Hoje, nessa noite chuvosa, senti que chegou a hora de escrever para você pela primeira vez nessa longa jornada de altos e baixos que iniciou-se em 2003.
Lembro-me que na época em que eu morava em Fortaleza/CE, não imaginava quão ardo seria a caminhada com você em minha vida. Bem que você poderia ter sido mais gentil comigo!
Não sei ao certo o que facilitou a sua chegada, se foi a ausência do meu irmão por 2 anos (pois sabia que a sua partida para a missão um dia chegaria, mas nunca havia vivenciado tal experiência) ou se foram outros fatores, só sei que você apareceu sem avisar.
Passei por muitos momentos de muita tristeza, pois você estava por várias partes de meu corpo. Todos reparavam a sua presença e isso me deixava muito constrangida, até mesmo fazia com que me afastasse cada vez mais do convívio social, pois eu não tinha na época o conhecimento, não sabia quem você era e tão pouco aceitava a idéia de que alguém tão difícil faria parte 24h pelo resto da minha vida. Eu era apenas uma menina que acabara de entrar na fase mais difícil de uma pessoa (a adolescência) onde fazemos de tudo para ser aceitos pelos jovens, e um problema como você iria atrapalhar muito e foi isso que aconteceu.
Uma das lembranças muito marcante logo nos primeiros meses que você chegou, foi de um dia em que estava acompanhada de meus pais para mais uma consulta com um dermatologista, o médico falou que fui um erro de fabricação e que meus pais haviam esquecido de ajustar alguma peça e ele não podia me ajudar ou seja consertar tal erro ou defeito. Foi arrasador e muito revoltante esse dia, por anos isso doeu dentro de mim. Como podia um médico falar isso para mim? Como que essa doença não tinha cura? Onde que peguei? Como que só eu tinham e meus irmãos e parentes não tinham? Esses e outros questionamentos tomaram conta da minha mente naquele momento e perpetuou por muito muito muito tempo e não pude falar para ninguém. Sofri calada. Noites de choros, meu travesseiro que o diga.
Eu usava várias pomadas, cremes, gel afim de esconder você e não deixar que ressecase minha pele durante o dia. Quando a noite chegava (na hora de dormir) era um céus nos acuda! Você deixava minha pele em carne viva, minhas orelhas ficavam de tal maneira que era necessário colocar algodão em cada uma afim de secar a secreção (as vezes até sangrava)! Quando finalmente eu conseguia pegar no sono você me despertava e mexia comigo, com uma coceira insuportável em todo o meu corpo, isso tirava o meu juízo, pois eu tinha que tomar banho ou passar água gelada na tentativa de aliviar tudo isso. Nesse tempo comecei a desenvolver uma ansiedade que até hoje sinto, mas graças a Deus hoje consigo indentificar os sinais e tenho ferramentas necessárias para passar pelas crises.
O tempo passou, muitas idas e vindas de médicos, uns diziam que você era uma alergia, outros caspas, e nada de chegarem a um diagnóstico, o que me deixava cada vez mais triste e frustrada, por muitas e muitas vezes eu chorava em silêncio ao deitar ou no banho para ninguém perceber. Sempre me questionava: Porquê eu? E você nunca respondeu-me. Você era muito cruel!
Depois de alguns anos, agora em Manaus/AM, no ano de 2010, finalmente fiz uma biópsia do coro cabeludo onde a Dra Ana Tereza Orzi deu a notícia mais triste de minha vida, o que eu mais temia que fosse (pois há um tempo havia pesquisado na internet sobre você). A Dra falou que o eu tinha era psoríase! Nesse dia fiquei sem chão, pois sabia que você nunca mais sairia da minha vida e que você poderia mexer com outras partes do meu corpo. Você poderia chamar parentes e amigos para fazer morada. Foi um misto de sentimentos, estava feliz por finalmente descobrir o que tinha e começar um tratamento mais assertiva e muito triste, pois sabia que não tinha cura.
Entre medicações, cremes, pomadas, afim de frear suas ações, você decidiu por conta própria convidar uma amiga e ela chegou… a artrite psoriasica, veio de mala e cuia para morar sem nenhuma intenção de ir embora tão cedo. Era muito doloroso para mim tanto fisicamente quanto mentalmente, porque eu não aceitava a idéia de que uma pessoa tão jovem poderia ser paralisada por vocês, mas como da primeira vez, dei a volta por cima. Entre altos e baixos, de internação em internação e de infecção em infecção, consegui me reinventar a cada dia. Não foi fácil, pois sua amiga é de difícil detecção e para meu azar, ela não aparecia em nenhum exame que fazia. Muitos comentários e piadinhas eu escutava por causa de vocês, dentre eles os que mais me machucavam eram: você está muito estressada, você está pirada da cabeça, as dores físicas e fadiga que sentia era preguiça, era falta de Deus, eu estava em pecado ou eram sintomas psicológicos… Como? Como?!!! Eu sendo tão jovem…, que ia para todos os lugares sem ter nenhuma limitação, poderia está inventando tudo isso?!
Mais uma vez um misto de sentimento tomou conta de todo meu ser. Tinha muita raiva de você e sua de sua prima, insegurança e medo me tomaram por completo, será que eu teria força suficiente para carregar todo o peso que vocês trariam para mim. No auge do meu estresse, tristeza e dor recebi mais uma notícia muito ruim e de todas foi a mais marcante, porque requeria mais cuidados. Chegou de forma bem calma e depois mostrou-se quem de fato era. A Síndrome de Sjogrem uma doença totalmente desconhecida e que até hoje estou na luta para fechar seu diagnóstico. No auge da pandemia da covid, quando começaram os casos aqui em Manaus estava internada para controlar vários sintomas causados por ela. Olhos ardendo, vermelhos, parecia que tinha colocado brasa em cada um dos olhos, dores horríveis como nunca tinha sentido, assim era como eu me encontrava. O agravante era que não tinha reumatologista disponível, nem pelo plano e muito menos consulta particular. Me vi muito fragilizada e com muito medo de não conseguir passar por isso.
Mais uma vez o Senhor me fortaleceu e me preparou para o que iria acontecer no ano seguinte.
2021 chegou e começou bem desafiador. Dia 12 de janeiro recebi o resultado positivo para covid bem no auge do colapso da saúde aqui no Amazonas. Todos os hospitais e prontos socorros fechados.
Tive vários agravantes da doença. No mês de março mais uma vez recebi outra notícia não muito legal e que oro todos os dias para que a Reumatologista esteja errada. Tive uma hiperalgesia pós covid e começou a investigação de uma possível fibromialgia, ao mesmo tempo comecei a perder a visão do olho esquerdo e o diagnóstico veio de Neurite Óptica. Tive que fazer um tratamento bem difícil e a recuperação foi bem pesada, sem contar que você psoríase veio com tudo e até hoje não consigo lhe controlar.
Sabe, tudo isso que aconteceu, graças a Deus, hoje olho para trás e vejo o quanto fui forte e sou! Hoje consigo lhe perdoar e me perdoar por não ter começado a caminhada de forma equilibrada. Hoje eu aceito você, seus parentes e amigos em minha jornada. Iremos andar lado a lado aprendendo a levar de forma mais leve a vida e respeitando os limites.
Sei que serão muitos e muitos anos, prometo que farei a minha parte cuidando da minha alimentação saudável, Praticando atividade física, tendo mais qualidade no sono, fazendo terapias psicológicas e medicações tanto farmacológicas quando alternativas.
Carregar uma doença no corpo é como guardar um inimigo dentro de casa, mas as coisas não valem pela forma como começam, mas sim do jeito como acabam. Acredito no espírito guerreiro e na capacidade que há dentro de mim para superar cada dia em que as coisas não correrem tão bem. Passo a passo, conseguirei dar a volta por cima e olhar para trás sem peso ou culpa nenhuma dessas fases difíceis.
Para finalizar tenho só um pedido a fazer: por favor não me trate mais com tanta raiva. Entenda que fiz muitas coisas para que você fosse embora a força e peço mais uma vez perdão por isso.
Com amor e gratidão de sua companheira de jornada,
Ayumi Senna.
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