A dor é um sinal de que algo errado e potencialmente perigoso aconteceu no nosso corpo, e é vivenciada como uma experiência sensorial ou motora desagradável.
A dor aguda tipicamente surge de forma rápida e desaparece quando sua causa é resolvida. Assim, serve como sinalização para nós mesmos de que algo precisa ser identificado e resolvido. Causas de dor aguda incluem cirurgias, fraturas ósseas, queimaduras, cortes, raladuras e contusões.
De forma contrária, a dor crônica é persistente (durando ao menos 3 a 6 meses) e se perpetua a despeito da resolução de sua lesão ou doença, ou se mantém em uma situação em que não é possível determinar sua origem precisamente. A prevalência de dor crônica é grande, e pode chegar a 40% dos americanos, segundo estimativas.
Sabemos ainda que a dor crônica se apresenta de diferentes formas: dor lombar, dor de cabeça (enxaqueca ou cefaleia tensional), artrites de diferentes causas, fibromialgia, pós-cirúrgica, associada a doença oncológica, dor abdominal/pélvica, dor torácica não cardíaca, dentre outras.
A experiência de dor crônica pode ser dividida em duas. A primeira delas é a sensação de dor, o componente físico da dor, seja uma sensação de facada, aperto, queimação, por exemplo. A segunda dessas facetas é o componente emocional, o estresse relacionado a dor, caracterizado por emoções como raiva, tristeza e medo.
Além disso, pacientes com dor crônica com muita frequência sofrem de sintomas como tensão muscular, redução da amplitude de movimento, fadiga, insônia, irritabilidade e dificuldades de concentração e de memória.
Esses sintomas todos ocorrem, em grande parte, no contexto do que a literatura científica chama de catastrofização da dor. Este conceito se refere a preocupações frequentes sobre se a dor vai acabar, assim como a sensação de que não se pode conduzir a própria vida com a dor, pessimismo quanto a possibilidade de melhora, crença de que a dor é impossível de enfrentar e que vai piorar.
A catastrofização da dor inclui o temor de que algo muito ruim com a própria saúde vai ocorrer e que o próprio corpo é frágil de tal forma a não conseguir enfrentar o cotidiano.
Em muitas circunstâncias, esses e outros sintomas psíquicos são intensos e frequentes de forma também a prejudicar o cotidiano e assim constituem um transtorno mental, como transtornos ansiosos, transtornos de humor (depressão ou transtorno bipolar) e transtorno de estresse pós-traumático.
Em poucos parágrafos, foi possível já descrever a complexidade que ocorre na maior parte dos quadros de dor crônica. Logo, faz sentido que o tratamento desse problema de saúde também seja complexo. Diante dessa complexidade, vale a pena compreender quais são os fatores que perpetuam a dor crônica. A partir daí vai ser possível descrever melhor o que todo indivíduo com dor crônica pode fazer para viver melhor.
O que pode ser feito para manejar o estresse?
Veja a seguir uma série de recomendações que, caso seguidas, podem ajudar muito no manejo da dor crônica. Lembra-se: muitas das sugestões podem exigir mudanças a serem construídas ao longo de meses. Assim, não tem problema que você comece a aplicá-las devagar.
1. Mindfulness: técnicas de meditação e mindfulness têm sido amplamente estudadas no manejo de dor crônica e apresentado grande eficácia. Por mindfulness, entendemos a atenção plena intencionalmente aberta a experiência atual de maneira sem julgamento e sem que se recorra a estratégias de esquiva dessa experiência atual. Há muitas maneiras de se praticar mindfulness.
Em práticas formais, dedica-se tempo (mesmo que poucos minutos) a algum de muitos exercícios disponíveis, como atenção plena à própria respiração ou ao próprio corpo. Já nas práticas informais, realiza-se atividades cotidianas com atenção plena. Paciência pode ser necessária, mas os resultados são ótimos!
2. Desenvolver emoções positivas: pode parecer curiosa a ideia de que é possível desenvolver emoções. Ocorre que, sim, isso é possível. Além de ser possível, é muito diferente de simplesmente desejar que as “coisas sejam diferentes”, ou “pensar positivo”. Desenvolver emoções positivas é uma maneira de cultivar uma instância aberta à experiência à sua frente no momento, com menos julgamento, e que deliberadamente procura identificar e apreciar aspectos positivos do cotidiano que tipicamente ficam esquecidos. Essa é inclusive uma forma que adquirir perspectivas otimistas diante de problemas.
Veja a seguir três dicas simples para começar a cultivar emoções positivas:
a) Concentre-se no presente e procure progressivamente apreciá-lo antes de efetuar um julgamento. É completamente natural que a gente julgue tudo o que ocorre à nossa frente automaticamente. Entretanto, é possível cultivar uma perspectiva que, antes de efetuar qualquer julgamento, descrever o que quer que esteja acontecendo na sua vida em um dado momento.
b) Experimentar algo novo. Curiosidade é uma virtude bastante subestimada. Você pode aprender uma nova habilidade, ou adquirir um hobby, por exemplo. Naturalmente, aprender e incorporar mindfulness no seu cotidiano é uma ótima opção. Uma dica adicional: aceite ser iniciante nesse novo aprendizado. Isto é, acomode dentro de si a ideia de que você não será imediatamente hábil nessa nova área da sua vida.
c) Nomeie emoções e aprecie eventos positivos diariamente. Desenvolver um vocabulário sobre emoções é importante. Seres humanos têm muita dificuldade em perceber aquilo que não tem nome. Uma opção é reservar um minuto diariamente para relembrar ao menos um evento positivo daquele dia em sua totalidade: todos os sentidos (como olfato, visão, audição, tato, paladar), além da emoção positiva envolvida no evento. Melhor ainda: registre por escrito a sua experiência e assim produza um diário de emoções e eventos positivos.
3. Dormir bem: a maior parte dos pacientes com dor crônica não dorme bem, e muitos relatam que os dias que sucedem as piores noites são os dias em que sentem mais dor. E como dormir melhor?
a) Respeite a função da cama: dormir. Não use a sua cama para outras funções, como estudar, ler, trabalhar, mexer no celular/tablet. Se possível, faça tudo isso em outro cômodo.
b) Procure alocar uma duração apropriada para o seu sono. A maior parte das pessoas precisa dormir de 7 a 9 horas por noite. Procrastinar a ida para a cama é uma forma atualmente muito frequente de voluntariamente restringir o número de horas de cada dia dedicada ao sono.
c) Estabeleça uma rotina de relaxamento antes de dormir. A duração dessa rotina não é mesma para todos os indivíduos, e pode levar de 1 a 3 horas. Construa uma rotina de relaxamento que faça sentido para você, evitando telas e outras atividades estimulantes.
d) Vá para a cama com sono e evite permanecer na cama para lidar com fadiga e cansaço. Lembre-se: sono não é sinônimo de fadiga e cansaço. Sono é propensão a adormecer.
e) Caso esteja na cama por 20 minutos (identificados subjetivamente, e não ao olhar no relógio) sem dormir, levante-se e faça uma atividade que seja relaxante para você. Quando voltar a ficar sonolento, retorne à sua cama.
f) Evite cochilos durante o dia. Se não for possível evitá-los, por exemplo por razão de segurança, não devem durar mais de 30 minutos e devem ocorrer antes de 15h.
g) Não compense noites mal dormidas passando tempo na cama para descansar.
h) Evite o uso de álcool, principalmente nas horas que antecedem o sono.
i) Evite o uso de cafeína ou de outros estimulantes após as 14h. Prefira bebidas descafeinadas. Caso não seja possível, não tome mais de duas doses de café por dia.
j) Tenha um bom ambiente de sono em termos de luz, temperatura e ruído.
k) Realize atividade física regularmente, mas não nas horas que antecedem o sono.
l) Evite refeições nas horas que antecedem o sono. Case não seja possível, faça um pequeno lanche, como um pequeno sanduíche de pão integral com queijo branco.
4. Alimentação saudável: é algo fundamental para todos, e especialmente importante para quem tem dor crônica. Uma boa alimentação pode reduzir a dor e melhorar outros sintomas que frequentemente acompanham a dor crônica, como sintomas depressivos, ansiosos e cognitivos (atenção e memória). Veja a seguir recomendações para alcançar isso tudo:
a) Consuma legumes, verduras e folhas diariamente, de forma abundante e na maior parte das refeições.
b) Prefira proteínas provenientes de aves e peixes. Reduza o consumo de carnes processadas, como salames e linguiças.
c) Prefira azeite de oliva como óleo para o preparo de alimentos. Evite o consumo de manteiga. Não consuma margarina.
d) Prefira massas e arroz integrais. Uma dieta rica em fibras é muito importante para a saúde intestinal.
e) Reduza drasticamente o consumo de alimentos processados, inclusive doces e bebidas processadas. Reduza o consumo de frituras.
f) Consuma castanhas, ainda que com cuidado em relação ao limite calórico pessoal.
g) Consuma alimentos fermentados, inclusive laticínios.
h) Prefira queijos magros a queijos mais gordos.
i) Prefira temperos naturais (p. ex.: ervas, azeite) ao invés de molhos mais calóricos, principalmente os industrializados.
5. Atividade física regular: para muitos pacientes com dor crônica, realizar atividade física pode ser muito desafiador. Entretanto, há evidências científicas que demonstram claramente que exercitar-se regularmente ajuda muito no tratamento da dor crônica. Profissionais de educação física e fisioterapeutas podem ajudar muito no estabelecimento de exercícios seguros para cada indivíduo, mesmo que para isso seja necessário começar de forma pouco intensa.
6. Outro elemento muito importante para manejo de estresse é suporte social. Apoio emocional é uma das importantes formas de suporte social, ainda que não seja a única. Além disso, suporte social pode vir de familiares, amigos, colegas de trabalhos ou de instituições, como organizações religiosas.
Construir uma rede de suporte social e em seguida cultivar esses vínculos continuamente é fundamental e funciona como um amortecedor para estresse em momentos difíceis, assim prevenindo pioras de dor que tipicamente ocorrem nesses momentos difíceis.
Tratamentos com profissionais de saúde
Diante da complexidade dos sintomas apresentados no contexto de dor crônica, com muita frequência seus portadores têm em seu cuidado muitos profissionais de saúde, como clínicos gerais, geriatras, fisiatras, ortopedistas, psiquiatras, fisioterapeutas, educadores físicos e psicólogos. As recomendações deste texto não substituem o aconselhamento técnico de nenhum desses profissionais.
Colaboração de Pedro Rosa, médico psiquiatra. Graduado em medicina pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), residência médica em psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, doutor em ciências pela FMUSP, pesquisador do Laboratório de Neuroimagem em Psiquiatria (LIM-21) da FMUSP. Atua em consultório privado e em hospitais em São Paulo (Hospital Israelita Albert Einstein e Hospital Sírio-Libanês).
Fonte: Viva Bem Uol
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