”, diz o médico. “Há um componente genético por trás.” Aliás, fique esperto: casos na família acendem a lâmpada amarela.
Se de 0,5% a 1% das pessoas tem a doença na população em geral, a prevalência sobe para 5% entre aqueles que têm um irmão com o problema e para 30% se esse irmão é um gêmeo idêntico.
Logo, os genes têm lá a sua participação. “Mas, veja, eles não são tudo”, nota o reumatologista. “É preciso algum gatilho para dar o empurrãozinho nessa predisposição genética.” Um deles, notório, é o cigarro. Quem fumou ou quem ainda fuma apresenta um risco bem maior de ter artrite reumatoide. A poluição do ar talvez provoque o mesmo malefício.
Segundo Dawton Torigoe, há estudos mostrando que, entre povos nativos da África que não tinham artrite reumatoide no passado, a doença surge paralelamente à urbanização, com a fumaceira de indústrias.
O que faz o tabagismo
As proteínas do nosso organismo são feito correntes, cujos elos são moléculas de aminoácidos. Pois bem, a fumaça do cigarro — assim como provavelmente a da poluição — promove a troca de um desses aminoácidos. Se quer saber de detalhes, cai fora uma arginina e se mete em seu lugar uma citrulina. Pra quê!
Agora citrulinadas, como dizem os médicos, as proteínas se transformam em um alvo pirracento para o sistema imunológico. Ele logo começa a atacar produzindo mais e mais anticorpos para isso. E ainda desencadeia uma cascata de substâncias inflamatórias.
Outros gatilhos
Uma boca com gengivas inflamadas e problemas dentários são outro fator desencadeante da artrite reumatoide. Assim como algumas viroses, especialmente aquelas que atacam o intestino, e a obesidade, que é mais condição inflamatória por natureza.
Na intimidade das proteínas do nosso corpo, porém, é sempre a mesma coisa: tudo isso leva a discretas alterações nos aminoácidos que, com o tempo, alimentam a reação equivocada do sistema imunológico.
Aliás, o que se observa no mundo inteiro é que a artrite reumatoide também tende a ser mais frequente em pessoas de nível sócio-econônimo mais baixo. Uma hipótese é de que elas, talvez, tenham menos acesso a dentistas, fumem mais, peguem mais viroses.
Vale observar que, no Brasil, isso é especialmente preocupante. Não que o tratamento seja dispendioso — para boa parte dos casos, custa em média uns 50 reais por mês perto do de outras doenças graves. Mas porque são indivíduos que dependem mais da rede pública, na qual faltam reumatologistas.
Bem antes dos sintomas
O processo de formação de anticorpos, diga-se, é disparado até quinze anos antes do aparecimento de qualquer sintoma. Certa vez, em um estudo, foram examinadas amostras de sangue de americanos com artrite reumatoide que tinham sido colhidas na época em que eles tinham se alistado como soldados no exército. E encontraram ali dois anticorpos associados à doença — um contra a tal citrulina e outro conhecido por fator reumatoide.
O que os cientistas sabem é que semanas ou dias antes de os primeiros sintomas, como se fosse do nada, esses anticorpos dão um pico, como se tivesse passado todo esse tempo arquitetando um ataque que tem como alvo preferencial as juntas.
Efeitos graves por todo o organismo
Encontramos articulações, diga-se, por quase todo o nosso corpo. “Independementemente disso, a artrite reumatóide é uma doença sistêmica, como todo problema autoimune”, explica o professor Torigoe, que volta a dar como exemplo a fadiga. “A pessoa não sente um cansaço qualquer. Ela simplesmente mal consegue sair da cama de manhã e, se caminha até a esquina, já quer voltar a dormir.”
Outro exemplo? “O risco de uma pessoa com artrite reumatoide ter um infarto é 50% maior do que o de quem não tem essa doença”, diz o reumatologista. Faz sentido: o processo inflamatório intensifica a aterosclerose. O AVC, portanto, é outra ameaça.
Ansiedade e depressão
O trabalho do professor Dawton Torigoe também mostrou que os pacientes com artrite reumatoide também têm muito mais quadros desses transtornos mentais. Eu questionei se não seria pelo fato de sentirem dor ou até mesmo de se verem deformados.
“Poderia ser uma explicação”, ele concorda. “Mas, quando você compara com pacientes com osteoartrite, que é outra doença reumatológica capaz de provocar muita dor e limitações, ainda assim os pacientes com artrite reumatoide têm mais depressão e ansiedade”, aponta. A especulação é que talvez seja mais um efeito da tremenda inflamação que desencadeia, atingindo o sistema nervoso central.
O diagnóstico
O exame das juntas, realizado pelo reumatologista durante a consulta, pode levantar a suspeita com força. Mas, claro, o médico também observa outras pistas. “Se fosse um lúpus inflamando as juntas, provavelmente seria em uma mulher bem mais jovem. E, se fosse osteoartrite, um paciente bem mais velho”, exemplifica Torigoe. É fumante? Tem parente com a doença? Tudo conta na investigação.
Exames para flagrar aquela dupla de anticorpos também ajudam — não confirmam de vez, se o resultado for positivo, mas aumentam a probabilidade de ser essa a doença. Mas o desafio é justamente esse: fazer o diagnóstico. E a tempo.
O tratamento
“Nós conhecemos muito bem os mecanismos da artrite reumatóide e, quando descobrimos que é esse o caso, temos um remédio, digamos, para cada célula que se torna um alvo”, informa Dawton Torigoe. “Mas a gente começa sempre com imunossupressores”.
Atualmente, apesar de esses remédios aumentarem o risco de outras infecções, eles não são mais um pesadelo. Os pacientes se sentem bem, obrigado, E há a remissão da doença em quase 100% dos casos quando — vale repetir e repetir — eles são usados cedo.
A cloroquina e a hidroxicloroquina? “São a primeira opção para o lúpus”, responde o professor. “Hoje, na artrite reumatoide propriamente dita, são pouco utilizadas.” Mas, sim, aqui vale a gente falar com gosto de tratamento precoce.
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