Especialistas debatem usos da terapia biológica para a doença de Crohn e retocolite ulcerativa
Organizado pela Biored Brasil com apoio da iniciativa privada, o evento online Medicamentos biológicos e biossimilares usados nas Doenças Inflamatórias Intestinais reuniu médicos e associações de pacientes para desmistificar o uso dos medicamentos biológicos nas doenças de Crohn e na retocolite ulcerativa. O evento pode ser assistido na íntegra no canal do YouTube da Biored Brasil: https://youtu.be/y63dHeZHXF8 e faz parte da programação do Webinário Cenário das Políticas Públicas de Acesso a Medicamento Biológico e Biossimilar.
Estiveram virtualmente presentes as médicas gastroenterologistas Dra. Marilia Majeski e Dra. Adalberta Lima Martins, do Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal(GEDIB), Dra. Marta Machado, da Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn (ABCD), além do Dr. Ricardo Garcia, pesquisador da Clapbio e os representantes das associações de pacientes: Farmale, ALEMDII, DII Brasil e Grupo EncontrAR.
Biológicos no tratamento da doença de Crohn e retocolite ulcerativa
Dra. Marília Majeski abriu o evento explicando como é a dinâmica das doenças inflamatórias intestinais. A especialista contou que pacientes que possuem essas doenças apresentam um problema de comunicação no sistema de defesa do seu próprio corpo. Uma vez ativado, esse sistema continua produzindo anticorpos mesmo quando a “ameaça” ao organismo já foi neutralizada. “Nesse momento, que entra a terapia biológica. Atualmente, a gente tem o anti-TNF, anti-interleucina e anti-integrina, que são medicamentos que foram criados para bloquear esse sinal, para impedir que essa ativação se perpetue, que continue de forma desordenada. Muitas vezes o organismo já corrigiu o agente externo e começa a agredir o nosso próprio corpo”, contou.
A gastroenterologista afirma que os medicamentos biológicos revolucionaram o tratamento das doenças inflamatórias intestinais. Na doença de Crohn, uma condição crônica, autoimune e progressiva, que provoca uma inflamação desenfreada no organismo do paciente, esses medicamentos são capazes de impedir a progressão da doença e suas graves complicações quando o diagnóstico é feito de forma precoce. Além de evitar recorrências nos casos em que as complicações já se apresentam.
É preciso avaliar o melhor momento para a utilização dos biológicos
Mesmo com todos os benefícios não são todos os pacientes com doenças inflamatórias intestinais que iniciam o tratamento com os medicamentos biológicos. É preciso avaliar o momento correto para o uso, dependendo de cada caso e alguns pacientes não chegam a precisar deste recurso. As indicações mais comuns para o uso dos biológicos em pacientes com doença de Crohn e retocolite ulcerativa são os pacientes com doença moderada a grave que não responderam ao tratamento com os medicamentos da terapia convencional (geralmente imunossupressores e corticoides) ou se apresentaram alguma reação adversa a esses medicamentos, explicou Dra. Marília.
Entretanto, a médica destacou que devido ao padrão penetrante da doença de Crohn os biológicos costumam ser indicados logo no início do tratamento. Já nos pacientes com retocolite quando apresentam desde o início uma colite ulcerativa grave, precisando de uma ação rápida para impedir a necessidade de cirurgia e o risco de falecimento, também é indicado o uso de terapia biológica.
A escolha do medicamento leva em consideração se o paciente tem outras doenças autoimunes que têm indicação de biológico ou se ele possui outras comorbidades que contraindicam o uso de um determinado biológico. A gravidade da doença também é levada em consideração, assim como a necessidade de um tratamento com efeito rápido. Outro ponto importante é a faixa etária do paciente, afirmou a gastroenterologista, que também disse ser necessário avaliar questões de farmacoeconomia.
A profissional ressaltou ainda que após a escolha do medicamento biológico mais indicado ainda é necessário uma preparação antes do início do tratamento para diminuir os riscos para os pacientes. Para isso, é necessário conferir os exames laboratoriais do paciente, realizar um rastreio para doenças infecciosas (como hepatite, vírus da mononucleose, tuberculose, etc.) e de câncer, além de indicar atualização da vacinação. Tudo isso é necessário, pois esses medicamentos realizam uma imunossupressão potente no organismo do paciente e pessoas imunossuprimidas correm mais riscos em contato com outras doenças.
Dificuldade na produção dos biológicos encarecem o produto, dificulta o acesso e motiva busca por opções
Os medicamentos biológicos abriram um novo capítulo na medicina para tratamento das doenças inflamatórias em geral. A ação do medicamento é complexa e, consequentemente, seu processo de produção também. Primeiro, é identificada qual a sequência de DNA responsável pela produção dos anticorpos que combatem os antígenos, que são os comunicadores inflamatórios.
Depois, por meio de engenharia genética é selecionada a região que vai ser aplicada essa produção de células específicas, inicialmente em um vetor que pode ser um rato de laboratório. Em seguida, o rato é colocado em um meio que estimule-o a expressar a produção dessa proteínas, que nada mais é que o anticorpo. “Essas células são colocadas em um ambiente para propiciar o crescimento, a expansão e a multiplicação, com controle de PH e temperatura para não ter contaminação com microorganismos externos. Por fim, passa por um processo de purificação para extrair esses anticorpos que foram produzidos, que serão colocados em uma solução estéril já preparada para aplicação”, explicou Dra. Marília.
Todo este processo possui um alto custo, o que reflete no valor dos medicamentos e dificulta o acesso dos pacientes a eles. Por isso, foram criados os biossimilares, que buscam reproduzir o medicamento originador da forma mais próxima possível, garantindo eficácia, qualidade e segurança. Porém, a profissional explica que por se tratarem de medicamentos produzidos através de células vivas não é possível gerar uma cópia idêntica, e para isso são usados critérios de comparabilidade.
O receio com o uso dos biossimilares
Mas o fato de os biossimilares não serem cópias idênticas gera dúvida quanto a segurança e a eficácia dos mesmos entre pacientes e médicos. A Dra. Adalberta Lima Martins falou em sua participação no evento sobre o que já se sabe de forma concreta sobre a utilização desses medicamentos, além do posicionamento dos médicos gastroenterologistas a respeito.
Atualmente, existem evidências científicas que comprovam a eficácia e segurança dos biossimilares, que podem ser escolhidos como primeira opção na terapia biológica ao invés do medicamento biológico originador e podem ser utilizados como substituição de tratamentos já iniciados com o medicamento biológico originador, o chamado ‘switch’. As trocas têm sido feitas devido às necessidades do sistema de saúde e não parecem ter nenhum critério pré-estabelecido, o que tem aumentado a preocupação em relação a essa prática entre médicos e pacientes.
Os estudos atuais mostram a eficácia e segurança da troca entre biológicos e biossimilares durante o tratamento. Outra prática que gera bastante preocupação é o ‘switch reverse’, que é quando o paciente inicia o tratamento com o medicamento biológico, é feita a alteração para o biossimilar e depois volta ao medicamento originador. Até o momento, existem poucas pesquisas sobre o tema, que não são capazes de gerar evidências científicas suficientes para confirmar se essas alterações são eficazes e seguras para o pacientes, explicou a gastroenterologista.
E embora não haja consenso sobre qual é o melhor momento e qual o perfil de paciente mais favorável para o switch, a médica afirma ser possível afirmar que pacientes estáveis e controlados são bons candidatos para essa troca. Ela ressaltou ainda que é importante que o paciente concorde, entenda a troca e se sinta confortável com isso.
Para a profissional está claro que o switch não pode ser realizado em pacientes instáveis, sem remissão e com pouco tempo de tratamento na terapia biológica. Assim como pacientes com histórico de imunogenicidade ao biológico originador. Neste caso é necessário alterar o tipo de medicamento biológico.
Sobre o posicionamento dos profissionais da saúde quanto ao uso dos biossimilares, a Dra. Adalberta compartilhou dados de uma pesquisa realizada durante um evento do GEDIIB em 2019. No questionário respondido pelos médicos na ocasião, 40% dos profissionais responderam ter acesso aos medicamentos biossimilares, porém nunca tinham prescrito o medicamento. E 33% afirmaram não possuir acesso a esse tipo de terapia biológica. Ou seja, mais de 70% dos profissionais não faziam uso desse recurso.
Quando questionados sobre se trocariam um biológico por um biossimilar para um paciente em remissão sustentada, 64% dos profissionais afirmaram que não fariam, pois acreditavam não existir dados suficientes para suportar essa mudança. Também foi levantada a opinião dos profissionais sobre a educação a respeito dos biossimilares e 59% demonstraram acreditar que as informações sobre o tema ainda eram muito confusas. E 94% avaliaram ser necessária a realização de mais atividades educacionais sobre os biossimilares. Para finalizar, os médicos foram questionados sobre sua confiança em prescrever os biossimilares, sendo que 56% deles disseram estar pouco confiantes e 21% afirmaram não ter confiança alguma para realizar a prescrição.
Finalizando sua participação, a Dra. Adalberta ressaltou a importância dos debates entre os diversos grupos de interesse para que cada um possa entender pontos de vista diferentes e fomentar a discussão e educação sobre o assunto. “O que a gente mais precisa é o que estamos fazendo aqui, é essa simbiose. Grupos de pacientes, GEDIIB, assistência farmacêutica, assistência médica, cada um de nós como cidadão tem que ter consciência”.
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