Cientistas britânicos descobrem que minúsculas bolhas humanas conseguem chegar à cartilagem inflamada, até então tida como impenetrável
Pacientes com artrite podem, futuramente, usufruir dos benefícios de uma terapia em desenvolvimento nos laboratórios da Universidade Queen Mary de Londres, no Reino Unido. Publicado recentemente na revista Science Translational Medicine, o estudo indica que há possibilidade de as cartilagens, até então consideradas impenetráveis por medicamentos, serem tratadas com células do próprio doente, as chamadas microvesículas. Os autores demonstraram, na pesquisa inicial com ratos, que essas moléculas são capazes de ultrapassar as barreiras da cartilagem para aplicar medicamentos e outros agentes terapêuticos.
Microvesículas são estruturas subcelulares que não excedem um micrômetro de diâmetro. Parecidas com bolhas preenchidas por um líquido e responsáveis pelo transporte de lipídios e proteínas, elas são produzidas por células do sistema imunitário chamadas neutrófilos. Essas pequenas moléculas chamam a atenção por dois motivos: contêm mais de 300 tipos de proteínas, que variam conforme as funções, e se acumulam em grande quantidade nas articulações de pacientes com artrite reumatoide (AR), doença inflamatória crônica na qual as células imunes destroem tecidos articulares.
Os tratamentos atuais reduzem a inflamação e aliviam a dor, mas não conseguem alvejar diretamente as células dentro da cartilagem, tecido que reveste a superfície dos ossos. “Para a nossa surpresa, descobrimos que as vesículas liberadas por células brancas do sangue podem ‘viajar’ para a cartilagem e entregar seu conteúdo. Além disso, elas têm um efeito protetor sobre a cartilagem afetada pela artrite”, comemora Mauro Perretti, autor sênior da pesquisa. Para chegar a essa conclusão, ele e a equipe estudaram microvesículas de pacientes e roedores com AR.
Ao investigar os níveis elevados dessas pequenas moléculas no líquido das articulações, os estudiosos notaram que elas também estavam carregadas com anexina A1, proteína que ajuda a combater a inflamação e a reparar tecidos feridos. Em uma fase seguinte, constatou-se que camundongos com artrite e produção prejudicada de microvesículas tinham cartilagens mais inflamadas do que as cobaias sem a doença. Além disso, a injeção direta de microvesículas nas articulações dos animais protegeu-os da degradação no tecido.
Os resultados sugerem que as microvesículas podem ser usadas como uma espécie de “cavalo de troia”, penetrando na cartilagem e permitindo que a anexina A1 se ligue aos seus receptores nas células do tecido doente, o que gera uma reação anti-inflamatória acentuada. O tratamento de pacientes com as próprias vesículas requereria apenas um dia no hospital, e essas moléculas poderiam ser ainda “fortificadas” com outros agentes terapêuticos, por exemplo, ácidos graxos de ômega-3s.
Diretor médico da Pesquisa em Artrite do Reino Unido, Stephen Simpson acredita que a utilização do próprio sistema de transporte do corpo para movimentar agentes terapêuticos, novos e atuais, diretamente na cartilagem reduziria os danos articulares de forma mais eficaz do que nunca. “Uma cartilagem saudável e intacta significa menos dor e incapacidade, melhorando a qualidade de vida de milhões de pessoas que vivem com artrite”, considera.
O diretor científico da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, regional Distrito Federal, Julian Machado, explica que a nutrição da cartilagem se dá por difusão, “alimentando-se” de células dispersas na matriz ricas em colágeno e outras glicoproteínas.
Sabendo disso, médicos tentam restaurar a cartilagem danificada com tratamentos focados nessa estratégia. “Apesar de serem usados no mundo inteiro e prescritos por médicos, não sabemos ao certo se são eficientes em repor e restaurar a constituição da cartilagem”, ressalva Machado. “A grande coisa desse estudo é utilizar o expediente dessa capacidade de difusão para colocar as vesículas dentro do material danificado.” O especialista cita outros tratamentos inovadores para a artrite, como o uso de células-tronco da medula para gerar cartilagens.
Risco de incapacitação
A artrite reumatoide (AR) atinge mais os joelhos e o quadril, estruturas que suportam o peso do corpo. Pessoas com essas duas regiões comprometidas podem ficar disfuncionais. Segundo Marcelo Ferrer, ortopedista da Orto Sul, em Brasília, nessa enfermidade, a membrana sinovial hipertrofia e lança toxinas que invadem e destroem a cartilagem. O também membro da Sociedade Brasileira do Quadril e Cirurgia de Joelho acredita ser possível que os resultados britânicos contribuam para o desenvolvimento de outras doenças autoimunes.
Ilustração: O Globo
Fonte: Correio Braziliense.
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