Em todo o mundo, 1,5 milhão de pessoas — a maioria mulheres — vive com uma condição, dolorosa e debilitante, caracterizada pela destruição das cartilagens das articulações. Nas formas mais severas, a artrite reumatoide pode, inclusive, evoluir para inflamações vasculares e danos em órgãos internos, provocando morte prematura. Apesar dos avanços nos tratamentos, ainda não é possível atacar a doença de frente, pois as causas dela são desconhecidas. Agora, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Johns Hopkins, nos Estados Unidos, afirmam ter encontrado evidências de um importante mecanismo por trás da enfermidade, o que poderá levar ao desenvolvimento de novas terapias.
Em um artigo publicado na edição de ontem da revista Science Translational Medicine, a equipe do professor de reumatologia Felipe Andrade descreveu como uma bactéria conhecida por causar periodontite — uma inflamação crônica das gengivas — também pode desencadear o processo autoimune que caracteriza a artrite reumatoide. Doenças autoimunes são aquelas nas quais o organismo começa a se auto atacar de maneira exagerada diante de algum agente externo.
Segundo Andrade, muitos pacientes de artrite reumatoide também estão infectados pela bactéria Aggregatibacter actinomycetemcomitans. Aparentemente, esse patógeno induz a produção das chamadas proteínas citrulinadas, substâncias suspeitas de ativar o sistema imunológico, provocando os eventos que levam ao desenvolvimento da doença autoimune. De acordo com o reumatologista, a descoberta poderá ajudar a encontrar não só novos tratamentos, mas métodos preventivos. “Estamos colocando as últimas peças de um complicado quebra-cabeça que vimos montando há muitos anos”, diz o médico. “Esse estudo pode ser o mais perto que já chegamos das raízes da artrite reumatoide”, afirmou, em nota, Maximilian Konig, pesquisador do Hospital Geral de Massachusetts e primeiro autor do artigo.
A associação entre a doença periodontal e a artrite reumatoide vem sendo investigada desde o início da década de 1990, quando se levantou a suspeita, pela primeira vez, de que ambas as condições seriam provocadas por um mesmo agente. Acontece que os pesquisadores, aparentemente, estavam olhando para o micro-organismo errado. A maior parte dos estudos apontou para a bactéria Porphyromonas gingivali, também encontrada na cavidade oral de pessoas que sofrem de periodontite. A consequência foi que nenhum desses trabalhos conseguiu fazer a associação entre as complicações. “Mas nós persistimos e começamos a olhar para outras bactérias porque a relação entre a doença periodontal e a artrite reumatoide é muito intrigante”, conta Andrade.
Acúmulo de proteínas
No estudo atual, Andrade contou com a colaboração de reumatologistas e especialistas em microbiologia periodontal, que se debruçaram sobre as duas enfermidades para encontrar novos denominadores comuns. Ao analisar amostras de bactérias coletadas em pacientes de periodontites, eles notaram um processo semelhante ao já observado anteriormente nas articulações de pessoas com artrite reumatoide. Trata-se da hipercitrulinação.
Em todas as pessoas, explica o médico, ocorre a cirtrulinação, um mecanismo natural que regula a função das proteínas. Contudo, nos pacientes de artrite reumatoide, o processo é exagerado e, como consequência, há um acúmulo anormal da substância. Para atacar o problema, o organismo produz anticorpos que, por sua vez, desencadeiam o processo inflamatório. O corpo passa a enfrentar os próprios tecidos, característica principal da doença. Segundo Andrade, entre os muitos patógenos relacionados à periodontite, a Aggregatibacter actinomycetemcomitans é a única a induzir a hipercitrulinação.
Esse processo acontece nos neutrófilos, células brancas do sistema imunológico enriquecidas pelas PADs, um grupo de enzimas necessárias para a regulação proteica. “Os neutrófilos são as células inflamatórias mais abundantes encontradas nas juntas e nas gengivas dos pacientes que, além da artrite reumatoide, têm doença periodontal”, explica Andrade. O médico afirma que a bactéria desencadeia a hipercitrulinação por meio da secreção de uma toxina que mata as células de defesa do organismo hospedeiro. “Essa toxina cria buracos na superfície dos neutrófilos, provocando um fluxo de grandes quantidades de cálcio dentro das células, onde, normalmente, essas concentrações são baixas. Como as enzimas PADs ativam-se justamente com o cálcio, a exposição abrupta a essa concentração faz com que elas fiquem hiperativas, levando à hipercitrulinação”, resume.
Influência genética
No estudo divulgado, os pesquisadores também desenvolveram um teste usando a bactéria e a toxina que ela produz para tentar detectar, no sangue, anticorpos especializados em combater a Aggregatibacter actinomycetemcomitans. Eles pegaram 196 amostras de tecidos de pacientes de artrite reumatoide, dos quais 92 deram positivo para a bactéria. O médico explica que nem todas as pessoas com o patógeno desenvolverão a doença autoimune. “A predisposição genética é crítica para ter a doença. Muitos genes foram associados à artrite reumatoide, sendo que o mais importante está relacionado ao chamado sistema HLA. Então, você precisa ter a bactéria e a predisposição genética”, diz Felipe Andrade, líder da pesquisa.
Licia Mota, presidente do Congresso da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) deste ano, pesquisadora e reumatologista do Hospital Universitário de Brasília (HUB), explica que a influência dos microbiomas na autoimunidade é uma importante área de estudo, com diversos trabalhos a respeito, apresentados em congressos recentes. “A presença de bactérias provoca a citrulinação local, e é possível que isso tenha associação com o processo sistêmico inflamatório. Outros estudos também correlacionam bactérias à gravidade da artrite reumatoide”, diz. “Essas pesquisas abrem perspectivas de compreensão da doença, com potencial de novos tratamentos e intervenções pré-clínicas”, afirma.
Assim como o colega de Johns Hopkins, porém, Licia Mota ressalta que a enfermidade não tem uma única causa. “As doenças autoimunes são multifatoriais. Não é como outras infecções, uma gripe, por exemplo, desencadeada por um vírus. O fenômeno é muito mais complexo e exige predisposição genética e fatores ambientais. Se fosse só a presença da bactéria, a doença estava resolvida.”
Fonte: Site UAI
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