Um estudo que envolveu cientistas do Laboratório de Avaliação e Condicionamento em Reumatologia (Lacre) do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP) e do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição, ligado à Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, mostra que os exercícios físicos domiciliares, destinados a pacientes com doenças reumáticas, são eficazes e seguros em comparação aos programas físicos presenciais em centros especializados, embora a taxa de aderência à modalidade seja moderada.
“Essa pesquisa dá uma informação inédita e válida para que se trabalhe na atenção desses pacientes, neste contexto de preocupação sobre o cuidado deles com a movimentação restrita, e revela a necessidade do uso de recursos digitais para ampliar a aderência”, afirma ao Jornal da USP o pesquisador Tiago Peçanha, profissional de educação física, pós-doutorando na FMUSP e coordenador do estudo.
Popularmente conhecidas como reumatismo, doenças reumáticas são um grupo de mais de 100 patologias que acometem o aparelho locomotor, como osteoartrite, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico e fibromialgia, entre outras.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), mais de 15 milhões de pessoas, entre crianças, adultos e idosos, são acometidas por essas doenças que afeta desde articulações, tendões e cartilagens a órgãos, ossos e músculos.
Com as medidas de restrição de movimento impostas pela pandemia, parte do tratamento dos pacientes com essas doenças foi comprometida, ao passo que envolve práticas de atividades físicas, tradicionalmente presenciais, e grande parte dos portadores faz parte de grupo de risco para a covid-19. De acordo com Peçanha, o nível de atividade física desses pacientes caiu neste período.
“Por algum motivo as pessoas resistem em aderir, e sendo eficaz, precisamos pensar em medidas para melhorar essa aderência, com as novas tecnologias, estratégias comportamentais, reeducar e empoderar o paciente para que ele faça o programa remoto”
O Lacre do HC desenvolveu na FMUSP projetos direcionados aos pacientes com doenças reumáticas para o incentivo de exercícios físicos em casa e isso motivou os cientistas a avaliar a característica dos principais programas de atividade física domiciliar para pacientes portadores dessas doenças e se tais práticas são eficazes no tratamento em comparação com as atividades presenciais.
A pesquisa aponta que exercícios físicos domiciliares, além de importantes para o tratamento da doença, são eficazes e seguros em comparação aos programas físicos presenciais em centros especializados, embora a taxa de aderência à modalidade remota seja de 50%.
A revisão sistemática da literatura científica com meta-análises abrange 21 estudos, com 1.797 pacientes ao todo, entre a maioria jovens adultos e adultos de meia-idade. O artigo intitulado Efficacy of home-based physical activity interventions in patients with autoimmune rheumatic diseases: A systematic review and meta-analysis foi publicado na revista Seminars in Arthritis and Rheumatism, em abril deste ano.
Características das doença reumáticas
O estudo teve enfoque nas doenças reumáticas autoimunes. Sofia Mendes Sieczkowska, profissional de educação física e doutoranda na FMUSP, explica ao Jornal da USP que essas doenças afetam as articulações e os músculos e estão associadas à morbidade e à mortalidade substanciais.
Elas são geralmente caracterizadas por inflamação sistêmica, ou seja, uma inflamação que atinge todo o corpo, o que inclui diversos órgãos e tecidos, e compartilham características clínicas comuns como dor crônica, fadiga e, como consequência, baixa qualidade de vida relacionada à saúde.
Para avaliar os efeitos da atividade física nesses pacientes, a revisão selecionou em publicações da PubMed, Web of Science, Scopus, Cochrane, CINAHL database e Sportdiscus estudos que comparam condição de exercício domiciliar com as condições sem exercício (controle) e com exercício presencial, em pacientes com doenças reumáticas.
“Nós buscamos observar se a atividade domiciliar era eficaz, similar ou inferior ao exercício tradicional no tratamento desses pacientes”, afirma Peçanha.
De acordo com o pesquisador, o estudo analisou a qualidade de vida, dor, atividade de doença, inflamação e a capacidade funcional, que é a habilidade de realizar tarefas do dia a dia geralmente prejudicadas pela doença, como amarrar o cadarço.
Ao avaliar as características dos programas de atividade física domiciliar para esta população, a pesquisa mostrou que, em média, a duração era de quatro meses, com uma rotina que combinava exercícios de flexibilidade e fortalecimento, eventualmente adicionados ao exercício aeróbio, postural e respiratório, realizados por 40 minutos e em intensidade baixa a moderada.
“Vale destacar que dois estudos usaram jogos eletrônicos de movimento cinco vezes por semana”, completa Peçanha.
A avaliação mostrou que a maioria dos programas não era supervisionada e o monitoramento era parcial, com respostas a diários, ligações telefônicas e com baixo uso de tecnologias. Foram usados equipamentos de exercícios, com faixas, bicicletas ergométricas, halteres, enviados pelos pesquisadores à casa dos pacientes.
Os resultados mostraram que, em comparação à condição sem exercício, a atividade domiciliar foi capaz de melhorar a capacidade funcional, reduzir a dor e diminuir a atividade da doença.
“Isso mostra que, além de melhorar os sintomas clássicos, ajuda no próprio controle e tratamento da doença”, afirma Peçanha. Na comparação entre o exercício domiciliar e o presencial, não foi observada diferença. Segundo ele, a atividade física domiciliar foi tão eficaz quanto a presencial, dentro das características apontadas na pesquisa, que é o maior impacto clínico do estudo.
Melhorar a aderência
Os dados revelaram que a aderência média aos programas domiciliares era de 50%, considerada moderada. “Por algum motivo as pessoas resistem em aderir, e sendo eficaz, precisamos pensar em medidas para melhorar essa aderência, com as novas tecnologias, estratégias comportamentais, reeducar e empoderar o paciente para que ele faça o programa remoto”, completa.
A intervenção remota com as características reportadas no estudo também foi qualificada como segura, ao passo que nenhum estudo reportou efeitos adversos, e, para nível de instrução, a pesquisa traz um direcionamento de como essas intervenções podem ser desenhadas e planejadas da melhor forma.
“Esperamos que o profissional de saúde use as informações que trouxemos no artigo para recomendar as práticas e o profissional de atividade física use para desenhar os programas para atender a população”, completa Peçanha.
O pesquisador destaca o podcast “Exercício é uma droga”, projeto que visa a aumentar o conhecimento da população sobre a importância da atividade física e nutrição para a saúde de maneira descontraída.
O programa é apoiado pela Sociedade de Fisiologia do Reino Unido e é realizado por Rafael Fecchio, da USP; Rafael Rezende, da Universidade Paulista, e Aluísio Lima, da Universidade Federal do Sergipe, além de Tiago Peçanha.
Fonte: Viva Bem Uol.
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